Elas têm 50% mais probabilidade de ficarem desempregadas, na comparação com outros grupos, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). A advogada, professora universitária e gestora acadêmica Tatiane Duarte, de 45 anos, explica que o isolamento social não acontece da mesma forma para todos. “No trabalho doméstico, muitos foram dispensados ou obrigados a ficar permanentemente no emprego, confinados com os patrões”, observa.
A população negra, historicamente, é a mais afetada pelo desemprego. Cenário que se agrava numa crise profunda como a atual. “Aí, a gente percebe que, além de o problema ser maior numa reação em cadeia, essas mulheres vão impactar suas famílias, nas quais elas normalmente são provedoras”, atesta Tatiane.
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Veja o que já enviamosTrabalhadores negras da Maré se reinventam na pandemia
A ambulante Maria Luiza da Silva Neta, de 27 anos, mãe de Malluh, de 11, se viu sem chão ao saber que não teria mais como sustentar a filha após o fechamento do Camelódromo no Centro do Rio de Janeiro. “Fiz investimento para as vendas no Carnaval, mas foi o último momento em que consegui alguma coisa”, conta a moradora da Rubens Vaz, angustiada com despesas como o aluguel da casa.
O jeito foi tentar outras formas de trabalho e, a partir da sugestão de uma amiga, Maria Luiza organizou um bazar de roupas infantis em casa, com transações online. “Em uma noite, montei o negócio e pedi a opinião de algumas freguesas. Não esperava retorno tão grande”, admira-se a, agora, dona do bazar da Malluh.
Ellen Machado tem na reinvenção uma espécie de renascimento. Ex-usuária de drogas, ela chegou à Maré pelo Espaço Normal (equipamento da Redes da Maré que acolhe pessoas em situação de rua). Fez o curso de gastronomia na Casa das Mulheres da Maré, e hoje trabalha no bufê Maré de Sabores. Com a pandemia, engajou-se na ação Tecendo Sabores e Cuidados, preparando 300 refeições por dia para serem distribuídas a homens e mulheres em situação de rua nas cercanias do conjunto de favelas.
Redes da Maré: projetos para criar oportunidades de trabalho para mulheres negras
As histórias de Maria Luiza e Ellen servem de exceção para confirmar uma regra triste. Muitas trabalhadoras não conseguiram completar a transição e precisam de apoio. Diante da demanda crescente, ONGs e coletivos até ultrapassam seu escopo, inaugurando outras atividades. Muitas foram as que fizeram doações de alimentos e produtos de higiene para os moradores da Maré.
Também moradora da Rubem Vaz, a confeiteira Camila Marques da Silva, de 29 anos, recebeu cesta básica da Frente de Mobilização. “Ajudou muito, porque com a pandemia, as encomendas de bolo praticamente zeraram”, conta ela. Uma guinada cruel na vida da confeiteira que nunca ficou sem trabalho e, nos fins de semana pré-pandemia, fazia no mínimo dez bolos por encomenda.
Por relatos semelhantes ao de Camila se explica o valor de iniciativas como a Redes da Maré, que, ainda no início da pandemia, criou a campanha Maré Diz Não ao Coronavírus com diversas frentes de trabalho. Uma delas foi o projeto Tecendo Cuidados e Máscaras, que contratou costureiras da comunidade.
Uandergina dos Santos Silva, a Gina, foi uma das 54 profissionais recrutadas para o trabalho. Moradora da Nova Holanda há 57 anos, aprendeu a costurar com a mãe e criou suas três filhas sustentada pelo ofício. Como complemento da aposentadoria, prestava serviços para uma fábrica na Vila Cosmos, Zona Oeste do Rio, mas, hipertensa e diabética, precisou se desligar para cumprir o isolamento social. “Quando começou a onda da covid-19 em outros países, fiquei apavorada. Em março, comecei a quarentena e parei de trabalhar. Até que minha filha ficou sabendo do grupo de costureiras que estavam formando e me indicou. Foi a solução”, festeja.
Entre iniciativas individuais, auxílios variados e mobilizações comunitárias, as mulheres negras da Maré tentam virar o jogo imposto pelo Brasil, que o coronavírus só fez agravar. Elas vão vencer.