Depois de anos prometendo que seu badalado aluno “passaria no teste” com louvor, o governo do Estado do Rio, enfim, reconheceu que o pupilo está longe de ser um estudante exemplar. A Baía de Guanabara, objeto de inúmeras promessas de despoluição nas últimas décadas, foi classificada, em seu primeiro Boletim de Saúde Ambiental, com o conceito D, ou “qualidade da água ruim”, por um grupo de 200 representantes de diversas organizações. É a penúltima escala de uma série de cinco; que vai do A (muito boa) ao E (muito ruim).
O boletim faz parte de um aguardado pacote de novidades sobre a Baía de Guanabara, apresentado pelo governo do estado no Museu do Amanhã, no dia 21 de julho de 2017, e resultante do termo de cooperação técnica assinado pelo Estado do Rio com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), há cinco anos. O órgão de fomento doou US$ 1 milhão para a realização de uma série de estudos sobre a baía-símbolo do Rio de Janeiro.
[g1_quote author_name=”Dave Nemazie” author_description=”pesquisador da Universidade de Maryland” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Melhorar as condições da baía leva tempo. Vocês devem estar juntos e ter paciência. É importante levar em conta que a Guanabara não será despoluída se os rios que deságuam nela não forem limpos. A ideia é que o boletim seja atualizado semestralmente ou anualmente. Agora é com vocês
[/g1_quote]Parâmetros como oxigênio dissolvido, demanda biológica de oxigênio, ortofosfato, nitrogênio inorgânico dissolvido e turbidez ampararam a avaliação. Foram analisados 21 pontos de coleta. O boletim teve uma tiragem de 3 mil exemplares. “Melhorar as condições da baía leva tempo. Vocês devem estar juntos e ter paciência. É importante levar em conta que a Guanabara não será despoluída se os rios que deságuam nela não forem limpos. A ideia é que o boletim seja atualizado semestralmente ou anualmente. Agora é com vocês”, afirmou Dave Nemazie, pesquisador da Universidade de Maryland, que coordenou o estudo.
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Veja o que já enviamosA inspiração para o boletim da Guanabara veio de experiência semelhante na Baía de Chesapeake, nos Estados Unidos. Por lá, as ações de despoluição começaram no final da década de 1980, e prosseguem com bons resultados. Principalmente após a opção dos gestores em aferirem metas de curto prazo. Mesmo com os tratamentos de esgotos bastante avançados, o gigantesco estuário americano – circundado por dois estados, 13 condados e três grandes municípios, onde vivem 9,3 milhões de pessoas – ainda padece com problemas ambientais, como o despejo de defensivos agrícolas e assoreamentos. Por isso, a última nota conferida à Chesapeake, em 2016, é um modesto C.
O boletim da Guanabara divide a baía em cinco áreas – de acordo com as dinâmicas das marés. Mostra com clareza as diferentes “baías” que compõem o espelho d’água de 380 quilômetros quadrados. Se a entrada da Guanabara possui boas condições de balneabilidade, o fundo, em áreas que recebem as contribuições de rios da Baixada Fluminense, padece com índices péssimos. Cinco cidades – Cachoeiras de Macacu, Tinguá, Magé, São João de Meriti e Nilópolis – registram índice zero de tratamento de esgotos.
Além do primeiro boletim, também foi apresentada ao público uma plataforma digital com uma biblioteca de documentos utilizados na avaliação a condição da baía, uma descrição das recomendações de um plano de recuperação ambiental. São informações preciosas que nunca haviam sido divulgadas e devem agradar a estudantes e profissionais que atuam em questões relacionadas à Guanabara.
Críticas pesadas
É a primeira vez que a Secretaria do Ambiente do Rio e a Cedae admitem, oficialmente, que o percentual de tratamento de esgotos domésticos dos 15 municípios que circundam a Guanabara é de 35%. Outro avanço. Essa questão sempre foi controversa, e órgãos da administração pública batiam cabeça na divulgação do percentual. Muitas vezes, chegou a ser divulgado que o percentual beirava os 50%. “O governo agora fala a mesma linguagem: o que se trata é 35%. Como vamos ter uma Guanabara limpa com índice zero de tratamento em cidades? O mais importante é estabelecermos metas factíveis, com acompanhamento da sociedade”, disse o secretário do Ambiente licenciado, André Corrêa.
