ODS 1

Indígenas da Amazônia colombiana denunciam poluição por petróleo e ameaças de guerrilhas
Presidente Gustavo Petro promete ao mundo interromper a exploração de petróleo e gás na Amazônia, mas Colômbia enfrenta um dos cenários mais desafiadores da região, onde indústria petrolífera, grupos armados e indígenas disputam os mesmos territórios
Presidente Gustavo Petro promete ao mundo interromper a exploração de petróleo e gás na Amazônia, mas Colômbia enfrenta um dos cenários mais desafiadores da região, onde indústria petrolífera, grupos armados e indígenas disputam os mesmos territórios
(Pilar Puentes | Rutas del Conflicto*) – Na Amazônia colombiana, os espíritos guardiões ao redor do rio Putumayo — que também percorre Equador, Peru e Brasil — já não se revelam como antes. Os povos indígenas Siona e Inga contam enfrentar a pressão da exploração petrolífera e de grupos armados em seus territórios, enquanto veem seus rituais se enfraquecerem pela deterioração de seus rios.
A comunidade de Buenavista, lar de cerca de cem famílias sionas e cujo território foi oficialmente reconhecido nos anos 1970, está localizada próxima ao bloco Platanillo — uma área de 142 km² concedida à exploração petrolífera em 2006, dentro do município de Puerto Asís, no sudoeste da Colômbia. Atualmente, a operação é controlada pela La Nueva Amerisur, subsidiária da Geopark, empresa que adquiriu a então Amerisur Resources.
A 60 km de Buenavista está a comunidade Wasipungo, do povo Inga, cujo território foi reconhecido há mais de duas décadas pelo governo colombiano. Lá, a situação é parecida. Segundo a autoridade ambiental Corpoamazonia, mais de 95% da área de Villagarzón, cidade que abriga a comunidade, foi reservada à exploração petrolífera. Em 2010, a canadense Gran Tierra Energy informou ter adquirido o bloco Putumayo-1, nas proximidades de Wasipungo.
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Veja o que já enviamosOs povos Siona e Inga são transfronteiriços: para eles, atravessar de canoa o rio Putumayo entre a Colômbia e o Equador não significa cruzar uma fronteira nacional, mas percorrer um território ancestral com laços inseparáveis. Porém, segundo especialistas e indígenas, esses vínculos foram enfraquecidos pela presença de grupos armados, por políticas voltadas à expansão petrolífera na região e pela visão do Estado de encarar as fronteiras mais como áreas de controle militar do que como territórios ancestrais e destino de serviços públicos. “A fronteira é um território sem interesse para o Estado, é vista como uma terra devoluta, sem dono”, criticou María Espinosa, uma das advogadas que tem assessorado povos indígenas da região, da organização Amazon Frontlines.
Ao longo do último ano, o veículo colombiano Rutas del Conflicto explorou como a atividade petrolífera e grupos armados afetam os povos Siona e Inga. Em outubro de 2024, a equipe visitou suas comunidades, onde várias entrevistas foram concedidas sob anonimato por questões de segurança. Essa apuração integra o projeto Até a Última Gota, iniciativa jornalística para expor os impactos do petróleo na Amazônia.

‘Floresta não é para extrair petróleo’
Em agosto de 2022, Gustavo Petro assumiu a presidência da Colômbia prometendo preservar a Amazônia. Em várias aparições, nacionais e internacionais, ele afirmou que a floresta não seria mais explorada para a extração de carvão, gás natural e petróleo. “Não é para extrair petróleo da floresta”, disse em um evento na região amazônica de Caquetá em 2024.
Desde o início do mandato, nenhuma nova licença foi concedida para explorar a região, conforme a Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH) do país confirmou à reportagem. O gabinete da Presidência, por sua vez, reforçou seu compromisso de “proteger a vida, especialmente em territórios biodiversos e sensíveis como a Amazônia” e reiterou sua decisão de não assinar novos contratos extrativistas na região.
Hoje, a Amazônia colombiana tem 132 mil km² reservados à exploração petrolífera, segundo uma análise do projeto Até a Última Gota com base em dados compilados pelo Instituto Internacional Arayara até julho de 2024. Desse total, mais de 78% (103 mil km²) estão disponíveis para oferta ao mercado – porém, neste momento, impedidas de serem leiloadas.
