Parte da imensidão aquática está muito perto e dramaticamente longe da comunidade Nossa Senhora do Livramento, às margens do Rio Negro, na zona rural de Manaus. Fundada na década de 1970 jamais teve acesso à água potável e nem à rede de esgoto. Com cerca de 230 famílias e 600 moradores, muitos deles indígenas, o povoado integra a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, e só é possível chegar lá de barco, numa viagem de 15 minutos pelo Rio Negro, a partir da Marina Davi.
Francisca Cavalcante de Carvalho, presidenta da Associação de Moradores do Livramento, explica que a questão da água é um problema antigo na comunidade, que não possui poço artesiano comunitário, apenas poços familiares, cavados por alguns moradores. “Tenho um com 24 metros de profundidade e a qualidade da água não é muito boa. Compartilho o meu com mais ou menos oito famílias, que não têm poço nenhum”.
De acordo com a gerência de recursos hídricos do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), um poço construído na zona rural de Manaus precisa ter no mínimo entre 50m e 60n de profundidade. A metragem é calculada para os usuários terem acesso à água mais limpa e menos vulnerável a contaminações.“Quando esses poços chegam a apenas 20m, ficam mais sujeitos a problemas na água, pois há toda uma atividade produtiva em cima da área”, diz o IPAAM em nota.
Há quatro anos um poço comunitário foi instalado pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, com seis torneiras disponíveis. Segundo Darcy Melgueira Luíz, residente do Livramento há mais de 35 anos, uma taxa de manutenção era cobrada, mas muitos moradores não podiam pagar o valor e o poço foi desativado. Em meio à pandemia e aos problemas de saneamento básico que a comunidade enfrenta, Darcy afirma que uma iniciativa como aquela é essencial para o Livramento. “Tenho o meu em casa, mas me acostumei a ver gente aqui todos os dias pegando água no serviço coletivo”, lembra ele.
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Veja o que já enviamosLivramento se mobiliza para enfrentar o coronavírus
Manaus ultrapassou a marca de 71 mil casos confirmados de coronavírus e, até o dia 17 de novembro, com 49 notificações e 16 casos confirmados na comunidade do Livramento, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Mas a moradora Olga Pimentel, eleita conselheira municipal de saúde pouco antes do início da pandemia, estima que o número de casos positivos é bem maior, porque muitos moradores apresentaram sintomas leves da covid-19 durante o pico da doença na capital. “Nessa época a coisa estava feia e nem tinha como pensar em ir para o hospital. A única coisa que podíamos fazer era evitar aglomeração e tomar nosso chá de limão com alho e jambu”.
Olga conta que devido à pandemia as reuniões entre os conselheiros e a Prefeitura de Manaus ainda não puderam ser feitas, mas que ela tem cobrado uma atenção maior para a comunidade, além de uma testagem em massa dos idosos. “Tem sido difícil e nem sei se vai ocorrer em algum momento, mas estou fazendo a minha parte”. (Procurada pelo Colabora, a Prefeitura de Manaus não se manifestou sobre a ausência de saneamento básico em Nossa Senhora do Livramento.)
Sem assistência do poder público, os moradores precisaram se mobilizar por conta própria para combater os impactos do coronavírus. Francisca afirma que a organização não tinha recursos para comprar máscaras, mas que ela e outras mulheres se uniram e costuraram algumas, que foram distribuídas entre os moradores. “Conseguimos uma doação de pano e linha, mas nem todas tinham máquina de costura e foi preciso revezar. Com muito esforço produzimos 400 e entregamos de porta em porta, mas sempre tomando todos os cuidados e orientando o uso do álcool em gel”.
A situação na zona rural de Manaus é ainda mais grave do que no resto da capital, afirma Luiz Fernando de Souza Santos, doutor em Sociologia e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). “As desigualdades no acesso a esses serviços, principalmente na comparação entre as áreas urbana e rural, são mais acentuadas na Amazônia do que nos grandes centros do Sul e Sudeste. Fornecer água potável e rede de esgoto para a periferia e comunidades ribeirinhas não é de interesse das elites e do poder público que se concentram somente na exploração das riquezas da região”, sustenta.
A plataforma do SNIS também aponta que, desde que o monitoramento começou a ser realizado em 2014, a população nortista sem acesso à água tem crescido gradativamente. Das dez cidades com piores índices de coleta de esgoto no Brasil, Manaus ocupa a sexta posição, com apenas 12,43% da população contemplada pelo serviço, à frente apenas de Caucaia, Aparecida de Goiânia, Rio Branco, Jaboatão dos Guararapes e Belém.