“A campanha só começa depois da estreia do horário na TV”. “Para vencer uma eleição, só com muito tempo no horário eleitoral gratuito”. “Quem terá o apoio dos intelectuais?” “No segundo turno, é fundamental buscar a formação de uma frente democrática”. “E as centrais sindicais? Apoiarão qual candidato?” “Será que faltar aos debates na TV vai arranhar a imagem do postulante?” Nada mais século XX do que essas máximas que a gente se acostumou a ouvir mesmo estando no século XXI, quando 62% dos brasileiros são ativos nas redes sociais e gastam cerca de 9horas por dia na internet, atrás apenas da Tailândia e das Filipinas. O século também consagrou a era da chamada pós-verdade, verbete que entrou para o dicionário Oxford em 2016 e que indica que tendemos a acreditar mais nas nossas crenças do que na razão. O avanço da direita, a que a esquerda assiste agora com perplexidade, é um fenômeno que vem se consolidando há pelo menos 15 anos. Conheça alguns dos mantras que caíram por terra nas eleições deste ano.
Horário eleitoral na TV
A certeza de que a eleição só começa depois da estreia do horário eleitoral gratuito foi por água abaixo em 2018. Os míseros oito segundos de campanha de Jair Bolsonaro na TV durante o primeiro turno foram o símbolo mais sintomático do fracasso daquele que já foi o espaço nobre de campanhas eleitorais, disputado a tapa pelos candidatos em eleições passadas. Geraldo Alckmin, do PSDB, foi o líder em tempo de TV, com direito a 11 minutos diários. Teve mais tempo que os outros cinco rivais somados (Haddad, Henrique Meirelles, Álvaro Dias, Ciro Gomes e Marina Silva). A gente não precisa dizer o quanto isso foi irrelevante na campanha deste ano, que vai entrar para a história como a campanha do WhatsApp e das lives.
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Veja o que já enviamosJá houve um tempo, nos idos dos anos 1990, em que acompanhávamos os lances seguintes das eleições de olho no comportamento das centrais sindicais. À época, as queridinhas eram a CUT, a Força Sindical e a CGT. Presidentes das centrais negociavam seus apoios com base nas pautas propostas pelos candidatos. Hoje, a recém-aprovada reforma trabalhista deixa os sindicatos, que perderam a contribuição sindical obrigatória, cambaleantes e inexpressivos.
[/g1_quote]Coligação de partidos
Você, por acaso, sabe quem compôs a coligação “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, de Jair Bolsonaro? Só seu partido, o PSL, e o PRTB, partido do candidato a vice-presidente, general Hamilton Mourão. Graças à presença assídua nas imagens de campanha de Manuela D´Ávila, inúmeras vezes taxada de comunista, é que você sabe que o PCdoB formou uma coligação com o PT. Mas duvido que saiba que a coligação “O povo feliz de novo” – sim, o nome é esse! – é composta também pelo PROS. Pois é. Já a campanha do presidenciável tucano Geraldo Alckmin não poupou na ostentação. Sua coligação teve nove siglas: PSDB, PP, PTB, PSD, SD, PRB, DEM, PPS, PR. Talvez a união de letrinhas jamais tenha sido notada pela população, mas era valorizada nos discursos dos candidatos desde que pudemos ter outros partidos além da Arena e MDB (únicos permitidos durante a ditadura militar).
Frente democrática
Com tanto partido apoiando o tucano, seria natural tentar formar uma frente democrática, certo? Pois teve isso. Poucos se lembram, mas em setembro o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tentou costurá-la. A liderança de Jair Bolsonaro (PSL) e o crescimento de Fernando Haddad (PT) nas pesquisas levaram FHC a tentar a articulação de um movimento em prol da democracia que atraísse os candidatos do centro ao palanque tucano. A iniciativa, como sabemos, naufragou. Mas nova tentativa foi feita: a petição online #Alcirina, que pregava a união de Alckmin, Ciro e Marina. No segundo turno, foi a vez de Fernando Haddad lançar mão da estratégia. Também não conseguiu. Ciro Gomes, do PDT, declarou #EleNão assim que foi encerrada a votação no primeiro turno, mas não fez campanha para o petista. Já Marina, da Rede, que pregara a neutralidade, defendeu o apoio ao petista a apenas sete dias das eleições. Em entrevista à CBN, questionado pela falta de adesões à sua candidatura, Haddad afirmou, batendo no peito, que tinha a das centrais sindicais, o que nos leva ao próximo item de ícones que as eleições de 2018 enterraram.
