Eleições 2024: mulheres candidatas recebem 68,2% dos comentários ofensivos no 2º turno

Apesar de serem apenas 15%, candidatas foram alvo de maioria dos ataques após debates nas redes sociais, repetindo padrão de toda a campanha eleitoral

Por Revista AzMina | ODS 5 • Publicada em 25 de outubro de 2024 - 15:45 • Atualizada em 28 de outubro de 2024 - 09:59

Mulheres são 15% das candidatas no 2º turno, mas recebem 68,2% dos comentários ofensivos nas redes sociais após debates (Arte: AzMina)

(Ana Luiza Araújo e Gabi Coelho*) – O 2º turno das eleições 2024, talvez as mais violentas dos últimos tempos, está na reta final. As mulheres que seguem na disputa enfrentam a tensão política de forma diferente, desafiadas pela violência de gênero que marcou toda a campanha deste ano. As que superaram o 1º turno continuam sendo alvo de insultos e ataques misóginos que vão além da crítica profissional, expondo o ódio contra as mulheres que permeia as redes sociais.

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A jornada eleitoral de algumas dessas candidaturas foi acompanhada mais uma vez pelo MonitorA – observatório de violência política de gênero online do Instituto AzMina, InternetLab, Núcleo Jornalismo e Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (LABHD-UFBA) -, que em 2024 analisou comentários feitos em transmissões de debates no YouTube por todo o Brasil. Nesta terceira etapa, foram coletados 6.673 comentários potencialmente ofensivos, 56,8% direcionados a mulheres candidatas, e 23% aos candidatos homens. Do total de interações confirmadas como ofensivas a candidaturas, 68,2% se dirigem a mulheres, e 31,7% a homens.

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As candidatas são alvo de ataques diretos e violentos com mais que o triplo de frequência, representando 22,1% dos comentários ofensivos, enquanto apenas 6,3% são direcionados aos homens. O restante é dividido entre ofensas a eleitores, jornalistas dos dois gêneros, homens e mulheres não candidatos, grupos políticos, veículos de mídia e destinatários não identificados. A pesquisa concluiu que, sem recorte de gênero, 67% dos comentários nos debates analisados foram ofensivos, entre insultos e ataques.

A cada edição, o MonitorA classifica milhares de conteúdos ofensivos dirigidos a candidatas em redes sociais, e diferencia o que é insulto ou ataque. Os insultos são expressões desagradáveis, mas considerados parte do jogo político. Já os ataques, que podem ser misoginia, racismo, transfobia, assédio e incitação à violência, entre outros, tem recomendação de exclusão das redes.

Treze cidades brasileiras, sete capitais, têm mulheres disputando a prefeitura no 2º turno. O MonitorA coletou dados de transmissões de debates no YouTube em cinco capitais: Curitiba, Campo Grande, Porto Alegre, Natal e Porto Velho, com participação de Cristina Graeml (PMB-PR) e Eduardo Pimentel (PSD-PR), Adriane Lopes (PP-MS) e Rose Modesto (União-MS), Maria do Rosário (PT-RS) e Sebastião Melo (MDB-RS), Natália Bonavides (PT-RN) e Paulinho Freire (União-RN), e Mariana Carvalho (União-RO) e Léo Moraes (Podemos-RO). A candidata Emília Correa (PL-SE) desistiu do debate em Aracaju. O debate de Palmas só acontecerá hoje (25/10) à noite.

Nas cidades de regiões metropolitanas e do interior com mulheres na disputa, analisamos apenas Londrina, com a candidata Professora Maria Tereza (PP-PR) enfrentando Tiago Amaral (PSD-PR). Os debates de Olinda (PE), Ponta Grossa (PR) e Santos (SP) aconteceram após o fechamento dessa reportagem.

Candidatas mulheres são principais alvos de ataques (Arte: AZMina)
Candidatas mulheres são principais alvos de ataques (Arte: AZMina)

Quando o gênero é motivo de ataque

No YouTube, termos como “mentirosa”, “louca”, “despreparada” e “fraca” são frequentemente usados para as candidatas. A palavra mais frequente em comentários ofensivos às mulheres, candidatas ou não, é “mulher” (961). O termo “homem” aparece apenas 222 vezes em comentários ofensivos. Eles são mais ofendidos com a expressão “esquerdista” (294), mostrando que, nesses casos, a conversa gira em torno da ideologia política, e não do gênero.

Os dados também mostraram que a inferiorização está em 36,2% dos ataques a mulheres, seguida por misoginia, com 36,1%. Entre os homens, os ataques mais frequentes são de etarismo (34%), inferiorização (24,3%) e homofobia (23,1%). No entanto, muitos ataques classificados como homofobia não eram direcionados a candidatos gays, mas questionavam sua masculinidade a partir de estereótipos de gênero, usando a homossexualidade para desqualificá-los.

