A transição demográfica nos 200 anos da Independência do Brasil

Há 150 anos, primeiro censo feito no país já registrava o extermínio dos indígenas e o predomínio absoluto da população negra, livre e escravizada

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 10ODS 11 • Publicada em 2 de maio de 2022 - 11:12 • Atualizada em 19 de novembro de 2022 - 19:20

Arte Claudio Duarte

Arte Claudio Duarte

Há 150 anos, primeiro censo feito no país já registrava o extermínio dos indígenas e o predomínio absoluto da população negra, livre e escravizada

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 10ODS 11 • Publicada em 2 de maio de 2022 - 11:12 • Atualizada em 19 de novembro de 2022 - 19:20

Os primeiros seres humanos chegaram ao continente americano há cerca de 12 mil anos. Cristóvão Colombo chegou à América Central no dia 12 de outubro de 1492. Dois anos depois, sob a égide da Igreja Católica, durante o papado de Alexandre VI, foi estabelecido o Tratado de Tordesilhas, assinado em 7 de junho de 1494, dividindo as terras “descobertas e por descobrir” entre as Coroas de Portugal e Espanha. O tratado definia como linha de demarcação o meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Cabo Verde, abarcando o território que hoje está compreendido em uma linha que vai de, aproximadamente, Belém, no Pará, a Laguna, em Santa Catarina. Por conseguinte, toda a costa leste do Brasil estava definida como uma possessão portuguesa, antes da chegada de Pedro Álvares Cabral.

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Os portugueses desembarcaram no Brasil no dia 22 de abril de 1500. Naquele momento, o tamanho da população nativa do país estava em torno de 3 a 4 milhões de pessoas. Três séculos depois, em 1798 a população brasileira foi estimada em 3,25 milhões de habitantes. O tamanho era mais ou menos o mesmo, mas com uma diferença fundamental: a população indígena foi reduzida para somente 250 mil pessoas, a população branca de origem europeia passou para 1 milhão de pessoas, a população de origem africana livre com 400 mil pessoas e a população de origem africana escravizada com 1,6 milhão de pessoas. Houve uma inegável reconfiguração étnica.

O primeiro censo demográfico, realizado em 1872, indicou uma população de 10 milhões de habitantes, sendo 3,8 milhões de brasileiros brancos de origem europeia (39,1%), percentagem maior do que no final do século XVIII. Mas o maior contingente populacional registrado foi o de pessoas de origem africana livres, com 4,3 milhões de pessoas (42,8% do total). A população escravizada era de 1,5 milhão de habitantes (15,2% do total) e a população indígena de 387 mil, representando 3,9% da população total.

Crianças da Povo Munduruku brincam na rede. Hoje, os indígenas representam menos de 1% da população total. Foto Anderson Barbosa/AFP
Crianças da Povo Munduruku brincam na rede. Hoje, os indígenas representam menos de 1% da população total. Foto Anderson Barbosa/AFP

O último censo demográfico realizado no Brasil, de 2010, indicou uma população total de 191 milhões de habitantes, sendo 90,6 milhões de pessoas autodeclaradas brancas (47,5% do total), 82,8 milhões de pardos (43,4% do total), 14,3 milhões de pessoas autodeclaradas pretas (7,5% do total), 2,1 milhões de pessoas amarelas (1,1% do total) e 822 mil pessoas autodeclaradas indígenas (0,43% do total). As projeções populacionais do IBGE indicam uma população total de 214,8 milhões de habitantes em 2022. O número real será conhecido após a realização do censo que estava previsto para 2020, mas que foi adiado e deve ser realizado no segundo semestre do corrente ano.

Sem dúvida, a composição étnica e social brasileira mudou bastante nos últimos dois séculos, sendo que o número de habitantes cresceu, aproximadamente, 50 vezes nos 200 anos da Independência. O Brasil está entre os países que apresentaram maior crescimento demográfico nos últimos dois séculos e, atualmente, é o sexto país mais populoso do mundo, ficando atrás apenas da China, Índia, Estados Unidos, Indonésia e Paquistão.

A imigração internacional teve uma contribuição neste alto crescimento populacional. Mas o principal fator de aceleração das taxas de crescimento foi a transição demográfica, que significa a passagem de altas para baixas taxas de mortalidade e natalidade. Esse fenômeno, que tem ocorrido em quase todos os países do mundo, é a mudança de comportamento de massa mais expressiva e impactante da história. Ela mudou uma realidade que parecia inexorável, pois, desde o surgimento do Homo Sapiens, há pelo menos 200 mil anos, as taxas de mortalidade sempre foram elevadas e a morte precoce era a norma que ceifava vidas jovens. As mortalidades materna e infantil eram elevadíssimas e isto forçava a sociedade a manter altas taxas de natalidade para garantir a sobrevivência da população.

Mas, felizmente, a triste realidade da baixa longevidade mudou, pois a maior conquista dos 200 anos da Independência foi, de forma inequívoca, a redução das taxas de mortalidade e o aumento do tempo médio de vida da população brasileira. Em 1822, a expectativa de vida ao nascer dos brasileiros estava em torno de 25 anos e passou para 76 anos em 2019 (último dado disponível). O tempo médio de vida foi multiplicado por 3 vezes. Isto nunca tinha ocorrido no passado e nem vai acontecer no futuro, pois as projeções indicam uma expectativa de vida em torno de 85 anos em 2100.