Andrés Gomez, pesquisador e engenheiro de petróleo, afirmou que a Colômbia é hoje um dos países da região mais assertivos contra as indústrias fósseis. Ele citou a adesão do país, em 2023, ao Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, complementar ao Acordo de Paris, para frear a expansão dessas fontes de energia. O pacto é apoiado por apenas 16 países, em sua maioria pequenas nações do Pacífico e do Caribe.
A Colômbia, acrescentou Gomez, está entre as signatárias do tratado mais dependentes do petróleo – a indústria foi responsável por 2,7% do Produto Interno Bruto do país em 2023. “Isso representa uma perspectiva distinta na região, inclusive em relação à esquerda tradicional no Brasil”, disse o pesquisador.
Gomez se refere às recentes tentativas do governo brasileiro, liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de expandir a exploração de petróleo, especialmente na margem equatorial amazônica. Apesar dos riscos ambientais, a estatal Petrobras e o governo defendem fortemente a atividade.
Essa postura combativa do governo Petro não significa, no entanto, que o petróleo desaparecerá imediatamente da Amazônia colombiana, como explicou o gabinete da Presidência à reportagem: “Os processos de exploração que ocorreram e podem ocorrer são amparados pelos contratos existentes com direitos adquiridos”. Ou seja: empresas como La Nueva Amerisur e Gran Tierra Energy devem continuar na região por um bom tempo.
Os contratos dos blocos Platanillo e Putumayo-1 têm vigência de 24 anos a partir da declaração de início da produção de seus poços, com possibilidade de prorrogação. Por isso, os prazos variam consideravelmente, mas é improvável que se encerrem ainda nesta década.
A subsidiária local da Gran Tierra, detentora do bloco Putumayo-1, opera 18 blocos na região amazônica, sendo três no Equador e os demais na Colômbia. Já a Nueva Amerisur administra dez blocos, todos na Amazônia colombiana, de acordo com uma análise desse projeto.

Entre o petróleo e a guerrilha
A exploração petrolífera nos estados amazônicos de Putumayo e Caquetá começou em 1942, com a antiga Texaco (hoje Chevron) fazendo buscas por petróleo – a mesma que fincou bases no Equador e foi responsável por um dos piores desastres ambientais da região amazônica. [Leia mais sobre o Equador na reportagem desta série]
Mas foi na segunda metade do século 20 que, segundo pesquisadores, começou o “surto petrolífero”. Segundo a organização Crudo Transparente, a primeira perfuração ocorreu em 1963, no município de Orito, pela própria Texaco. A atividade impulsionou a urbanização e o crescimento populacional, intensificando disputas por terras e recursos naturais, além de acirrar conflitos entre empresas, imigrantes e indígenas que já habitavam a região.
Em 1981, após registrar uma queda de mais de 60% em sua produção anual na década anterior, a Texaco deixou o país e transferiu seus ativos para a estatal Ecopetrol. Com a virada do século 2000, novas petroleiras começaram a enxergar Putumayo e Caquetá como estratégicos para a exploração, segundo a Crudo Transparente. Nessa década, o governo assinou novos contratos na região, muitos dos quais seguem em vigor.
Enquanto as petroleiras continuam operando na região, o governo lançou uma estratégia para maximizar o aproveitamento das reservas remanescentes de petróleo na Colômbia. Em 2023, o Ministério de Minas e Energia, em parceria com a ANH, adotou 13 medidas para assegurar uma gestão eficiente das áreas com contratos vigentes.
Entre as iniciativas, destaca-se a implementação de um sistema de alerta e resolução de conflitos, voltado para mediar tensões entre comunidades e empresas. No entanto, a ANLA, autoridade responsável pela concessão de licenças ambientais, suspendeu as audiências públicas em Putumayo desde o final de 2023, alegando riscos à segurança da equipe. Um encontro discutiria o pedido da Nueva Amerisur para expandir seu projeto em Puerto Asís e seria uma oportunidade para a população expressar dúvidas, preocupações e reivindicações.
Na Amazônia colombiana, 79 territórios indígenas são afetados por blocos petrolíferos, o que representa 18% das 441 áreas indígenas da região amazônica de oito países, segundo nossa análise. Isso resultou numa interseção entre terras indígenas e blocos de 2.590 km² na Colômbia. Trata-se do terceiro país no ranking de sobreposição, atrás de Equador e Peru, entre os nove que compreendem a Amazônia.
