Em outubro de 2012, quando o furacão Sandy passou por Nova York, dois personagens importantes se transformaram em figurinhas fáceis nas emissoras de rádio, televisão e nos jornais locais. Michael Bloomberg, então prefeito da cidade, e o presidente Barack Obama ocuparam todos os espaços possíveis para orientar a população. Frases como “Não dirijam, fiquem onde estão” e “Não questionem as instruções” eram repetidas à exaustão.
Em janeiro de 2020, não há nenhum alerta de furacão no Rio de Janeiro. Entretanto, o nosso tradicional calor senegalês veio acompanhando de uma série de denúncias e dúvidas sobre a qualidade da água que abastece a região metropolitana. Insegura, sem confiar nas informações escassas que recebe, a população se desespera, invade os supermercados em busca de água mineral cada vez mais cara e fica à mercê dos mais variados e alarmantes boatos que circulam livremente pelas redes sociais.
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Em um áudio que transita nos grupos de WhatsApp, uma mulher não identificada diz que é casada com um biólogo da Fiocruz e começa a fazer denúncias e alertas: “existe um vírus na água da cidade”, “a situação é muito mais grave do que parece”, “use algodão nos ouvidos quando tomar banho”, “o vírus pode causar problemas cardíacos nas crianças”, “a Fiocruz foi proibida de divulgar essas informações”… e por aí vai.
Aliás, citar entidades como a Fiocruz, reconhecida pela qualidade das pesquisas e pela credibilidade, é um recurso muito usado por quem se dispõe à lamentável tarefa de espalhar histórias como esta. O mesmo aconteceu com o Inmetro, que, segundo um outro boato, teria feito uma pesquisa independente e comprovado uma contaminação grave da água do Rio de Janeiro. Tanto a Fiocruz quanto o Inmetro negam essas informações.
Enquanto tudo isso acontece, os representantes do povo seguem calados. O prefeito Marcelo Crivella, o governador Wilson Witzel e o presidente Jair Bolsonaro agem como se estivéssemos em um mar de tranquilidade. Nenhuma palavra foi dita, nem para orientar e nem para tranquilizar. Após 13 dias de crise, só na quarta-feira (15 de janeiro) o presidente da Cedae, Hélio Cabral Moreira resolveu se pronunciar. Ele pediu desculpas pelos transtornos e disse que a situação será normalizada na próxima semana com a instalação do carvão ativado que eliminará a presença de geosmina – substância orgânica produzida por algas – na água que sai do reservatório do Guandu. Antes de assumir a presidência da Cedae, Hélio foi conselheiro da Samarco e chegou a constar como réu na ação do Ministério Púbico de Minas Gerais sobre o desastre de Mariana, que matou 19 pessoas em novembro de 2015.
Mas, afinal, a água que abastece a região metropolitana do Rio está contaminada? Existe algum risco real para a população? Para o professor da Coppe, Paulo Canedo, especialista em recursos hídricos, está havendo muito alarmismo em torno de um tema importante que deveria ser tratado com mais cuidado e responsabilidade. Para Canedo, existem alguns fatos a serem considerados:
“Fato 1: A Cedae sempre teve uma tradição de tratar bem da água do Rio de Janeiro. Nada indica que isso tenha mudado;
Fato 2: Houve sim uma concentração grande de material orgânico no lago formado pelos rios Poços, Ipiranga e Queimados, próximos ao Guandu. São rios muito poluídos. Com as chuvas e o calor forte houve a produção das algas e a liberação da giosmina, que tem um cheiro desagradável e um gosto de terra molhada. Mas que não faz mal à saúde.
Fato 3: Análises feitas pela Vigilância Sanitária em 107 pontos da rede de abastecimento da Cedae, em 15 bairros, mostrou que a qualidade da água está dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Foram avaliados os índices para a presença de cloro, níveis de pH, turbidez, coliformes totais e Escherichia coli”.
O professor Paulo Canedo poderia ter incluído ainda os Fatos 4 e 5, que também são muito relevantes nessa discussão. O grande problema do abastecimento de água no Rio e em várias outras cidades do país está relacionado com a falta de coleta e tratamento e esgoto. Fica cada vez mais difícil e caro tratar uma água que recebe doses absurdas de material orgânico, popularmente conhecido como cocô.
No último ranking do Saneamento Básico divulgado pelo Instituto Trata Brasil, o Rio de Janeiro caiu da posição 39 para a 51. Apenas 46% do esgoto coletado na cidade é tratado, e isso não vale apenas para as favelas e regiões mais pobres. Dos recursos arrecadados pela Cedae, pouco mais de 11% foram investidos em saneamento. Enquanto São Paulo investiu 34% e Belo Horizonte e Curitiba investiram 15%.
Por fim, mas não menos importante, está o fato de que não houve uma gestão desta crise. Sim, o Rio enfrenta uma crise de abastecimento e de desinformação. Quem tinha dinheiro para isso correu para os supermercados e pagou um preço alto para acabar com os estoques de água mineral. E quem não tem? Como fica a grande maioria da população que não tem alternativa? Ferver a água e filtrá-la são práticas antigas e básicas. Mas nem essa orientação básica foi dada publicamente por qualquer autoridade da área de saúde. Seja ela municipal, estadual ou federal. Falta cuidado com as pessoas, falta transparência nos números e nas análises. Em resumo: apesar de tudo, sem dúvida, a qualidade da água segue sendo muito melhor do que a qualidade dos nossos governantes.
Muito bom e esclarecedor
Esclarecedor.
Lembro ainda que nosso velho filtro de barro, com vela de função tripla, é um dos melhores e mais baratos métodos do mundo para purificar a água.