Em 1900, o mundo tinha uma expectativa de vida ao nascer de 32 anos, enquanto o Brasil registrava 29 anos. Quatro décadas depois, o mundo atingiu expectativa de vida de 42 anos e o Brasil 37 anos. Mas na década de 1940 o Brasil deu um salto e atingiu uma expectativa de vida ao nascer de 50,1 anos em 1950, contra 45,7 anos da média global. Pela primeira vez o Brasil teve anos médios de vida acima do padrão internacional. No ano 2000, a expectativa de vida ao nascer do Brasil atingiu 70,1 anos, enquanto a média mundial chegou a 66,3 anos. Os ganhos foram espetaculares no século XX e continuaram no século XXI. Em 2019, o Brasil alcançou 75,9 anos e o mundo 72,6 anos.

Passageiros se aglomeram na Estação da Luz, em São Paulo. População brasileira deve chegar ao pico de 228 milhões de habitantes, em 2045. Foto Suamy Beydoun/AGIF via AFP

A redução das taxas de mortalidade foi importante não somente para o aumento da duração da vida dos brasileiros, mas também foi fundamental para o avanço do desenvolvimento socioeconômico do país, uma vez que os investimentos em saúde e educação apresentam maiores retornos quanto mais longa é a sobrevida das pessoas. A pandemia da covid-19 reduziu a expectativa de vida no Brasil e no mundo, mas espera-se que nos próximos anos a tendência histórica seja retomada, mesmo que em ritmo menor do que o previsto anteriormente.

O gráfico abaixo mostra a Transição Demográfica no Brasil entre 1800 e 2100. Nota-se que na maior parte do século XIX, as taxas brutas de natalidade (47 por mil) e de mortalidade (33 por mil) eram muito altas, o que gerava taxas de crescimento vegetativo, na ordem de 14 por mil (1,4% ao ano). A grande imigração de origem europeia e japonesa aumentou o ritmo do crescimento demográfico. Mas foi a redução da Taxa Bruta de Mortalidade (TBM), a partir das duas décadas finais do século XIX, que acelerou o crescimento vegetativo. A TBM continuou caindo na primeira metade do século XX, enquanto a Taxa Bruta de Natalidade (TBN) continuava elevada. Como resultado, a população brasileira passou a crescer cerca de 3% ao ano entre 1950 e 1970, atingindo o maior nível de crescimento de toda a história brasileira.

A partir do final da década de 1960 as taxas de natalidade começaram a cair e, em consequência, diminuiu o ritmo de crescimento demográfico. Segundo as projeções da Divisão de População da ONU (revisão 2019) as duas curvas vão se cruzar em meados da década de 2040 e a partir daí a TBM vai superar a TBN, gerando o início de um processo de decrescimento populacional que deve se tornar a norma na segunda metade do século XXI. Portanto, a população brasileira vai atingir o pico máximo em 2045 com 228 milhões de habitantes, iniciará uma fase inédita de decrescimento e deverá chegar em 2100 com 181 milhões de habitantes.

O gráfico também mostra os três grandes grupos etários da população. Observa-se que a população de 0 a 14 anos (crianças e adolescentes) era de 1,5 milhão em 1800 e chegou a 22,4 milhões em 1950 (representando algo em torno de 42% da população total neste período). Este grupo etário chegou ao pico do valor absoluto em 1995 com 53 milhões de indivíduos (representando 22% da população total). Desde 1996 o grupo 0-14 anos está diminuindo em termos absolutos e deve atingir 23,4 milhões de crianças e jovens em 2100 (representando 13% da população total).

Já a população em idade ativa (15-59 anos) representava 53% da população total até 1950 e deve apresentar crescimento em termos absolutos e relativos até 141 milhões de indivíduos em 2033 (representando 62,5% da população total). Após 2034 este grupo iniciará um processo de queda e deve atingir 85 milhões de pessoas em 2100 (representando 47% da população total).  Em contraste com os dois grupos anteriores, a população idosa (de 60 anos e mais) que representava somente 5% da população total até 1950 vai apresentar um grande crescimento até atingir 79,2 milhões de pessoas (representando 38% da população total) em 2075. Em 2100 o número de idosos deve cair para 72,4 milhões de pessoas (mas representando o recorde de 40% da população total).

Dessa forma, os diversos grupos etários apresentarão diferentes ritmos de crescimento e defasados picos populacionais. A população de 0-14 anos atingiu o valor absoluto máximo no ano de 1995, a população de 15-59 atingirá o valor máximo em 2033 e a população idosa atingirá o máximo em 2075. Portanto, a população de crianças e jovens começou a diminuir em 1996, a população adulta começará a diminuir em 2034 e a população idosa em 2076. A população total deverá começar o decrescimento a partir de meados da década de 2040. Cabe destacar que, pelas projeções da ONU, entre 2045 e 2075 a população total do Brasil diminuirá, mas a população idosa será o único grupo etário com crescimento absoluto.

Durante os primeiros 500 anos da história, a população brasileira tinha uma estrutura etária jovem, com idade mediana abaixo de 25 anos até o ano 2000. Na primeira metade do século XXI o Brasil terá uma estrutura etária adulta, com idade mediana entre 30 e 40 anos. Mas, nas últimas décadas do atual século, terá uma estrutura etária envelhecida, com idade mediana acima de 50 anos de idade.

Portanto, os quinhentos anos de contínuo e elevado crescimento de uma população jovem, está sendo substituído pelo envelhecimento populacional e a perspectiva do decrescimento demográfico na segunda metade do século XXI. Essa nova realidade traz desafios e oportunidades, sendo que a sociedade e as políticas públicas precisam minimizar as desvantagens e maximizar as vantagens dessa nova configuração intergeracional.

No próximo mês de maio será lançado o livro “Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI”, onde diversos aspectos da demografia e da economia serão analisados em maior detalhe, em uma perspectiva de longo prazo e com a apresentação de cenários para as próximas décadas. O livro publicado pela Escola de Negócios e Seguros, terá acesso livre.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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