Um grupo de organizações civis já denunciou “abusos corporativos” no caso da comunidade Inga. O documento apontou “violações sistemáticas dos direitos territoriais e ambientais, além da falta de consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas”. Áreas importantes para a coleta de plantas medicinais foram desmatadas e cobertas por concreto, e moradores relatam que a exploração petrolífera contamina as águas e compromete o sustento.
Em relação ao povo Siona, um relatório da organização Ambiente y Sociedad também denuncia a ausência de consulta prévia aos membros dessa comunidade diante da exploração de petróleo próxima ao seu território. Como destacam as autoras do relatório, os Siona “têm plena capacidade de argumentar e demonstrar os impactos diretos e profundos que sofrerão caso os projetos extrativistas avancem sobre sua terra”.
Para a Ambiente y Sociedad, a presença de grupos armados e da indústria petroleira em Putumayo está, de certa forma, conectada. Quando controlavam essas áreas, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) extorquiam petroleiras e atacavam suas instalações, que causavam grandes vazamentos de óleo. Além disso, guerrilheiros roubavam cargas de petróleo para financiar suas operações, chegando a operar até refinarias próprias. Em 2015, um incidente resultou em uma notória ação legal na Inglaterra entre as comunidades de Puerto Asís e a Nueva Amerisur, que terminou em uma conciliação.
O acordo de paz firmado em 2016 levou à desmobilização das Farc, representando um marco na busca pela pacificação da Colômbia. No entanto, também provocou a fragmentação do poder entre os grupos armados, que hoje disputam o controle de territórios estratégicos na fronteira, abundantes em plantações de coca e recursos naturais, como Putumayo.

Grupos guerrilheiros ameaçam comunidades indígenas
Após o Acordo de Paz de 2016 e a fragmentação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), facções dissidentes como os Comandos da Fronteira e a Frente Carolina Ramírez assumiram o controle de áreas estratégicas e passaram a disputar rotas do narcotráfico.
Esses grupos armados utilizam territórios indígenas para o cultivo de coca, o que provoca desmatamento e contaminação dos rios por agrotóxicos. As populações indígenas enfrentam ameaças constantes. A presença dessas facções dificulta a denúncia de abusos e restringe a atuação do Estado e de organizações humanitárias, isolando ainda mais essas comunidades.
Organizações civis denunciam que esses grupos também mantêm vínculos com a exploração de petróleo na região, extorquindo empresas e, em alguns casos, oferecendo “segurança privada” para os campos petrolíferos.
Hoje, a facção Comandos de la Frontera, que ocupa a região, impõe restrições a quem se opõe à exploração e transporte de petróleo, além de atuar na segurança privada de oleodutos e campos de extração, segundo moradores e outro relatório da Ambiente y Sociedad.
“Desde que as Farc foram desmobilizadas, nunca mais vimos um caminhão-tanque derramando petróleo pelas estradas, como acontecia. E agora que os Comandos da Fronteira estão em Puerto Asís, eles não mexem com a petroleira”, afirmou um morador do município.
Já a Frente Carolina Ramírez, outra dissidência ativa na região, adota uma postura mais permissiva diante de protestos com bloqueios de campos e estradas, segundo o relatório. Algumas empresas do setor, inclusive, têm sido vítimas de extorsão, e pelo menos três ataques à infraestrutura petrolífera foram registrados nos primeiros meses de 2024.

Uma luta em meio ao silêncio
As casas de Buenavista, em Puerto de Asís, estão separadas por poucos metros e rodeadas por árvores de buriti, araçá, cupuaçu e outras frutas típicas da Amazônia. É o maior vilarejo siona, entre os 12 localizados às margens dos rios Putumayo, Cuehembí e Piñuña Blanco, do lado colombiano.
Os Siona têm uma longa trajetória de resistência para permanecer na região, enfrentando sucessivas ameaças: da exploração do látex para a produção de borracha e do comércio de peles de animais amazônicos ao avanço da mineração, dos conflitos armados e, atualmente, das petroleiras.
