População mundial terá déficit de 214 trilhões de calorias

Especialista estima que, até 2027, demanda por alimentos deve ultrapassar a oferta

Por José Eduardo Mendonça | ODS 15ODS 8 • Publicada em 4 de janeiro de 2019 - 08:40 • Atualizada em 7 de janeiro de 2019 - 15:57

Achol Ri, tem cinco anos, vive no Sudão e sofre de desnutrição severa: corte do auxílio emergencial agrava fome no Brasil (Foto: Albert Gonzalez Farran/AFP)
Achol Ri, tem cinco anos, vive no Sudão e sofre de desnutrição severa. Foto Albert Gonzalez Farran/AFP
Achol Ri, tem cinco anos, vive no Sudão e sofre de desnutrição severa. Foto Albert Gonzalez Farran/AFP

O cálculo é de Sara Menker, fundadora e CEO da Gro Intelligence, uma empresa de dados agrícolas globais. Menker tem um currículo sólido. Ela passou os primeiros anos de sua vida na Etiópia, onde nos anos 1980 a população passava fome, com alimentos racionados pelo governo. Se formou em economia e estudos africanos no Mount Holyoke College e na London School of Economics, fez um MBA na Columbia University, para chegar a vice-presidente de commodities na Morgan Stanley antes de completar 30 anos.  E, enquanto trabalhava em Wall Street, se obcecou em saber como a produção de alimentos enfrentaria uma explosão na demanda.

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A menos que nos comprometamos com uma mudança estrutural, a demanda irá ultrapassar a capacidade global do sistema, criando uma escassez de 214 trilhões de calorias, e quando isso acontecer as pessoas passarão fome e governos cairão

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Na Gro, Menker coleta todo tipo de dados sobre o sistema agrícola do mundo, desde os tipos de café mais lucrativos até a expansão das importações dos avocados no México. Sua empresa então usa os dados para descobrir os principais padrões e tendências, como o fato de que os preços dos grãos tendem a acompanhar as tendências do petróleo.

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A escassez global de alimentos é definida como o peso das colheitas necessário para alimentar todos os seus cidadãos. Mas as palavras quilo e toneladas não traduzem bem o problema. O que mais importa, afirma Menker, são as calorias – que na verdade impedem as pessoas de passar fome. Mas mesmo essa métrica pode confundir. “O problema é tão grande que é fisicamente impossível de ser processado por uma só pessoa”, afirma.

A equipe de Menker usa métodos pouco ortodoxos para calcular as calorias. Mas, dados do clima comumente usados, diz, são difíceis de entender, porque sempre estiveram nas mãos da comunidade científica. Ela ajuda os especialistas do mundo financeiro a digeri-los, e também mostrar porque os riscos do clima são realmente importantes.

Ativistas da Oxfam usam máscaras com os rostos de lideranças mundiais para protestar contra a fome na África. Foto Michael Kappeler/DPA

A prática das “fazendas verticais” é um foco de interesse de Menker.  Quando se pergunta sobre a preocupação com o clima neste caso, ela responde que o tipo de atividade é limitado a certas plantas, em especial as folhas verdes que, apesar de seus benefícios à saúde, não são muito calóricas. “Faz sentido criar folhas em estufa, mas não vai se resolver o problema do arroz deste jeito”, diz ela. A solução mais viável para a crise alimentar, afirma, “não é sobrecarregar o sistema agrícola mundial, e sim torná-lo mais eficiente”

Líderes globais alertam para esta crise há mais de uma década, estimando que em 2050 o mundo terá de produzir 70% a mais de alimentos.  Mas o ponto crucial poderá chegar antes – já em 2027. “A menos que nos comprometamos com uma mudança estrutural, a demanda irá ultrapassar a capacidade global do sistema, criando uma escassez de 214 trilhões de calorias, e quando isso acontecer as pessoas passarão fome e governos cairão”, estima Menker.

Até o momento, os déficits de calorias podem ser resolvidos com importações de regiões onde há superávit, mas isso em um futuro próximo não será mais possível, porque a demanda irá exceder a capacidade de produção de regiões tradicionais. Regiões exportadoras incluem América do Norte, América do Sul e Europa, mas elas já usam quase toda a sua terra agricultável. No caso da América do Sul, o risco será à preservação da floresta amazônica. Índia e África poderão fazer o papel de salvadoras.

Enquanto isso, os Estados Unidos jogam no lixo 141 trilhões de calorias por ano, quase um terço do que produzem. Parte da perda é inevitável, mas grande parte dela se dá por motivos cosméticos, com o varejo descartando o que não parece bonito o suficiente para consumo, ou porque os alimentos estragam na geladeira, o que significa pelo menos 20% das perdas.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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