O ódio e a violência dão muito mais lucro que postagens positivas. Não só misoginia, racismo, transfobia e homofobia, mas tudo que tem grande potencial de escalabilidade

Carolina Parreiras
Pesquisadora do departamento de Antropologia e integrante do Laboratório Etnográfico de Estudos Tecnológicos e Digitais (LETEC) na Universidade de São Paulo (USP)

Carolina Parreiras, pesquisadora do departamento de Antropologia e membro do Laboratório Etnográfico de Estudos Tecnológicos e Digitais (LETEC) na Universidade de São Paulo (USP), defende que a internet se tornou um ambiente propício à misoginia e ao machismo, por acelerar a circulação desses conteúdos. “O gênero passa a ser um marcador muito importante para entender essas questões”.

Sua posição é corroborada por achados do MonitorA 2022. Ao analisar perfis de candidatos homens, a pesquisa identificou ofensas a partir de marcadores sociais como orientação sexual e raça. “Diferentemente das mulheres, eles não foram atacados por serem homens, mas por pertencerem a grupos historicamente marginalizados”, aponta Catharina Vilela, pesquisadora do InternetLab.

Curitiba foi a cidade com maior participação da audiência, com 2.584 comentários no embate entre Cristina Graeml (PMB-PR) e Eduardo Pimentel (PSD). A candidata – que é filiada ao Partido da Mulher Brasileira, mas não traz a palavra mulher em seu plano de governo -, vem sendo considerada ‘azarona’ na capital paranaense, com uma campanha apoiada no extremismo de direita, é aliada de Jair Bolsonaro (PL) e apoiada por Pablo Marçal (PRB-SP).

Em seguida, aparecem Campo Grande (1892), Natal (1349), Londrina (790), Porto Alegre (35) e Porto Velho (23). Com exceção da capital de Rondônia, todas as cidades analisadas tiveram mais de 60% de comentários ofensivos (somando insultos e ataques).

O caso de Campo Grande

Candidata à reeleição em Campo Grande, Adriane Lopes (PP-MS), foi chamada de “lixo”, “imunda”, “capacho de marido”, “bandida desgraçada” e mais. Sua oponente, Rose Modesto (União-MS), foi descrita pela audiência como “cara de louca”, “feia”, “fraca”, “horrível”, entre outros.

Estou recebendo ataques apenas pelo fato de ser mulher. São ataques machistas, como os que dizem que ‘não raspo sovaco’, junto de ataques criminosos que chegam ao ponto de incentivarem minha morte

Natália Bonavides
Deputada federal (PT-RN) e candidata a prefeita de Natal

O debate de Campo Grande foi o único entre duas mulheres, e o mais violento em comentários da audiência do YouTube. Luciane Belin, pesquisadora em gênero e misoginia em plataformas digitais no NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), relata evidências científicas de que mulheres na política recebem mais ataques digitais que seus colegas, com questionamentos sobre sua capacidade pública e ataques pessoais, “com xingamentos de teor sexual ou sobre aparência física e ofensas à família”.

A pesquisadora cita ainda o Censo das Prefeitas Brasileiras de 2020, que mostrou que homens comandam quase 90% dos municípios do país. “O dado ilustra como, longe dos grandes centros, há uma tendência à perpetuação da divisão sexual da sociedade, com homens à frente da esfera pública e mulheres responsáveis pela vida doméstica”. No 1º turno desse ano, o Brasil elegeu 4.744 prefeitos e 723 prefeitas. Elas são agora 14%, contra os 10% de 2020.

Ódio e violência dão mais lucro

A popularidade em Curitiba não livrou Cristina Graeml (PMB-PR) das ofensas da audiência. Durante o debate na TV Band, ela foi alvo de 446 ataques e 326 insultos, com frases como “bruxa Cristina tenebrosa”, “Cris louca”, “Coitada da Cristóxica”, “mandar (sic) essa mulher calar a boca” e “Chupa Cris”, entre outras. A candidata não respondeu nossos pedidos para comentar a questão.

Carolina Parreiras, do LETEC/USP, concorda, mas não acredita que o gênero explica tudo, chamando a atenção para a lógica algorítmica das plataformas digitais. Essa ‘nova economia’ tem a produção e captação de dados como moeda, mas esse processo não é neutro nem visível; tudo é rastreado e vigiado com ‘tecnologias opacas’. “O ódio e a violência dão muito mais lucro que postagens positivas. Não só misoginia, racismo, transfobia e homofobia, mas tudo que tem grande potencial de escalabilidade”, afirma.