Essa luta se intensificou em setembro de 2023, quando uma disputa territorial eclodiu entre o Comandos de la Frontera e a Frente Carolina Ramírez. Naquele ano, ao menos 2.900 pessoas de 1.156 famílias sionas foram temporariamente confinadas, enquanto outras enfrentaram o deslocamento forçado, segundo relatório do governo de Putumayo.
“A comunidade está totalmente isolada, porque a rota de transporte fluvial foi suspensa e as redes de telefonia e internet não funcionam”, dizia um comunicado divulgado pelos indígenas dois dias após o primeiro confronto em 2023. “As famílias que decidiram ficar estão em uma situação de extrema vulnerabilidade devido à falta de acesso a meios de subsistência. O medo é constante, já que os confrontos podem atingir as casas”.
As famílias isoladas dizem que ficaram sem acesso às suas chagras — roças tradicionais do povo Siona, enquanto integrantes das facções armadas, assim como do Exército, circulavam pelo território. Um toque de recolher foi imposto a partir das 18h, e as escolas fecharam temporariamente. Essas pessoas relataram que a disputa territorial colocou os indígenas “ainda mais em perigo” e que eles foram “ameaçados e impedidos de fazer denúncias”.
Uma semana após os primeiros confrontos de 2023, uma equipe médica e uma delegação dos governos de Putumayo e da Colômbia, além de representantes do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos conseguiram acessar a área e definiram um plano para protegê-los. Porém, vários entrevistados afirmaram que os compromissos não foram cumpridos. A situação segue instável nesses territórios.
Apesar do isolamento da comunidade siona e das ameaças a vários indígenas e pequenos agricultores, a Nueva Amerisur não interrompeu suas operações. “Nós víamos os trabalhadores da empresa chegarem sem nenhum problema. Entravam no bloco de petróleo pela manhã e víamos as máquinas que usavam para abrir a estrada que estão construindo”, relatou um morador de Puerto Asís. Procurada pela reportagem em várias ocasiões, a empresa não se pronunciou.
María Espinosa, da Amazon Frontlines, hoje depende de medidas cautelares para protegê-la das ameaças de morte que recebeu por conta de seu trabalho: “Acompanhar as comunidades e denunciar as violações de seus direitos teve um custo, teve um preço. Está sendo cada vez mais visível e recorrente o controle que os grupos armados têm sobre os territórios”.
Já os indígenas têm diferentes mecanismos de proteção. Ainda em 2009, a Corte Constitucional da Colômbia – equivalente ao Supremo Tribunal Federal no Brasil – emitiu uma declaração de risco de extermínio de 34 povos por causa dos conflitos armados.
Esse termo exigia que o governo tomasse medidas de proteção a vários grupos indígenas historicamente afetados pela violência, incluindo os Siona e Inga. No caso dos Siona, eles denunciaram a violação de áreas sagradas, o recrutamento de jovens por guerrilhas, o deslocamento forçado, assédio sexual, restrições à agricultura, caça e pesca, enquanto a educação tradicional sofreu com a evasão de alunos e a perseguição de professores.
Em 2018, as comunidades de Buenavista e Santa Cruz de Piñuña Blanco – essa também em Puerto Asís – foram amparadas por medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para proteger a vida e o território siona. Elas foram ampliadas no ano passado diante da intensificação das ameaças em 2023.
A comissão exigiu que as autoridades locais identificassem e mitigassem os riscos aos territórios e populações. No entanto, membros de ambas as comunidades denunciaram à reportagem que o Estado não cumpriu suas obrigações, enquanto grupos armados continuam ampliando a violência, com incursões até o lado equatoriano.

‘Tudo tem gosto de petróleo’
A chegada do petróleo aos territórios dos Siona e Inga também trouxe, segundo eles, a contaminação das águas, a restrição de acesso a áreas sagradas e o barulho que perturba sua harmonia.
Para os moradores de Buenavista, a relação com a água precisou mudar. O rio Putumayo é essencial para a subsistência e as tradições ancestrais dos Siona, povo que vive da pesca e das colheitas e que pratica rituais com ayahuasca. No entanto, como relataram os indígenas, eles já não conseguem mais beber a água dos igarapés nem do rio, e tampouco pescar.
