No documentário Gatos, que entrou em cartaz no Brasil em julho, a cineasta Ceyda Torun mostra a relação dos moradores de Istambul com os felinos que circulam pelas ruas da bela cidade da Turquia. Ceyda colheu depoimentos emocionantes, que falam do amor – recíproco- entre os seres humanos e esses animais. Por aqui, eles ainda são vítimas de muito preconceito, crendices (não, gato preto não dá azar), e violência, como a matança, com requintes de crueldade, no Complexo do Maracanã, no Rio, denunciada recentemente por artistas e defensores dos animais. Isso sem falar na grande falta de informação: pesquisas mostram que, ao contrário do que se propaga, gatos não são egoístas, adoram a nossa companhia e são tão inteligentes quanto os cães. Mas, apesar da discriminação histórica, os bichanos que perambulam por nossas ruas, felizmente, também encontram afeto e solidariedade. Pode não ser (ainda) praticamente de uma cidade inteira, mas há bons exemplos. Um deles é o de um pequeno ambulatório no Campo de Santana, centro do Rio de Janeiro, montado para dar conforto e assistência veterinária a centenas de gatos que vivem no lugar. O trabalho gratuito é resultado da dedicação da aposentada Dione Martine, de 70 anos, que chega a destinar 18 horas dos seus dias para manter o espaço.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]De acordo com a Fundação Parques e Jardins, entre 200 e 250 gatos vivem hoje no Campo de Santana. Um número que aumenta a cada ano
[/g1_quote]A auxiliar de veterinária cultivava o sonho de ter seu próprio ambulatório há anos e havia dito para si mesma que assim que se aposentasse transformaria o plano em prática. Hoje, a instituição criada por Dione abriga e trata cerca de 70 gatos, entre adultos e filhotes. Depois de recuperados, os animais são encaminhados para feiras de adoção.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosDe acordo com a Fundação Parques e Jardins, entre 200 e 250 gatos vivem hoje no Campo de Santana. Um número que aumenta a cada ano. Diante deste quadro, o ambulatório se prontifica a atender casos emergenciais. Segundo Dione, o problema de saúde mais comum é a esporotricose. “Os gatos estão propensos a pegar essa micose, porque ela é gerada a partir de um fungo que habita o solo, palhas, vegetais e madeiras”, explica. “O problema se agrava ainda mais quando aparecem as bicheiras (miíase). Nos locais de ferimento, moscas-varejeiras depositam ovos que se ornam larvas. Elas vão se alimentar da carne do animal para se desenvolver e podem acarretar problemas severos ao bicho”, completa.
Apesar da dedicação, a aposentada não tem estrutura para realizar procedimentos mais complexos, como cirurgias. Esses casos, normalmente, são encaminhados à Suípa, que cobra um valor mais acessível que as clínicas comuns. Ainda assim, Dione nem sempre consegue reunir dinheiro suficiente para custear os procedimentos, que incluem exames pré-operatórios. Ela investe praticamente toda a sua aposentadoria na compra de remédios e recebe algumas doações, mas as despesas parecem não ter fim. “Todo mês, preciso pagar o aluguel do espaço, comprar remédios para bicheira, tapete higiênico, ração, desinfetante, luvas de procedimento, remédios para outras doenças… E ainda tem que sobrar para os exames e cirurgias”, enumera.
Entre os doadores mensais do ambulatório estão alguns servidores do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ). Gizella Bourlier, da coordenadoria médica do órgão, está entre eles. Além de colaborar financeiramente, a doutora participa das campanhas de doação da instituição e ajuda na organização do ambulatório. “Quando percebo que as gaiolas dos gatos estão enferrujadas, levo para pintar em casa. Também fiz o layout de numeração das gaiolas e dos receituários, para ela se organizar melhor”, conta.
Dione relembra os primeiros dias no ambulatório, há três anos, e garante que nem sempre foi fácil administrar razão e emoção. Principalmente diante dos casos mais críticos, alguns sem solução:
— No início, eu chorava, não conseguia medicar e chamava outras pessoas para me ajudar. Agora, já consigo controlar meus sentimentos e tenho consciência de que o animal precisa da minha tranquilidade naquele momento. Tento ser o mais racional possível. Entendo que, em alguns casos, a morte é o melhor caminho para aquele bicho. Certos sofrimentos não valem a pena.
Ela tem o apoio de uma veterinária que visita o ambulatório toda terça-feira e faz um revezamento entre voluntários que se prontificam a ajudar. Toda colaboração é bem-vinda. Parte dela vem da Subsecretaria de Bem-Estar Animal (SUBEM), que dobrou o número de vagas para castração. A subsecretária Suzanne Rizzo, primeira médica veterinária a assumir a gestão do trabalho com animais na Prefeitura do Rio, está desenvolvendo um programa para intensificar as campanhas de adoção, educar as crianças em relação aos maus tratos e acabar com o abandono. Segundo a assessoria da SUBEM, outra novidade do programa, intitulado BECA (Bem-Estar Animal, Educação, Castração e Adoção), é a distribuição do remédio Itraconazol. “O medicamento é essencial no tratamento da esporotricose e está disponível na Fazendo Modelo desde junho”, informa a assessoria da subsecretaria.
Lindo trabalho. Deus abençoe ricamente.