A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) tem um déficit habitacional de, pelo menos, 340 mil moradias. Em 300 mil casas, os moradores dormem sem ventilação adequada, em quartos com mais de três pessoas. Nas famílias com renda até três salários, os gastos com aluguel consomem 30% ou mais da renda total. Esses dados críticos e seus impactos também sobre emprego, transporte, saneamento e outras políticas fizeram da habitação o tema central do lançamento da Agenda Rio 2030, conjunto de propostas reunidas pela Casa Fluminense – associação civil com foco em políticas públicas para a Região Metropolitana do Rio – que será encaminhado aos candidatos de todos os 22 municípios da RMRJ.
Habitação é o primeiro dos 10 eixos de propostas das 29 páginas da Agenda Rio 2030, que segue os temas do Mapa da Desigualdade lançado em julho pela Casa Fluminense. Emprego, transporte, segurança, saneamento, saúde, educação, cultura, assistência social e gestão pública são os outros eixos temáticos – a Agenda Rio reúne 10 propostas para cada uma das 10 áreas. “São propostas, todas baseadas no Mapa da Desigualdade para tornar as cidades mais justas, mais sustentáveis e mais democráticas”, explicou Vítor Mihessen, coordenador de informação da Casa Fluminense. “Essas propostas foram construídas através de debates com organizações parceiras, atividades e especialistas em políticas públicas de maneira presencial até março e virtualmente depois”, acrescentou Thábara Garcia, pesquisadora da Casa Fluminense.
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Veja o que já enviamosTemos um problema muito grave que é a construção de moradia rumo a uma periferia mais distante, sem qualquer infraestrutura urbana, e ainda o crescimento da produção habitacional pelas milícias
[/g1_quote]Ainda sobre habitação, Henrique Silveira destacou duas propostas da Agenda Rio 2030: estruturar política de habitação de interesse social nas áreas centrais dos municípios, identificando imóveis e terrenos vazios para moradia adequada em áreas já dotadas de infraestrutura urbana, próxima ao transporte, comércio e serviços; e mapear o estoque de imóveis e prédios públicos vagos, disponibilizando-os à habitação de interesse social e à contenção da especulação imobiliária, através da utilização da Função Social da Propriedade, do IPTU Progressivo e da taxação pelo desuso. “A habitação social nas áreas centrais das cidades é uma estratégia não só para garantir o direito à moradia, mas também o direito e acesso à cidade”, destacou Yasmim Monteiro, assessora de Informação da Casa Fluminense.
Para Henrique Silveira, projetos com base nessas propostas terão enorme impacto em outras políticas públicas: no emprego, no transporte, no saneamento, na saúde e até na segurança. “Temos um problema muito grave que é a construção de moradia rumo a uma periferia mais distante, sem qualquer infraestrutura urbana, e ainda o crescimento da produção habitacional pelas milícias”, alertou o coordenador-executivo da Casa Fluminense. As propostas para habitação incluem ainda políticas para a urbanização de favelas – a capital fluminense tem 22% de sua população, mais de 1,3 milhão de pessoas, morando em favelas – com regularização fundiária e oferta de serviços públicos.
Desafios no transporte e no emprego
Outras áreas destacadas durante o lançamento foram transporte e emprego. “Foram temas tremendamente afetados pela pandemia e merecem olhar muito atento das gestões municipais”, apontou Vitor Mihessen. “Há risco de colapso do transporte coletivo na Região Metropolitana. A pandemia evidenciou graves questões de financiamento e remuneração que já existiam. É preciso enfrentar esse problema com urgência. Não podemos ter, depois de uma ano como este, aumento no preço das passagens em 2021”, acrescentou Henrique Silveira. Neste eixo, as propostas têm como objetivo reduzir tarifas, qualificar os transportes e as vias, melhorar o planejamento, o financiamento e a transparência, ampliar a cobertura, ofertar deslocamentos seguros para mulheres, reduzir emissões de poluentes.
O Rio de Janeiro, principalmente sua Região Metropolitana, foi um dos estados mais afetados pelo desemprego causado pela pandemia. Entre as propostas da Agenda Rio 2030, estão a retomada das obras públicas e o apoio aos pequenos negócios. “Um dos principais desafios para o próximo ciclo será a geração de novas vagas de emprego, reduzindo a precarização do trabalho e descentralizando o CEP das oportunidades”, disse Douglas Almeida, coordenador de Mobilização da Casa Fluminense. Henrique Silveira lembrou que o setor de construção civil é um grande empregador e obras em áreas fundamentais como habitação e saneamento podem, ao mesmo tempo, gerar empregos e garantir melhoria na qualidade de vida.
As propostas para a área de saneamento são encabeçadas pela consolidação de um plano de democratização do acesso à água limpa, coleta e tratamento de esgoto, reunindo a Câmara Metropolitana, os municípios, a sociedade civil e os comitês de bacias para a definição de prioridades e metas; a ampliação da capacidade das Estações de Tratamento de Esgoto; e o investimento na prevenção de enchentes e desastres ambientais. “Saneamento é um tema fundamental para a Região Metropolitana do Rio”, acentuou Vitor Mihessen. De acordo com o Mapa da Desigualdade, em nove dos 22 municípios da RMRJ, a população inteira não tem esgoto tratado. Em outras oito cidades, a porcentagem da população atendida fica abaixo de 20%.
A pesquisadora Thábara Garcia, uma das coordenadoras do documento, explicou que esta quarta edição da Agenda Rio 2030 incorpora mais temas – saúde, educação e cultura, por exemplo, agora têm propostas individualizadas, assistência social foi adicionada, gestão pública foi valorizada. “Da mesma forma que o Mapa da Desigualdade, a agenda também está mais focada nas questões de gênero e raça. As propostas, nos 10 eixos temáticos, objetivam promover a justiça econômica, a justiça sócioambiental, a justiça racial e a justiça de gênero”, explicou Thábara.
Para o debate virtual no lançamento da Agenda Rio 2030, foram convidados representantes de outras instituições com propostas para influenciar o debate público neste ano eleitoral: Fabiana Pinto, do Instituto Marielle Franco, que reuniu propostas inspirada na plataforma de trabalho do mandato da vereadora assassinada na Agenda Marielle Franco; Luiz Valverde, do Instituto dos Arquitetos do Brasil, seção Rio (IAB/RJ), que lançou a carta-manifesto A Cidade que Queremos, com 247 propostas, frutos de debate de 30 organizações, divididas pelas áreas de planejamento e gestão, habitação, saneamento e meio ambiente e mobilidade; e Cyntia Feitosa, do Instituto Clima e Sociedade (ICS), que também prepare-se para lançar, em parceria com outras associações, a Agenda Clima. “São importantes que essas agendas fortaleçam o debate público, abrindo espaço para uma crescente participação da sociedade civil nas decisões da gestão municipal”, destacou Cyntia Feitosa.