Eram onze da manhã de um dia chuvoso de 2015. Moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a artesã Clara Gomes de Souza, 57 anos, caminhava em direção à academia de ginástica quando viu um homem deitado sobre o chão de cimento, próximo à entrada de um restaurante, encolhido de frio. Ela ficou com aquela imagem o dia todo na cabeça. Quando chegou em casa, separou o tecido de um guarda-chuva danificado e sem uso, um dos muitos que já tinha acumulado em seu apartamento, e transformou-o num saco de dormir, que seria entregue a um morador em situação de rua. “Fiquei incomodada com aquilo. Afinal, fome e frio são situações que ninguém merece passar. Apenas pensei numa forma de ajudar e não me custou nada. Doei apenas um pouco do meu tempo e a minha habilidade para costurar. A satisfação de dar atenção para quem precisa não tem preço”, diz ela.
[g1_quote author_name=”Clara Gomes de Souza” author_description=”Artesã” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Fome e frio são situações que ninguém merece passar. Apenas pensei numa forma de ajudar e não me custou nada. Doei apenas um pouco do meu tempo e a minha habilidade para costurar. A satisfação de dar atenção para quem precisa não tem preço
[/g1_quote]O interesse de Clara pelos guarda-chuvas teve início em 2011, quando ainda cursava História na Uniabeu, em Nilópolis. Já naquela época, ela recolhia sombrinhas danificadas e pensava o que poderia fazer com elas para reaproveitá-las, dando-lhes uma nova função, de forma sustentável. No início, o material era usado para confeccionar bolsas, vendas para os olhos e toucas de cabelo, que eram vendidas no campus da faculdade. Mas a artista sabia que poderia fazer muito mais com aqueles tecidos – normalmente feitos com poliéster, nylon ou poliamida – impermeáveis, térmicos e que secam com impressionante rapidez. “Além de manter a pessoa seca e aquecida, são materiais resistentes e práticos, que ocupam pouco espaço e que podem ser transportados com facilidade”, explica Clara.
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Veja o que já enviamosA maior parte dos sacos de dormir é feita em casa, com o auxílio de sua máquina de costura portátil. Pelas contas da artesã, até agora foram reciclados pelo menos 800 guarda-chuvas com defeito, que seriam descartados. No processo de produção, que dura cerca de duas horas, nada vai para o lixo. O metal das hastes, por exemplo, ela vende para ferros-velhos. Com o dinheiro arrecadado, Clara compra a linha necessária para fazer a costura. Já as ponteiras de plástico viram matéria-prima para a criação de bijuterias, principalmente cordões e pulseiras.
Para fazer um saco de dormir são necessárias quatro sombrinhas. Primeiro Clara desmonta cada uma cuidadosamente, para depois lavar o tecido na máquina. O passo seguinte é separar os pares com o mesmo tamanho e costurá-los. Durante a preparação, Clara se preocupa com cuidados extras, que fazem a diferença: a combinação dos tecidos que vão compor cada saco de dormir nunca será fruto de uma escolha aleatória. “Procuro separar para as mulheres os tecidos com estampas florais. Para os homens, dou preferência para as estampas em xadrez. E para as crianças, opto por cores mais vibrantes, infantis. Evito fazer um saco apenas com tecido preto. Acho que ficaria muito fúnebre”, opina.
De lá para cá, Clara conseguiu formar uma rede de colaboradores que vem ajudando a impulsionar a sua iniciativa. De três em três meses ela contacta os departamentos de Achados e Perdidos dos trens da SuperVia, das barcas e do Metrô Rio, para recolher os guarda-chuvas esquecidos. Também estabeleceu parcerias com lojas, shoppings, colégios e instituções de caridade, responsáveis por organizar campanhas de arrecadação de acessórios que vão virar novos sacos de dormir. Em março, sessenta guarda-chuvas foram doados para a campanha Guarda-chuva que acolhe, organizada pelo Shopping Nova Iguaçu.
Em abril, Clara expôs a sua criação e montou uma pequena oficina durante a última edição do Projeto Integração, organizado pelo Instituto GayLussac, em Niterói. Saiu de lá com 157 guarda-chuvas. A loja Casarão Fashion (Rua Neri Pinheiro, 353, Cidade Nova, Rio de Janeiro, tel: 21 2504-5748) também entrou para o time dos parceiros da iniciativa. Renata Guerra, proprietária da loja, recebe a doação de voluntários em seu estabelecimento. “Estamos reunindo nomes de pessoas interessadas para disseminar a ideia em suas comunidades, bairros e paróquias. Vamos oferecer oficinas para ensinar a confeccionar esses sacos de dormir e, com isso, passar a ideia adiante”, conta Renata.
O talento para o artesanato foi descoberto quando Clara tinha 11 anos e passava tardes treinando manobras com as agulhas de crochê, na casa da tia. Aos 15 anos, ela trabalhava numa fábrica em Cordovil e ganhava um extra confeccionando almofadas de lã. Junto de sua vocação artística veio uma grande preocupação com o reaproveitamento de materiais aparentemente sem utilidade e a preservação do meio ambiente. “Minha mãe era separada e cuidava de quatro crianças, em Caxias. Naquela época eu já catava todo tipo de material reciclável, latas de óleo, jornal, plástico, caixas de papelão… vendia tudo para um ferro-velho. Mais tarde eu ganhava um extra vendendo cintos, capachos e jogos americanos feitos com lacres de latinha de cerveja”, lembra Clara.
Outro grande aliado de Clara é a internet. Em março, a artesã compartilhou um vídeo em sua página no Facebook explicando um pouco sobre o seu trabalho voluntário e pedindo doações dos internautas. Foram mais de um milhão de visualizações. Ela também vem postando vídeos esporádicos sobre a sua produção no seu canal no Youtube. A repercussão do trabalho nas redes sociais é tão grande que Clara já recebeu propostas para transformar o se trabalho social em negócio. “Não passa pela minha cabeça ganhar dinheiro com isso. Não tenho vaidade nem ganância. Faço mesmo para ajudar quem precisa, sem esperar nada em troca”. Para mais informações sobre as doações, basta entrar em conttao pelo e-mail claragomes.souza@hotmail.com ou pela página da artesã no Facebook.