Os furacões e o machismo

Estudo mostra que população se previne mais quando tornados têm nome masculino

Por Adriana Barsotti | ODS 15ODS 5 • Publicada em 24 de setembro de 2017 - 09:18 • Atualizada em 24 de setembro de 2017 - 13:46

Casas desabadas pelo furacão Maria, em Porto Rico/ Foto: Hector Retamal/AFP
Casas desabadas pelo furacão Maria, em Porto Rico/ Foto: Hector Retamal/AFP

Até a década de 1970, furacões tinham apenas nomes femininos. Meteorologistas achavam-nos apropriados pois os fenômenos eram associados à “imprevisibilidade das mulheres”, numa época em que o movimento feminista ainda ganhava corpo. Para acabar com o sexismo, a Organização Meteorológica Mundial passou a incluir também nomes masculinos nas listas. Desde então, há um equilíbrio entre os dois gêneros na nomenclatura das catástrofes. Entretanto, batizar furacões com nomes masculinos revelou-se apenas uma medida paliativa. Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Illinois demonstrou que os furacões com nomes femininos têm sido três vezes mais letais que os masculinos. A razão? A população tenderia a levá-los menos a sério e, portanto, se preveniria menos diante da passagem de Marias, Virginies, Danielles ou Fionas, por exemplo.

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Os formuladores de políticas públicas, advertem os cientistas, deveriam cogitar  considerar um novo sistema de nomeação de furacões para reduzir a influência do viés de gênero nas avaliações de risco da população. O curioso é que, antes da utilização dos nomes humanos, os furacões já foram batizados com nomes de santos. O mais mortífero da história foi o São Calisto II, em 1780, que deixou mais de 27 mil mortos.

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Os resultados da pesquisa foram revelados na revista  Proceedings of the National Academy of Sciences, publicação oficial da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, em junho de 2014. Durante o período de 1950 a 2012, os furacões com nomes femininos mataram, em média, 41 pessoas. Já os batizados com nomes masculinos apresentaram uma taxa média de 15 mortes. Até aí, poderia ter sido mera coincidência. Mas os cientistas Kiju Jung, Sharon Shavitt, Madhu Viswannathan e Joseph Hilbe, que conduziram os estudos, comprovaram que a população julga os riscos de um furacão com base nos estereótipos de gênero. Assim, os furacões com nomes femininos seriam mais frágeis e os masculinos, mais potentes, intensos e perigosos.

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Inundação em New Orleans, provocada pelo Katrina/ Foto: U.S. Coast Guard

Ao todo, os cientistas conduziram seis pesquisas com 1.079 participantes no total. Na primeira delas, eles apresentaram 10 nomes  de furacões previstos pela lista da Organização Meteorológica Mundial (OMM) para acontecerem em 2014 – cinco com nomes de mulher e cinco com nomes de homem. As listas dos furacões de cada ano são organizadas em ordem alfabética, alternando nomes masculinos e femininos. Elas são repetidas de seis em seis anos. Apenas quando os furacões são excepcionalmente devastadores, seus nomes são retirados da lista. Não haverá, por exemplo, um novo furacão Katrina, que deixou 1.833 mortos em 2005. Nesta primeira rodada do estudo, os 346 participantes previram que os furacões com nomes de homens seriam os mais intensos, tanto entre os pesquisados do sexo masculino quanto do feminino.

Na segunda rodada, 108 participantes foram confrontados com os furacões Alexandre, Alexandra e simplesmente Furacão. As respostas classificaram Alexandra e Furacão como os menos perigosos. Nas terceiras e quarta rodadas, os cientistas pretenderam verificar se os gêneros dos nomes dos furacões interfeririam no cumprimento da ordem de evacuação da região. Novamente, os 242 pesquisados ouvidos nessas duas etapas seguiriam mais a ordem de evacuação nos casos dos furacões Christopher e Danny do que de Christina e Kate. Na quinta e sexta rodadas, os cientistas, preocupados em afastar possíveis distorções na pesquisa, quiseram testar se as respostas sobre a intensidade e riscos dos furacões teriam a ver com a popularidade dos nomes, e não com o gênero. Testaram então nomes mais populares e menos populares, chegando à mesma conclusão. Não importa o nível de conhecimento sobre os nomes, os pesquisados temeram mais os efeitos dos furacões batizados com nomes masculinos.

Ilustração do furacão São Calisto II: santos também já foram usados em nomenclatura/ Reprodução: Hyom History

Em média, os furacões matam 200 pessoas por ano nos EUA. Como o aquecimento global tende a aumentar a incidência do fenômeno, os pesquisadores alertam sobre a necessidade de mudanças no sistema de nomeação dos furacões. Na origem, o uso de nomes humanos – em vez de termos técnicos ou números – teve o objetivo de evitar confusão e facilitar a comunicação na divulgação de alertas para a população. “Embora o uso de nomes humanos para furacões tenha sido pensado por meteorologistas para melhorar a clareza e o recall da informação sobre os fenômenos, esta prática também abrange estereótipos de gênero muito arraigados, com conseqüências imprevistas e potencialmente mortais”, alertam os pesquisadores.

Os formuladores de políticas públicas, advertem os cientistas, deveriam cogitar  considerar um novo sistema de nomeação de furacões para reduzir a influência do viés de gênero nas avaliações de risco da população. O curioso é que, antes da utilização dos nomes humanos, os furacões já foram batizados com nomes de santos. O mais mortífero da história foi o São Calisto II, em 1780, que deixou mais de 27 mil mortos.

Vale lembrar que não é apenas a questão de gênero que deve preocupar. Um furação que atinge os EUA é percebido como menos traumático do que se fosse no Haiti, por exemplo. No caso, devido à enome desigualdade entre a capacidade de os dois países se reerguerem.

Adriana Barsotti

É jornalista com experiência nas redações de O Estado de S.Paulo, IstoÉ e O Globo, onde ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a série de reportagens “A história secreta da Guerrilha do Araguaia”. Pelo #Colabora, foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog, em 2019, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", em um pool jornalístico com a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo. Professora Adjunta do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs), na Universidade Federal Fluminense (UFF), é autora dos livros “Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência” e "Uma história da primeira página: do grito no papel ao silêncio no jornalismo em rede". É colaboradora no #Colabora e acredita (muito!) no futuro da profissão.

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