“Tudo tem gosto de petróleo. Os peixes agora são menores, têm gosto de gasolina e não podem ser consumidos desde que a petroleira chegou”, disse um indígena. Outro indígena afirmou que a palavra “petróleo” não tem tradução em sua língua: “Uma palavra que não está em nosso idioma não deve estar no território”.
Os indígenas relataram ainda que a contaminação da água é especialmente preocupante nos afluentes do rio Putumayo, como o Piñuña Blanco, o Mansoyá e o Caño Singuiya – esse último sagrado para os Siona.
“Não podemos fazer nossas viagens de yagé”, afirmou um taita siona à reportagem. “Ando em círculos, sem conseguir percorrer o território. A água usada para ferver e preparar o yagé está contaminada”.
A água é fundamental no ritual com ayahuasca de indígenas amazônidas. Não apenas na preparação da bebida, mas também para a purificação, conexão espiritual e cura. As cerimônias geralmente ocorrem perto de rios sagrados.
Além disso, a água que as comunidades indígenas de Puerto Asís utilizam hoje vem da chuva. Sem poder recorrer à fonte d’água mais próxima por sua baixa qualidade, as famílias dizem que tiveram que instalar sistemas de captação em suas casas de madeira até mesmo para suprir necessidades básicas, como o banho. “As crianças adoecem se tomam banho nos rios ou nos igarapés. Elas desenvolvem erupções na pele”, relatou um indígena.
No entanto, faltam estudos científicos sobre a qualidade da água nesses rios, assim como o monitoramento por parte de autoridades. Consultado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu sobre os danos relatados. Já a Corpoamazonia afirmou não ser responsável por fiscalizar esses impactos, mas reconheceu ter recebido denúncias à indústria petrolífera, com três casos em Puerto Asís. Um deles trata de um vazamento de águas residuais em 2015, e dois são referentes a vazamentos de óleo em maio e julho de 2016. Todos seriam de responsabilidade da Nueva Amerisur – que não se pronunciou à reportagem.
A advogada María Espinosa explica que há acidentes na indústria do petróleo “que são facilmente encobertos, porque muitas vezes não são reportados ou são justificados”. Ela completa: “Tudo depende da transparência da Amerisur”.
Membros do povo Inga, em Wasipungo, também denunciam a deterioração da qualidade da água, um problema corroborado por Luisa Sánchez, pesquisadora da Ambiente y Sociedad. O incidente mais recente ocorreu em outubro de 2024, no igarapé Danta Iaku, onde indivíduos não identificados abriram as válvulas de caminhões-tanque, provocando um vazamento de óleo. Esse igarapé é um caminho ancestral dos Inga e um corredor vital para espécies nativas. Em resposta, a Gran Tierra afirmou, segundo a Ambiente y Sociedad, ter adotado medidas emergenciais e recolhido mil galões da mistura de água e óleo vazado. A empresa não se manifestou à reportagem sobre o tema.
Além da água contaminada nas comunidades de Buenavista e Wasipungo, moradores reclamam do constante ruído da atividade petrolífera. “É terrível quando eles estão trabalhando, o barulho é constante”, disse um indígena siona. As máquinas continuam a fazer barulho até durante a noite, o que, segundo ele, os impede de dormir, e “os consumidores de yagé não conseguem se concentrar”.
Também faltam estudos técnicos sobre a qualidade da água e os níveis de poluição sonora na comunidade de Buenavista. Em 2017, diversos órgãos do governo colombiano visitaram a região e constataram o desmatamento no entorno da nascente Cananguchal, em Puerto Asís. Indígenas relataram às autoridades durante a visita, e mais recentemente também à reportagem, que a instalação de uma plataforma da Nueva Amerisur na zona de La Rosa teria poluído a região pelo despejo de águas residuais em um afluente do rio Putumayo.
Após a inspeção, foi recomendada a realização de um estudo ambiental na área e a comunicação das medidas de remediação ao governo. Sete anos se passaram, e não há qualquer informação sobre a execução desses estudos, segundo moradores.

Impactos ambientais
Agricultores familiares da zona La Perna, em Puerto Asís, também se mobilizaram. Um documento reservado, acessado pela reportagem, denuncia impactos ambientais ligados à exploração do bloco Platanillo, operado pela Nueva Amerisur.
