Eu vi. Estava em Nova York quando a cidade viveu a pior tragédia natural de uma geração. Foi a passagem do furacão Sandy, um choque para os nova-iorquinos, mas muito menos assustador para cariocas acostumados com as tempestades do Rio. Bem ao estilo de Manhattan, antes da hora marcada para o furacão chegar, numa terça-feira de tarde, as academias estavam cheias como nunca e os supermercados lotados de gente se abastecendo para enfrentar Sandy. Todos sabiam a hora exata em que deveriam ir para casa e se proteger da fúria da natureza. Era impossível não ter informações sobre a velocidade dos ventos a cada hora, o pico da enchente nas ruas na hora da maré cheia, a possibilidade de corte de luz, as medidas de prevenção a serem tomadas por cada um.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]A preocupação maior era salvar vidas, prejuízos à economia com a cidade parada ficaram para ser contabilizados depois
[/g1_quote]Sem dó nem dúvidas, prefeito e governadores dos estados fronteiriços suspenderam a circulação de todo o transporte público desde 17 horas de domingo, proibiram táxis e carros nas ruas na terça, obrigaram todos os moradores em zona de perigo a sair de casa para abrigos ou casa de amigos: “Eles vão adorar ter vocês para jantar”, disse Michael Bloomberg o prefeito cool da época.
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Veja o que já enviamosManhattan virou uma ilha de novo: ficou sem trem, ônibus, metrô, com pontes, túneis e aeroportos fechados. O prefeito não saia da televisão, explicando com detalhes a preparação da cidade. “Não dirijam, fiquem onde estão”, repetiu como um mantra o Bloomberg no dia do furacão. “Não questionem as instruções”, reforçou o então presidente Barack Obama.
A preocupação maior era salvar vidas, prejuízos à economia com a cidade parada ficaram para ser contabilizados depois. Claro que Sandy deixou um rastro de destruição e mexeu com a vida de milhões de pessoas. Houve mortes, uma delas de um garoto que foi passear no parque com o cachorro e a árvore caiu na cabeça dele. Mas houve outras, provocadas pela subida do mar no sul da ilha e nas redondezas que inundaram casas e causaram mortes. Abaixo da Rua 42, a energia foi cortada por dois ou três dias, a internet caiu, uma grua ameaçou despencar em Times Square. Podia ser pior: informações detalhadas ajudaram a controlar o pânico e a diminuir a dimensão da tragédia. Sem medo de ser porta-voz de más notícias, governadores de estados vizinhos e prefeito prestaram contas do que acontecia em entrevistas, pelo menos, duas vezes por dia, entrando no ar até tarde da noite
O potencial de destruição de um furacão é maior do que o das nossas tempestades. É dramático em Nova York e no Brasil. Mas evitou-se o que era evitável: ônibus sendo levados pelas águas, milhares presos no trânsito, famílias inteiras soterradas em deslizamentos de encostas.
Era época de campanha eleitoral e a violência de Sandy amainou as brigas entre candidatos mesmo se a política não saiu de cena. Obama, candidato à reeleição, reassumiu o estilo presidencial, sem disfarçar olheiras e magreza típicas de campanhas. Da “situation room”, espaço simbólico das reuniões com militares, comandou a resposta ao furacão, assinou decretos de emergência, liberou recursos aos estados e telefonou pessoalmente para os governadores, sem distinções de filiações partidárias. “Não aceito burocracias”, advertiu, garantindo todo o necessário para a vida voltar ao normal.
Nos e-mails à militância, pediu doação para a Cruz Vermelha em vez de dinheiro para a campanha. O Air Force One também mudou de rota: saiu dos comícios e fez viagens aos lugares atingidos por Sandy. Os eleitores de um e outro candidato empilhavam arroz e água para as vítimas do furacão nos lugares em que atos de campanha estavam programados.
O medo lá é temperado pelo sentimento de confiança na preparação da cidade para enfrentar a natureza em fúria. Já aqui vivemos o pânico com o abandono da cidade e o descaso com a vida dos cidadãos.