Urnas europeias mandam recado a Brasil de Bolsonaro

Crescimento dos Verdes no Parlamento Europeu indica que questões ambientais devem pautar política do velho continente

Por Renata Malkes | ODS 15ODS 8 • Publicada em 3 de junho de 2019 - 08:00 • Atualizada em 3 de junho de 2019 - 15:23

Lideranças do Partido Verde Alemão comemoram o resultado das eleições para o Parlamento Europeu. Foto Tobias SCHWARZ / AFP
Lideranças do Partido Verde Alemão comemoram o resultado das eleições para o Parlamento Europeu. Foto Tobias SCHWARZ / AFP
Lideranças do Partido Verde Alemão comemoram o resultado das eleições para o Parlamento Europeu. Foto Tobias SCHWARZ / AFP

É verdade que os populistas de extrema-direita se fortaleceram em países como a França e a Itália. Também são pertinentes as observações de que o Parlamento Europeu emerge polarizado das eleições do último domingo, tornando ainda mais complexas as negociações políticas regionais. Um ponto importante, porém, merece especial atenção: o crescimento dos Verdes, alçados à terceira força política europeia ao saltar de 51 para 69 das 751 cadeiras do Legislativo. No rastro da onda de mobilização pública contra as mudanças climáticas e dos protestos estudantis semanais “Fridays for Future”, os Verdes alcançaram resultados de dois dígitos em vários países. Em Alemanha e Finlândia, terminaram o pleito em segundo lugar. Em Luxemburgo e França, chegaram em terceiro.

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Das urnas da Europa, emerge um recado claro. Temas como a emergência climática, o combate ao plástico de uso único, investimentos em energia limpa, consumo sustentável e economia circular são muito mais do que palavras entoadas no calor de manifestações de rua. São uma preocupação real dos jovens europeus. Empresas, governos e instituições interessadas em negociar ou dialogar com esse público deverão não só ouvir essas reivindicações, como levá-las a sério

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Fato é que com o aumento da bancada no Parlamento Europeu, os Verdes terão quase o mesmo peso que os populistas de extrema-direita liderados pelo ministro do Interior italiano, Matteo Salvini. E uma oportunidade muito maior de usar sua influência regional. Mas, e o que tem Brasil – e o resto do mundo – a ver com isso? Das urnas da Europa, emerge um recado claro. Temas como a emergência climática, o combate ao plástico de uso único, os investimentos em energia limpa, o consumo sustentável e a economia circular são muito mais do que palavras entoadas no calor de manifestações de rua. São uma preocupação real dos jovens europeus. Empresas, governos e instituições interessadas em negociar ou dialogar com esse público, ou seja, com a Europa, deverão não só ouvir essas reivindicações, como levá-las a sério.

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Basta olhar para a Alemanha, onde 33% dos eleitores com menos de 30 anos elegeram o Partido Verde. A cada semana, as manifestações estudantis em defesa do meio ambiente inspiradas na ativista sueca Gretha Thunberg, atraem hordas em diversas cidades alemãs e encampam, ainda, outras agendas de promoção aos direitos civis. Enquanto isso, legendas tradicionais assistem impávidas à erosão de seu eleitorado em favor dos Verdes. É um abalo na “velha política” europeia. Logo após os resultados do pleito, a chanceler federal Angela Merkel, pouco afeita a entrevistas internacionais, concordou em falar à rede americana CNN. Num raro mea culpa público, admitiu que a onda verde era um “convite” para que seu bloco democrata cristão conservador CDU encontre “respostas melhores” sobre a questão ambiental.

Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em depoimento no Senado. O ministério bloqueou 95% da verba do clima. Foto Mateus Bonomi / AGIF

Há poucas semanas, aliás, o anúncio do corte de 95% do orçamento para implementar políticas sobre mudanças climáticas no Brasil causou ultraje. Manchete de todos os jornais alemães, reportagens sobre o tema permaneceram por longas horas no topo das mais lidas do dia. O interesse e a preocupação são reais. Enquanto aguardam, por exemplo, o banimento europeu, em 2021, de todos os artigos de plástico descartáveis como pratos, copos, talheres e sacolas (responsáveis, segundo estudos, por 70% de todo o lixo marinho), os alemães se adaptam aos novos tempos. Instituições privadas, universidades públicas e centros de pesquisa já aboliram esses utensílios. Copos, pratos e talheres são de louça e metal, sendo lavados e reutilizados imediatamente após o uso.

