As urnas e a energia nuclear no Brasil

A continuação das obras da Usina Nuclear Angra 3 é uma das decisões que o futuro presidente deverá tomar. Foto Vanderlei Almeida/AFP

Futuro presidente terá que decidir sobre Angra III, submarino nuclear e enriquecimento de urânio no país

Por Tania Malheiros | ODS 7 • Publicada em 24 de setembro de 2018 - 08:00 • Atualizada em 26 de setembro de 2018 - 15:05

A continuação das obras da Usina Nuclear Angra 3 é uma das decisões que o futuro presidente deverá tomar. Foto Vanderlei Almeida/AFP
A continuação das obras da Usina Nuclear Angra 3 é uma das decisões que o futuro presidente deverá tomar. Foto Vanderlei Almeida/AFP
A continuação das obras da Usina Nuclear Angra 3 é uma das decisões que o futuro presidente deverá tomar. Foto Vanderlei Almeida/AFP

O presidente da República, eleito, estará diante de grandes questões no setor nuclear. A retomada das obras da usina nuclear Angra III; a continuidade do projeto do primeiro submarino nuclear, e o apoio às atividades de enriquecimento de urânio desenvolvidas pela empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estão entre os pontos centrais de decisões internas para a próxima gestão federal. No âmbito da política externa, o novo governo poderá ter que reagir, como já ocorreu no passado, às pressões internacionais contra o desenvolvimento do setor, que desde 1988 integra o restrito Clube do Átomo. Enfrentar ou ceder?

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O sonho de o Brasil construir o submarino atômico já tem mais de 40 anos, começou na Ditadura, mas por decisão política e falta de recursos, naufraga e emerge, de governo em governo.

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Angra III, obras continuam?

Entre as decisões mais prementes para o novo presidente destaca-se a retomada da construção da usina atômica Angra III, que acaba de ser autorizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A unidade, comprada pelo acordo Brasil-Alemanha, em 1975, tem 65% de suas obras concluídas. Suas obras já pararam várias vezes, sendo a última, em 2015, por conta de denúncias de corrupção na Operação Lava Jato.

Segundo a Eletronuclear, gestora das três usinas nucleares, dos R$ 21 bilhões previstos para Angra III, R$ 7 bilhões já haviam sido aplicados. Para reiniciar a construção, três pontos terão que ser equacionados: renegociar as dívidas decorrentes do financiamento é um deles. Este ano, a empresa negociava com o BNDES e a Caixa Econômica Federal adiar o pagamento das parcelas da dívida da construção da unidade. Só para o BNDES, a empresa estava pagando cerca de R$ 30 milhões por mês.

A revisão da tarifa de energia, de Angra III, defasada, que não remunera os investimentos feitos pela empresa, nem o custo do financiamento, é mais um entrave a ser equacionado e, finalmente, a busca de um parceiro para injetar dinheiro no investimento. Afinal, o caixa do governo não comporta mais a sangria de recursos aplicados durante tantos anos na usina.

Visão aérea das usinas de Angra 1 e Angra 2, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Foto Vanderlei Almeida/AFP

O novo presidente, via setor elétrico nuclear, deverá, provavelmente, dar um ponto final na novela que se arrasta há décadas. Para muitos, por falta de decisão política. Também por conta do funcionamento das usinas Angra I e Angra II, especialistas acham que será de bom tom que o setor nuclear do presidente eleito convide para o diálogo a representação do novo governador eleito. O diálogo, sem decisões imperativas, como ocorria no passado, deveria ser profundo.

Vale lembrar que a prefeitura de Angra dos Reis, no Sul do Estado, que abriga a Central Nuclear Álvaro Alberto, com as três usinas, deve participar de todas as discussões. Afinal, assim como Governo Federal e Estadual, tem grande parcela de responsabilidade nas ações do Plano de Retirada da População, em caso de acidente nas unidades.

Destaca-se também o aumento da violência na cidade, como a imprensa tem mostrado, refém da criminalidade, que a faz decretar estado de emergência, afastando o turismo e amedrontando a população.  A discussão em torno das responsabilidades geradas pela Central Nuclear Álvaro Alberto deveria unir diálogo e colaboração, em sintonia com todas as esferas.