“Estou recebendo ataques apenas pelo fato de ser mulher. São ataques machistas, como os que dizem que ‘não raspo sovaco’, junto de ataques criminosos que chegam ao ponto de incentivarem minha morte”, revela Natália Bonavides (PT-RN), deputada federal e atual candidata à prefeitura de Natal. Sua sua equipe jurídica monitora os ataques, denuncia à polícia e aciona a Justiça para derrubá-los, estratégia fora do alcance de muitas candidatas.

Bluesky: nova rede social, os mesmos comentários ofensivos (Arte: AzMina)

Hostilidade no Bluesky

A partir de um levantamento da SimilarWeb, o cientista de dados Henrique Xavier verificou que os acessos ao X (antigo Twitter) no Brasil caíram 81% após o bloqueio determinado pelo Superior Tribunal Federal (STF) em setembro de 2024, contra 11% no resto do mundo. Já a rede social Bluesky, uma das principais concorrentes do X, passou de 747 mil acessos no Brasil em julho para 48 milhões em setembro de 2024. Um aumento de mais de 6000%. No resto do mundo, a Bluesky cresceu 31% no mesmo período.

A migração em massa de usuários do Twitter para o Bluesky gerou dúvidas sobre a capacidade da plataforma emergente para acomodar tantos novos usuários durante as eleições. A moderação de conteúdo seria suficiente para conter o ódio? A equipe do MonitorA analisou 1.206 comentários potencialmente ofensivos, com dados coletados pelo LABHD-UFBA, e encontrou um cenário de hostilidade. A amostra tinha respostas a posts de 27 candidatas e candidatos no Bluesky, a maioria de partidos de Centro e Esquerda.

Os dados mostram que 27% dos ataques foram contra mulheres candidatas, e 15% a candidatos homens. Sem recorte de gênero, os comentários considerados insultos somaram 33,2%. Termos como “burra”, “canalha” e “incompetente”, e comentários sexistas, como “gostosa” e “vadia”, mostram que a retaliação à ascensão das mulheres na política que extrapola os ambientes conservadores.

A análise mostrou que 18,16% dos ataques direcionados a candidatas foram de ofensa moral e descrédito intelectual. Para Fernanda K. Martins, diretora de pesquisa do InternetLab e pesquisadora do MonitorA, “o crescimento de usuários no Bluesky Brasil nos leva a questionar que tipo de futuro a rede social pode ter, e a pensar em saídas para conter a ‘twitterização’ do Bluesky”. Ela defende que a redução da violência política de gênero ‘só será possível com um olhar permanente para candidaturas e figuras políticas, mesmo depois das eleições’”.

Segundo a cientista social e pesquisadora do LABHD-UFBA especializada em discurso de ódio Juciane Pereira de Jesus, o futuro da rede dependerá dos interesses do CEO da plataforma, Jay Graber. “Para que o Bluesky não se transforme em um ‘Twitter 2.0’ a esperança maior está no surgimento de algum tipo de regulação jurídica e política que constranja não só o Bluesky, mas todas as plataformas a respeitarem os preceitos democráticos da lei”.

Na opinião de Maíra Recchia, do Observatório Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), a legislação brasileira atual não atende à realidade de violência de gênero na política. Ela entende que a Lei de Violência Política contra a Mulher é um avanço a celebrar, porque protege candidatas e detentoras de mandato, mas lembra que outras lideranças políticas atingidas não estão protegidas. “Assim como acontece na Lei Maria da Penha, precisamos de medidas protetivas de urgência, para cessar imediatamente a violência”, reivindica, explicando que muitos processos se estendem por meses e até anos, sem que haja responsabilização dos agressores.

A Lei de Violência Política Contra a Mulher aumenta a pena de crimes online, mas não especifica práticas digitais. Mesmo assim, A cientista política Beatriz Sanchez, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e da Rede de Pesquisas em Feminismos e Política, afirma que a norma é importante por nomear o problema, evitando a normalização da violência. “A gente tem que falar. Não podemos promover a cultura do silenciamento”, diz, ressalvando que, no cenário atual, “nem sempre é vantajoso que as mulheres façam a denúncia”.

*Ana Carolina Araújo, gerente de projetos de jornalismo e de dados de AzMina, é jornalista e mestra em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia; Gabi Coelho é jornalista, empreendedora, diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e conselheira da Inova.aê

Revista AzMina

Revista AzMina: Tecnologia e informação contra o machismo e pela igualdade de gênero, com recortes de raça e classe. Jornalismo independente para combater os diversos tipos de violência que atingem mulheres cis e trans, homens trans e pessoas não-binárias

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