A denúncia se baseia em um relatório da Corporación Integral del Medio Ambiente, empresa de consultoria ambiental, que alerta, entre outros pontos, que a construção da estrada entre as áreas rurais La Aldea e La Rosa, que conecta dois campos petrolíferos da região, provocou a destruição de um pantanal. “A abertura da estrada de La Rosa foi feita para atender à petroleira e já causou danos a uma nascente”, reforçou um indígena.
O relatório sinaliza ainda alterações na composição química do solo, afetando gravemente as chagras. “O pH apresenta uma concentração de 5,9, considerada moderadamente ácida, influenciada pelos resíduos de hidrocarbonetos”, detalha o documento. “Isso resulta em uma menor disponibilidade de nutrientes para as plantas”.
Uma das pesquisas sobre a contaminação na região foi realizada em 2022 pelo instituto amazônico de pesquisas científicas Sinchi. O estudo analisou a presença de petróleo e outros químicos nos rios San Miguel e Putumayo, no município de Puerto Asís. Os resultados revelaram que, na década anterior, pelo menos 170 km² foram impactados por vazamentos de óleo, resultantes tanto de falhas operacionais quanto de ações de grupos armados.
Além disso, a Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável, organização dedicada à preservação da Amazônia, publicou no final de 2024 uma análise baseada em dados da ANLA. O relatório mostrou que, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2023, a agência registrou 49 denúncias por infrações ambientais relacionadas ao setor de petróleo.
Uma análise do projeto Até a Última Gota, com base em dados do governo colombiano, identificou 28 denúncias por infrações ambientais ligadas à extração de petróleo na Amazônia entre 2013 e 2024. A contaminação do ecossistema foi a violação mais frequente, respondendo por 19 casos (67%). Além disso, foram registrados episódios de desmatamento nas áreas dos blocos petrolíferos e o descumprimento dos limites estabelecidos para a atividade.
A Gran Tierra e a Amerisur são as principais responsáveis por infrações, acumulando juntas 11 casos, o que representa quase 40% do total. A ANH também responde por seis infrações. No entanto, não há informações sobre penalizações aplicadas.

Guarda indígena para proteger território
Enquanto isso, sem apoio externo, o povo Siona se defende por meio da guarda indígena — homens e mulheres que, com bastões em mãos, patrulham o território para proteger e cuidar da floresta amazônica em seu entorno. Conhecidos como cuiracuas, esses guardiões surgiram de um processo político e organizativo voltado à defesa e ao fortalecimento da cultura e da governança territorial. Na linha de frente da proteção física e espiritual da terra, eles enfrentam ameaças, deslocamentos forçados e confinamentos impostos por grupos armados.
Mas os cuiracuas não puderam salvar o proeminente pajé Luis Felinto Piaguaje Yaiguaje, que “morreu de tristeza”, segundo seu povo, em 2018 – um golpe que os indígenas ainda não digeriram. A Defensoria do Povo, instituição nacional de direitos humanos, publicou na ocasião um comunicado afirmando que a saúde do pajé “sofreu constante deterioração” pelos impactos das operações petrolíferas na região, as quais, segundo o órgão, ocorreram “sem consulta prévia, nem licença ambiental”.
Para os povos da região, a exploração petrolífera não afeta apenas a qualidade de vida, disse María Espinosa; a atividade provoca um impacto profundo nos pensamentos, nas formas de viver e na própria relação com o mundo.
“O petróleo o matou, contaminou sua nascente e aquele ancião nunca mais pôde pegar água desse igarapé para preparar seu yagé. Não sentia dor nos ossos, não tinha um tumor, simplesmente se apagou como uma pequena vela porque nunca mais pôde conversar com o [espírito do] tigre, que nunca mais falou com ele”.
*Pilar Puentes é jornalista, dedicada a questões relacionadas a conflitos armados, grilagem de terras, liderança ambiental e direitos humanos; repórter do portal jornalístico Rutas del Conflicto desde 2018, venceu o Prêmio de Excelência Jornalística 2020 na categoria universitária, e foi finalista do Prêmio Orlando Sierra de jornalismo em 2019
**Esta reportagem faz parte do especial Até a Última Gota, produzido com o apoio da Global Commons Alliance, um projeto patrocinado pela Rockefeller Philanthropy Advisors.
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