Despoluição da Guanabara à deriva

Programa de saneamento de US$ 639 milhões tem execução de só 15% e corre o risco de não ser prorrogado

Por Emanuel Alencar | ODS 6
Publicada em 11 de janeiro de 2017 - 08:00  -  Atualizada em 7 de setembro de 2021 - 16:50
Tempo de leitura: 7 min

Lixo acumulado na Praia do Catalão, próximo ao Parque Tecnológico do Fundão, na Baía de Guanabara: Brasil gera anualmente quase 80 milhões de resíduos sólidos (Foto: Custodio Coimbra/2017)

Em 2021, o então governador do Rio, Sérgio Cabral, assinou, em Montevidéu, um contrato de empréstimo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que dava fôlego às tentativas de avançar na despoluição da Baía de Guanabara. Na ocasião, o estado surfava num momento de bonança financeira e Cabral rasgou elogios ao recém-nascido Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM). Disse tratar-se de “mais uma conquista para a população”, e assegurou que os investimentos “garantiram saneamento básico para mais de um milhão de meio de pessoas”. As cifras chamavam a atenção. Mesmo depois do retumbante fracasso do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) – que terminou em 2006 sem metas cumpridas – o estado ganhava de presente um voto de confiança de US$ 639 milhões, sendo US$ 451,9 milhões de financiamento pelo BID e US$ 187,5 milhões de contrapartida financeira do governo fluminense.

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Estamos negociando para que todas as obras que começaram tenham continuidade. Esperamos bom senso do governo federal

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A dois meses do término do PSAM, o cenário é tão melancólico quanto a situação do caixa do Estado do Rio. Até o momento, foram desembolsados US$ 82,2 milhões do financiamento e US$ 11,5 milhões da contrapartida do Estado, ou seja, apenas 15% do desembolso total, segundo o Ministério da Fazenda. Para piorar, o Tribunal de Justiça (TJ) do Rio determinou, em setembro passado, o arresto de R$ 15 milhões do programa para pagar os salários atrasados dos servidores. Em breve, sairá a decisão mais importante, que pode ser a pá de cal do PSAM: o Grupo Técnico da Comissão de Financiamentos Externos (GTEC/Cofiex), vinculado ao Ministério do Planejamento, decidirá se aceita ou não um aditivo contratual para ampliação de prazo. Mal na foto com seus credores, o Estado do Rio não anda com prestígio, e há sério risco de o programa ser interrompido pela União, a avalista do financiamento.

Remadores na praia da Urca em meio ao lixo característico na região (Foto: Marcelo Piu)

Embora não jogue a toalha oficialmente, o secretário estadual do Ambiente do Rio, André Corrêa, tem demonstrado preocupação com a descontinuidade do PSAM. Irritado, ele tem criticado a leitura do governo federal, de considerar que a liberação de recursos para o programa implicaria aumento da dívida do estado. “Estamos negociando para que todas as obras que começaram tenham continuidade. Esperamos bom senso do governo federal”, disse Corrêa, ao #Colabora.

Há dois anos no cargo, o secretário também enfrenta “fogo amigo” dentro do próprio governo de Luiz Fernando Pezão. Há uma vertente que defende a transferência do comando do PSAM para a Cedae. A estatal, responsável pela água e pelo tratamento do esgoto de 62 cidades no estado, tem planos de criar uma diretoria para cuidar do programa. André Corrêa nega qualquer mudança nesse sentido.

Baía de Guanabara: obra em São Gonçalo avançou 29%

A obra mais importante do PSAM é a construção de uma Estação de Tratamento e sete elevatórias de esgotos em Alcântara, em São Gonçalo. Orçada em R$ 354,9 milhões, a obra está com 29% de avanço físico, segundo o portal do PSAM. Se a intervenção, que começou em janeiro de 2015, for concluída, a Baía de Guanabara se livrará de 1.200 litros de esgoto por segundo. Um benefício direto a 165 mil habitantes de uma região pobre, com muitas ruas de chão batido e violência crescente. Muito pouco para uma cidade que abriga mais de 1 milhão de pessoas. Mas um avanço quase heroico diante do índice quase nulo de tratamento de esgotos atual. A estimativa inicial era de que tudo ficasse pronto em julho deste ano. Agora, os mais otimistas já empurram o prazo para dezembro 2018.