Submarino nuclear, projeto sairá do papel?

No eixo Rio-São Paulo outro empreendimento dependerá de investimento maciço do governo para sair do papel: o projeto do primeiro submarino de propulsão nuclear. O sonho de o Brasil construir o submarino atômico já tem mais de 40 anos, começou na Ditadura, mas por decisão política e falta de recursos, naufraga e emerge, de governo em governo.

Até que em 2008/2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou acordo com a França para a transferência de tecnologia para a fabricação do submarino nuclear, além de outros quatro convencionais. Conforme informações divulgadas pelo governo Lula, na época. A França foi o único país a aceitar a transferência de tecnologia específica envolvendo as partes não nucleares.

Integram o acordo: a construção de um estaleiro e de uma base naval em Itaguaí (RJ), além de um contrato principal assinado entre a Marinha e o Consórcio Baía de Sepetiba, formado pela Empresa Estatal Francesa de Projeto e Construção Naval (DCNS), a construtora Odebrecht e a Itaguaí Construções Navais. Na época, foi criado o PROSUB (Programa de Desenvolvimento de Submarinos), que faz parte da Estratégia Nacional de Defesa, lançada em 2008; e a Amazul (Amazônia Azul Tecnologia de Defesa), criada em 2012, para desenvolver tecnologia aos Programas Nuclear da Marinha.

Em 2018, durante as comemorações dos 30 anos do Centro Experimental Aramar, em Iperó (SP), onde a Marinha dominou o ciclo do combustível, enriquecendo urânio, mais um sopro de esperança ventava a favor do projeto. A comemoração simbolizava o início dos testes de integração dos turbogeradores do Labgene, que é o protótipo, em terra, da planta nuclear do submarino com esse tipo de propulsão. Previstos para 2021, testes de operação serão feitos com equipamentos, também em terra e, depois dessa etapa, “um conjunto similar será instalado no submarino nuclear”, anunciava o governo de Michel Temer.

Com cortes de recursos, lamentados por dirigentes, via entrevistas na mídia, ao longo desses anos, o projeto do submarino nuclear também caíra nas mãos do novo governo. Seus nomeados na Marinha, ministérios e demais representantes federais darão rumo ao projeto em ritmo lento ou não, dependendo efetivamente dos recursos que a ele serão destinados.

Enriquecimento de urânio e pressões externas

Há cerca de 20 anos já se previa no setor nuclear que a Marinha estava prestes a repassar a tecnologia do enriquecimento de urânio, de Aramar (SP), para a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Resende (RJ). Em 2000, confirmando a previsão, Marinha e INB assinaram contrato para a transferência de tecnologia.

Assim, a INB passou a enriquecer urânio por ultracentrifugação, método mais moderno mundialmente, sob as salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc). Tudo é fiscalizado e contabilizado. Nenhum material foi desviado, garante a Abacc.

Governos que aceitaram fiscalização externa foram criticados por nacionalistas. Mas se o Brasil não tem intenção de fabricar a bomba e ou artefatos nucleares, para um segmento nuclear, a fiscalização fortalece os laços de integração com países vizinhos e a comunidade internacional. A posição do novo governo deverá ser logo conhecida.

*Nesta terça-feira, dia 25, a jornalista Tania Malheiros lança, no Rio de Janeiro, o livro “Bomba atômica! Pra quê? Brasil e Energia Nuclear.

Tania Malheiros

Tania escreve sobre energia nuclear desde 1986. Seu primeiro "furo" nessa área foi pela Folha de S. Paulo, com a revelação de vazamento de radiação na usina nuclear Angra I; a existência das contas secretas "Delta", entre outros. No jornal O Estado de S. Paulo, foram seis anos com reportagens exclusivas, entre elas, denúncias de altos índices de radiação na Usam. No Rio, trabalhou também em O Globo e na Agência Estado/Broadcast. No Jornal do Brasil, em janeiro de 1996, revelou acidentes com radiação no Centro Experimental Aramar, o que lhe valeu o Prêmio Esso de Jornalismo na categoria "Científica, Tecnológica e Ecológica", em 1997.

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