Apoio das centrais sindicais
Já houve um tempo, nos idos dos anos 1990, em que acompanhávamos os lances seguintes das eleições de olho no comportamento das centrais sindicais. À época, as queridinhas eram a CUT, a Força Sindical e a CGT. Presidentes das centrais negociavam seus apoios com um olho nas pautas propostas pelos candidatos e outro nas futuras barganhas. Hoje, as perspectivas sobre o futuro do emprego e a recém-aprovada reforma trabalhista deixam os sindicatos, que perderam a contribuição sindical obrigatória, cambaleantes e inexpressivos. Quem apoiou quem em 2018? Haddad (PT) recebeu o apoio da CUT, Força Sindical, da UGT (União Geral dos Trabalhadores), da CTB (Central dos Trabalhadores do Brasil), da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) e da NCST (Nova Central Sindical dos Trabalhadores) e da Intersindical. A influência disso? Bem, a greve dos caminhoneiros já tinha exposto seus limites. Não foi por meio de assembleias, mas por WhatsApp, que líderes independentes cruzaram os braços e fecharam as estradas em maio.
Frente de intelectuais
Os intelectuais bem que tentaram, mas não houve coro para ouvi-los numa república que elegeu como presidente um dos defensores da Escola Sem Partido. Um grupo de 21 cientistas sociais e historiadores de vários países enviaram uma carta aberta ao sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pedindo que convocasse seus companheiros brasileiros a rejeitarem a candidatura de Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições. Entre os signatários, estavam Jorge Castañeda, Bárbara Weinstein, da New York City University, e Boaventura de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra . Até mesmo Steven Levitsky, professor de Harvard e um dos autores do livro “Como as democracias morrem”, engrossou o pedido. “A única chance que os brasileiros têm de parar o Bolsonaro é realizar uma aliança ampla, genuína, autêntica e entusiástica entre o PT e os partidos políticos de centro-direita”, afirmou. FHC disse que a “porta” para isso estava enferrujada. Mas será que no mundo dominado pela chamada pós-verdade ainda existe espaço para a opinião dos intelectuais? Quem quer dar razão aos saberes embasados em farta documentação histórica?
Debates na TV
Não é de se espantar, portanto, que os debates também tenham caído em desgraça em 2018. É verdade que, em 1989, na primeira eleição direta pós-ditadura, Fernando Collor só participou de debates no segundo turno. Fernando Henrique foi a um em 1994 e a nenhum em 1998. Já o ex-presidente Lula participou de todos em 2002, mas, em 2006, só foi aos confrontos do segundo turno. Dilma Rousseff faltou a dois debates no primeiro turno, em 2010, e foi a todos em 2014. Jair Bolsonaro foi a dois no primeiro turno e a nenhum no segundo. Embora a história mostre que a ausência em debates não tenha sido decisiva para a vitória de candidatos, houve um tempo em que os marqueteiros das campanhas políticas calculavam os eventuais danos sobre a decisão de faltar a eles. Qual seria o efeito colateral na imagem do “fujão”? Quais seriam as vantagens e desvantagens da participação versus a ausência? A era da transmissão ao vivo pelas redes sociais, sem a intermediação de jornalistas que fazem as perguntas incômodas, tornou a decisão secundária.
Jingles de campanha
Bem, mais século XX do que os jingles vai ser difícil, né? Somente no meio de agosto alguns candidatos divulgaram suas músicas oficiais de campanha, entre eles Geraldo Alckmin, Jair Bolsonaro, Henrique Meirelles e Lula, que à época ainda era o titular da chapa que tinha Fernando Haddad como vice. Diferentemente de eleições passadas, nenhum martelou na cabeça dos eleitores. Ou será que alguém aí sabe cantar algum deles?