Outra intervenção importante do PSAM é um tronco coletor de esgotos da região da Cidade Nova, no Centro da capital, beneficiando 163 mil pessoas e prevendo a redução de 700 litros de esgoto por segundo lançado na Baía de Guanabara. O trabalho, de R$ 81,4 milhões, consiste na construção de novas redes para levar os esgotos à Estação de Tratamento de Alegria, no Caju. O site do PSAM informa que a obra andou 28% e que deverá ficar pronta em setembro de 2018. Há três anos, o então secretário do Ambiente do Rio, Indio da Costa, era mais otimista ao anunciar a licitação da obra: previa o início de operação do tronco coletor Cidade Nova para outubro de 2015.

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Na Baixada, obra não saiu do papel

Uma terceira frente de obras até hoje não saiu do papel. São intervenções em parte de Duque de Caxias e São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Os dejetos seriam levados à Estação de Tratamento de Pavuna, em Vigário Geral, Zona Norte do Rio. Todo o projeto executivo dessa obra foi concluído – ao custo de R$ 13 milhões – conta o ex-coordenador do PSAM, o engenheiro Gelson Serva, responsável por assinar os contratos em vigor. Gelson, que deixou a chefia do programa em março de 2015, lamenta que as obras não tenham sido contratadas: “Se esse projeto, super detalhado, não for aproveitado em obra, com o tempo ele perde a utilidade, por causa das mudanças do espaço urbano”.

Atrasos, contratempos e execuções pífias têm se tornado uma tônica desde que o primeiro grande programa de despoluição da Baía de Guanabara, o PDBG, foi assinado, em 1994. As obras, que consumiram R$ 2,7 bilhões, começaram um ano depois e terminaram em 2006, com metas descumpridas, estações sem uma mísera gota para tratar e o BID reconhecendo o fracasso. Onze anos depois seu sucessor corre o risco de empacar, enterrando de vez o sonho de uma Guanabara mais limpa. O índice de tratamento de esgotos no entorno da baía é de aproximadamente 30%.

Ex-secretário do Ambiente e atual deputado estadual, Carlos Minc diz esperar que o governo federal ajude o Rio e não interrompa o PSAM. “É uma tristeza. O governo federal devia honrar esse compromisso. Nessa crise fiscal e sanitária, abrir mão de centenas de milhares de dólares do BID é um suicídio ambiental e social”, afirma.

O atual secretário, André Corrêa, garante que está fazendo o que pode. “Quando assumi não tinha nenhuma obra iniciada. Hoje temos duas com todas as faturas pagas. É muito difícil botar um programa desse de pé sem as mesmas falhas do PDBG”,  argumenta. “Mesmo com a crise, o PSAM vai continuar”.

O Ministério do Planejamento aguarda a solicitação da prorrogação do contrato do PSAM, pelo governo do estado, para se manifestar. O pleito entrou em pauta em 21 de dezembro passado no Grupo Técnico da Comissão de Financiamentos Externos (GTEC/Cofiex), mas foi retirado a pedido do Estado do Rio para “ajustes”.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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4 comentários “Despoluição da Guanabara à deriva

  1. Ricardo disse:

    O processo de contratação das empresas é desastroso. Contrata-se uma empresa para uma fase da obra e quase sempre não chega onde deveria chegar por erros de planejamento. Não raro uma fase termina a poucos metros do ponto ideal mas não há continuidade porque envolve milhões,com ou sem roubo.

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