Uma corrida no Homo Driver e o porquê de um app de transporte para LGBT+

Apenas uma viagem feita pelo #Colabora, em Belo Horizonte, foi suficiente para mostrar os riscos que a comunidade corre - ao volante e como cliente - por causa da intolerância

Por Yuri Alves Fernandes | ODS 11ODS 5 • Publicada em 13 de fevereiro de 2019 - 08:26 • Atualizada em 14 de fevereiro de 2019 - 16:59

Uma corrida no Homo Driver e o porquê de um app de transporte para LGBT+
Motorista Renan Gonçalves já foi agredido por passageiro do Uber e hoje comemora viagens tranquilas pelo Homo Driver (Foto: Yuri Fernandes)

Renan Gonçalves, de 24 anos, viu nos aplicativos de mobilidade uma fonte de renda e tornou-se motorista do Uber há dois anos. Pela capital paulista atendeu clientes dos mais variados tipos. Mas um em especial o marcou, negativamente. Em meados de abril do ano passado, após um erro de rota da plataforma – resolvido em seguida – Renan, que é homossexual, foi agredido: “Bicha”, “viado”, gritava o cliente. “Depois levei um tapa bem forte no ombro. Fiquei sem reação. Deixei ele no caminho, acelerei o carro e reportei à empresa”. Meses depois, Renan e o marido se mudaram para Belo Horizonte. A chegada do paulistano em Minas coincidiu com o surgimento de um novo app de transporte voltado para a comunidade LGBT+ na cidade: o Homo Driver. Há dois meses como motorista, Renan hoje é um dos mais bem avaliados e, em apenas uma corrida, ilustrou para a equipe do #Colabora por que o Brasil ainda precisa adequar certos serviços para a população que não se enquadra no padrão cis-heteronormativo.

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Sabe aquela sensação de entrar em um carro quando você está com alguém e não saber sobre o que pode falar, como agir? Acontece sempre com a gente

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“Nascemos para dar voz oportunidades e valorizar a comunidade ao volante”, diz o site da primeira startup brasileira de transporte com foco no público LGBT+. A empresa foi criada pelos mineiros Thiago Vilas Boas e Gerson Almeida após um MBA em Gestão de Negócios. O serviço foi lançado na segunda metade de dezembro e, segundo Thiago, já são 600 motoristas rodando pela cidade e mais de 10 mil downloads feitos por passageiros. “Percebemos, por meio de pesquisas e conversas com representantes da comunidade, que as pessoas não se sentiam seguras em utilizar os outros transportes privados. Não tinham a liberdade de ser quem realmente são. Não somos concorrentes, somos um outro tipo de serviço, mais personalizado”, explica Thiago, de 30 anos.

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Debate sobre segregação

Desde que ganhou as ruas belo-horizontinas e as manchetes de diversos portais, uma das perguntas a que Thiago mais responde é se, em tempos em que se discute tanto sobre igualdade, um aplicativo como esse não seria uma forma de segregação. A resposta ele já tem na ponta da língua e, claro, na memória. “Basta ver a quantidade de notícias de homotransfobia em serviços similares para entender o quanto é válido. Casais homossexuais que são impedidos de entrar ou se beijar em carros, que são expulsos ou agredidos verbalmente. Em um cenário político cada vez mais conservador, muitas atitudes precisam surgir da iniciativa privada”, compartilha o empresário. Para endossar seu discurso, ele lembra o caso da cantora Linn da Quebrada, que em agosto do ano passado foi impedida de entrar em um Uber por ser travesti.

Quem também passou por uma experiência de intolerância parecida foi Alan Amaral, arquiteto de 25 anos. Morador do Rio de Janeiro, ele aguarda que o aplicativo seja lançado na cidade. A expectativa é que ainda no primeiro semestre a plataforma chegue à capital fluminense. O jovem voltava de uma festa em julho do ano passado, no bairro Santa Teresa, e ao dar um beijo no amigo dentro de um Uber foi expulso juntamente com o garoto.

Alan, de 25 anos, foi expulso por um motorista de Uber após beijo em amigo (Foto: Reprodução/Facebook)

“‘Beijo no meu carro não, podem sair’, falou o motorista, que já estava olhando pra gente de forma estranha desde o começo. Ficamos no meio do nada. Sabe aquela sensação de entrar em um carro quando você está com alguém e não saber sobre o que pode falar, como agir? Acontece sempre com a gente. É triste saber que esse novo aplicativo teve que ser criado, mas é muito importante para nossa segurança. É o céu”, acredita Alan.

LGBT+ em risco?

Enquanto Alan espera para usufruir do atendimento, o mineiro Dinelli Felix, de 27 anos, já usou por duas vezes o Homo Driver. Dinelli afirma ter achado interessante a possibilidade de ter mais segurança. Porém, achou curioso o fato de nem todos os motoristas serem LGBT+. “Nas conversas com eles, falando sobre o aplicativo e coisas comuns do dia a dia, vi que eram homens heterossexuais, mas que tinham muito respeito com nossa comunidade”, relata. Segundo Thiago Vilas Boas, o sócio fundador, embora o app seja voltado para a comunidade, isso não impede que motoristas e passageiros que não se identificam como LGBT+ baixem e usem o serviço. Ele conta que muitas mulheres heterossexuais procuram a empresa por conta do assédio que sofrem em outros aplicativos do mercado. Com essa seleção de forma natural, nas redes sociais muitos usuários temem que pessoas usem a plataforma com intenção dolosa.

