Anyky Lima, militante pelos direitos da população trans, morreu na manhã desta quarta-feira, 14, em Belo Horizonte, vítima de um câncer no intestino, aos 65 anos. Símbolo de resistência, ela foi a terceira entrevistada da série “LGBT+60: Corpos que Resistem”, e deixa um importante legado para os mais jovens na luta contra a LGBTfobia. Vó Anyky, como era chamada pelos amigos, era conhecida pelo acolhimento. Dividia sua pequena casa na capital mineira com outras pessoas LGBT+ que não tinham para onde ir. Considerava-se uma privilegiada por ter passado dos 60 anos, idade que representa quase o dobro da expectativa de vida de transexuais no Brasil, que é de apenas 35.
Em nota, a ABLG (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), lamentou a perda: “Anyky iluminava todos os eventos da militância, suas tiradas nos afagavam e davam leveza a dureza de enfrentar a LGBTIfobia, mas também sabia pontuar muito bem nos momentos certos e nos ensinava com sua longa trajetória militante e de vida. Profissional do sexo, enfrentou a ditadura, a epidemia do HIV/AIDS, acompanhou diversas perdas de manas assassinadas e acolheu centenas de nós”.
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Pelas redes sociais, a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) também se manifestou: “Travesti orgulhosa de si, deixou um legado para as novas gerações e um exemplo de que a luta vale a pena. E que lutar é uma necessidade vital para a constituição de novas formas de ser e existir em uma sociedade tão violenta contra nossos corpos”.
Tinha apenas 12 anos quando foi obrigada a deixar o conforto de sua casa para encarar a realidade das ruas. Desde nova, gritava por todos os cantos que não era um menino, e sim, uma menina. Usava batom, brincos e deixava o cabelo crescer. Para os pais, nascidos no interior de Pernambuco, o comportamento de Anyky era inaceitável.
[g1_quote author_name=”Anyky” author_description=”Militante pela comunidade LGBT+” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Policiais me tiravam da cela de madrugada para ter relação sexual comigo, enquanto batiam em uma travesti negra só pelo prazer
[/g1_quote]Expulsa de casa, dormiu cerca de três dias nas calçadas do Rio. Conseguiu viajar para Vitória, no Espírito Santo – onde ficou por oito anos – e lá começou a vida como garota de programa. Profissão que iria ter até os 50. Anyky lutou e resistiu contra a ditadura. Presa dezenas de vezes disse que só não apanhou mais porque era branca. “Policiais me tiravam da cela de madrugada para ter relação sexual comigo, enquanto batiam em uma travesti negra só pelo prazer”, relembra.
Com dificuldades para dormir por causa das dores do corpo – resultado de anos aplicando hormônios em excesso – Anyky quase não saia de casa. Relatou ao #Colabora que tinha trauma da noite. “Se você não tiver medo, você não sobrevive”. Para fugir da depressão, cultivava um forte apego aos seus animais de estimação e gostava de passar o tempo costurando.
Sobre envelhecer sendo trans, ela lamentava a falta de respeito. “Quando você passa dos 40, você começa a ser chamada de maricona. A gente vive da beleza. Mas enquanto eu respirar, vou continuar na luta”. E continuou.
Nos documentos, Anyky Gonçalves de Lima passou a existir somente aos 60 anos, quando conseguiu retificar o nome de nascimento no RG após meses de burocracia. “A trans e a travesti são militantes desde quando se assumem. Elas militam quando vão à padaria, ao botequim. Quando elas mostram a cara e ocupam esses espaços, elas estão militando”.
LGBT+60: CORPOS QUE RESISTEM
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