[g1_quote author_name=”André Corrêa” author_description=”secretário do Ambiente licenciado” author_description_format=”%link%” align=”right” size=”s” style=”simple” template=”01″]O governo agora fala a mesma linguagem: o que se trata é 35%. Como vamos ter uma Guanabara limpa com índice zero de tratamento em cidades? O mais importante é estabelecermos metas factíveis, com acompanhamento da sociedade
[/g1_quote]Já a proposta de criação de um novo órgão centralizador das decisões na Baía de Guanabara nasceu polêmica. Como tudo o que a envolve é temperado com paixões, o Centro Integrado de Gestão da Baía de Guanabara (CIG-BG), apresentado pela ONG Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), foi alvo de uma série de críticas por não prever uma participação mais expressiva da sociedade civil na tomada de decisões. A ideia é que a entidade, que ainda deve ser criada por meio de projeto de lei a ser encaminhado à Assembleia Legislativa, seja um fórum articulador entre os diferentes atores que participam do cotidiano da Guanabara. No entanto, o órgão, majoritariamente governamental, não prevê espaço para voto à sociedade civil em suas assembleias. “Não entendi a criação desse órgão. Me parece que estão tentando inventar a roda. É necessário fortalecer os comitês de bacias, promover mais integração entre as entidades”, criticou Izidro Paes Leme Arthou, diretor-geral do Comitê de Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara.
O consultor ambiental Marcio Santa Rosa também fez críticas ao modelo apresentado: “Há uma série de ONGs que trabalham com a baía há 20 anos e precisam ser ouvidas nesse centro integrado. Na modelo adotado na Baía de Chesapeake, a sociedade civil atua diretamente nas tomadas de decisão. Isso precisará ser revisto”.
Obras quase paradas
O que também provavelmente será revisto, mais uma vez, é o cronograma das obras do Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM). A intervenção mais importante do PSAM, a construção de uma Estação de Tratamento e sete elevatórias de esgotos em Alcântara, em São Gonçalo, segue a passos de tartaruga. Orçada em R$ 354,9 milhões, a obra está com 48% de avanço físico – em janeiro de 2017 o #Colabora divulgou índice de 29%. A previsão inicial de inauguração era 2016.
Outra intervenção importante do PSAM é um tronco coletor de esgotos da região da Cidade Nova, no Centro da capital, beneficiando 163 mil pessoas e prevendo a redução de 700 litros de esgoto por segundo lançado na Baía de Guanabara. O trabalho, de R$ 81,4 milhões, consiste na construção de novas redes para levar os esgotos à Estação de Tratamento de Alegria, no Caju. O site do PSAM informa que a obra andou 41%. Há três anos, o então secretário do Ambiente do Rio, Índio da Costa, previa o início de operação do tronco Cidade Nova para outubro de 2015.
Com recursos de US$ 639 milhões, sendo US$ 451,9 milhões de financiamento pelo BID e US$ 187,5 milhões de contrapartida financeira do governo fluminense, o programa corre o risco de ser descontinuado, caso o governo federal, fiador do empréstimo, não entre em acordo com o Estado do Rio sobre a renegociação das dívidas. Consultor do PSAM, Guido Gelli teme a paralisação das obras: “Se isso acontecer será uma tragédia, pois todos os investimentos já feitos serão perdidos. Inclusive a área da ETE Alcântara será abandonada e, certamente, irá se transformar numa favela”.
Como habitante do Rio, acompanho a novela da despoluição da Baia de Guanabara desde a década de 90.
Cada capítulo parece bem repetido ao anterior, tornando a novela um saco, sem emoção, pois sabemos o fim dela: a Baía nunca será despoluída, porque não atacam a causa. Acredito que a principal causa é o fato de termos uma empresa de saneamento totalmente falida e ineficiente, ao ponto que não temos 100% de esgoto coletado e nem tratado no estado todo.
Se resolvermos este grande item da equação de saneamento, já resolvemos 50% do problema de despoluição.
Construir tronco coletor, interligar com ETE Alegria, construir ETEs, nada disso deve ser incumbência do PSAM, e sim da CEDAE! Estamos cobrando de um órgão a responsabilidade que é de outro órgão, que nada faz. A CEDAE só serve de cabide empregos e o estado mal tem caixa para executar o plano de negócios da empresa para o ano.
Se colocarmos cada um “no seu devido quadrado”, aí sim, temos ações a serem tomadas pelo PSAM no âmbito da despoluição da baía, como regular os despejos irregulares de efluentes, clandestinos, por exemplo.
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