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É uma iniciativa que deve ser incentivada e consumida para que nosso dinheiro circule entre nós e para que nossa comunidade se fortaleça cada vez mais

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“Todos os nossos motoristas recebem um treinamento virtual sobre as situações que podem encontrar durante as viagens, os tipos de passageiros e como devem lidar com a diversidade. São avaliados todos os dados, documentos e informações por nossa equipe, e treinados os motoristas para conhecerem e entenderem nossa política de privacidade. Temos também um rigoroso controle de avaliação ao final das viagens, para punição ou exclusão da plataforma se existir alguma ação discriminatória e ou homofóbica”, defende.

Diversidade ao volante

A equipe do app, que conta com cerca de 10 empregados diretos, é presença confirmada em diversos eventos voltados para a comunidade em BH, como o “TransViva”, festival que ocorreu em janeiro deste ano. De acordo com o empresário, 10% dos motoristas que atuam no Homo Driver são pessoas transgêneras que enxergaram no Homo Driver uma forma de acolhimento em meio ao mercado de trabalho excludente. “É mais que um negócio, é um projeto social”, define Thiago.

Motoristas do Homo Driver recebem treinamento sobre diversidade e passam por avaliação ao final da viagem (Foto: Yuri Fernandes)

Para Bruna Benevides, secretária de Articulação Política da Antra, Associação Nacional de Travestis e Transexuais, o projeto engloba questões simbólicas importantes para a transformação social e a consciência de classe. “Esta é uma das principais premissas do movimento trans quando lutamos por políticas públicas: a geração de emprego e renda a partir de oportunidades diferentes daquela que é a única destinação que temos, que é a prostituição. Portanto, é uma iniciativa que deve ser incentivada e consumida para que nosso dinheiro circule entre nós e para que nossa comunidade se fortaleça cada vez mais”. 

Por conta da procura ainda modesta, o motorista Renan, do início da reportagem, também precisa dirigir por outros aplicativos. Mas, torce para que consiga, com o passar do tempo, se manter financeiramente somente com o Homo Driver. “A diferença é total quando você sabe que o passageiro nos respeita e vice-versa. Aqui não tive nenhum problema. E ainda posso escutar as minhas músicas sem me preocupar, Pabllo Vittar, Britney Spears e por aí vai. Ninguém reclama”, brinca Renan durante o trajeto percorrido com o #Colabora até a Igreja São Francisco de Assis, um dos pontos turísticos de Belo Horizonte: “Meu marido fica muito mais tranquilo”.  

Com o crescimento do número de usuários, Renan pretende dirigir apenas pelo Homo Driver (Foto: Yuri Fernandes)

Mencionada na reportagem, a Uber, em nota, afirmou que tem uma política de tolerância zero a qualquer forma de discriminação em viagens realizadas pela plataforma: “O comportamento que configure uma violação aos termos de uso da plataforma, quando confirmado, leva à exclusão do aplicativo. A empresa se orgulha em oferecer opções de mobilidade eficientes e acessíveis para todos – ao mesmo tempo em que oferece também uma oportunidade de geração de renda democrática, independente de credo, etnia, orientação sexual ou identidade de gênero (sendo a primeira empresa de ridesharing que permite nome social na plataforma). A Uber defende o respeito à diversidade e reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e justiça para todas as pessoas que se declaram LGBTQIA+”.

Yuri Alves Fernandes

Jornalista e roteirista do #Colabora especializado em pautas sobre Diversidade. Autor da série “LGBT+60: Corpos que Resistem”, vencedora do Prêmio Longevidade Bradesco e do Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade LGBT+. Fez parte da equipe ganhadora do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, com a série “Sem direitos: o rosto da exclusão social no Brasil”. É coordenador de jornalismo do Canal Reload e diretor do podcast "DáUmReload", da Amazon Music. Já passou pelas redações do EGO, Bom Dia Brasil e do Fantástico. Por meio da comunicação humanizada, busca ecoar vozes de minorias sociais, sobretudo, da comunidade LGBT+.

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Um comentário em “Uma corrida no Homo Driver e o porquê de um app de transporte para LGBT+

  1. Observador disse:

    A questão nesse caso, me parece ser mais a Terceirização do que a “Homofobia em si”! Numa ponta, um tipo de contratado que trabalha muitas vezes por 10 horas/dia ou a noite (complementando o baixo salário de outra atividade)! Noutra ponta, um consenso que há que somos os mais escolarizados e por isso com melhor remuneração! Mas quando o taxista é proprietário da placa ou acerta uma diária, digamos, a preço justo Sem ser percentual, com o proprietário, são bem gentis, pelo menos aqui em SC! Há 8 meses, como disse noutra postagem, tenho romance com homem maduro/coroa feito eu, começamos em relação passageiro e taxista, fomos ficando amigos, ele se tornando “exclusivo” a me fazer as corridas e, somos cisgeneros! Se no meio gay, há curiosos em saber quem penetra (ativo), entre cisgeneros então a curiosidade é maior e, sem pudor digo que por vontade mutua, sou penetrado e Não por reproduzir o heteronormativo!

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