Não só se leva sacolas de pano ou mochilas para embalar as compras no supermercado como também se observa a procedência dos produtos. O objetivo é valorizar produtores locais e tentar consumir apenas produtos que não necessitem de grandes distâncias para serem transportados local e internacionalmente – gerando mais emissões. Na Alemanha, quem quiser comer uma suculenta manga no inverno, além de pagar caro, tem de refletir se vale a pena do ponto de vista sustentável. Afinal, a desejada fruta provavelmente veio de longe, precisou de meses de armazenamento em frigorífico e longas horas de transporte. É um exemplo banal, mas esse cálculo é cada vez mais levado em conta. Ou seja, as contribuições pessoais contra o aquecimento global e as mudanças climáticas, fazem, de fato, parte do dia a dia.

No Brasil de dimensões continentais e clima tropical, pensar sobre a origem do que se põe à mesa não é tão comum. Afinal, fica a pergunta: por que essa onda verde parece não deslanchar no Brasil? Talvez a chave para impulsionar uma agenda política que leve em conta temas socioambientais no Brasil envolve uma profunda mudança de paradigma. Em vez de assistir à discussão global de longe, como espectador alheio (ou, na pior das hipóteses, como alguém que a renega), seria a hora de o país assumir um papel de agente. Ou melhor, de os brasileiros assumirem esse papel, forçando instituições – como partidos políticos – a fazerem o mesmo.

Já na década passada, aliás, pesquisas nas áreas de sociologia ambiental indicavam, por exemplo, que, no Brasil, o movimento ambientalista emerge nos anos 1990 tendo movimentos sociais como sua mais proeminente forma de mobilização. Isso seria uma herança da ditadura. E ajudaria a explicar a dificuldade do Partido Verde em deixar as margens para alcançar o mainstream da política brasileira, apesar do crescimento de figuras como a ex-presidenciável Marina Silva, que obteve um papel proeminente ao obter o terceiro lugar na disputa eleitoral de 2010.

“A ditadura promoveu essa forma de mobilização ao limitar os recursos institucionais tradicionais, inclusive os partidos. Com a redemocratização, ocorrem mudanças. A ênfase da ‘Agenda 21’, documento resultante da Rio-92, em arenas locais e transnacionais e em espaços públicos não estatais, como fóruns para discussão da questão ambiental, leva à escolha de ‘organizações não governamentais’ como estruturas de mobilização de ideais, capazes de transitar nos dois níveis”, escrevem os pesquisadores Angela Alonso (USP) e Valeriano Costa (Unicamp) em um trabalho apresentado em 2000 e intitulado “Por uma Sociologia dos conflitos ambientais no Brasil” (página 129).

De lá para cá, muita coisa mudou no cenário verde global. Mas essas mudanças não se refletiram necessariamente nas estruturas de mobilização verde no Brasil. Dez anos após aquela publicação, outro estudo, de 2010, mostra que após a histórica conferência do clima Rio-92, houve a institucionalização e a profissionalização da luta ambiental no Brasil. Com isso, porém, um efeito adverso:

“O papel das associações profissionais na coordenação do ativismo nacional após a Rio-92 provocou um declínio da importância de duas outras alternativas organizacionais: os grupos de protesto e o partido ambientalista”, conclui Angela Alonso no artigo “Do protesto à profissionalização: ativismo ambiental brasileiro após a Rio-92”, publicado no The Journal of Environment & Development.

Ao Brasil, resta retomar a reflexão sobre novas formas de mobilização para impulsionar políticas mais verdes e tentar frear a destruição do planeta. Os europeus mostraram nas urnas que veem clima e poluição como desafios atuais. Exigem respostas. E diante do alto clamor popular, certamente nenhum governo europeu vai ousar aproximar-se daqueles que tentam borrar – ou apagar – essa agenda. Se a eleição europeia não servir de inspiração, que sirva de alerta.

Renata Malkes

Carioca nada da gema, na Alemanha desde 2016. Mestre em Estudos de Paz e Guerra pela Universidade de Magdeburg. Jornalista, inconformista e flamenguista. Mochileira e cervejeira. Ex-correspondente do jornal O Globo no Oriente Médio e da alemã Deutsche Welle no Brasil. Contadora de 'causos', mantém as antenas ligadas em ciência, direitos humanos e política internacional.

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