Com mais prisões de agressores, Espírito Santo registra queda de feminicídios

Para procurador, desprezo às mulheres se dá pelo 'machismo estrutural e institucional' que domina o estado

Por Liana Melo | ODS 5 • Publicada em 8 de março de 2021 - 08:00 • Atualizada em 20 de setembro de 2021 - 17:24

Arte de Carolina Herrera

Arte de Carolina Herrera

Para procurador, desprezo às mulheres se dá pelo 'machismo estrutural e institucional' que domina o estado

Por Liana Melo | ODS 5 • Publicada em 8 de março de 2021 - 08:00 • Atualizada em 20 de setembro de 2021 - 17:24

Luana Demonier estava a 200 metros de casa quando foi assassinada a facadas pelo ex-namorado. A jovem, de 25 anos, voltava do trabalho quando foi surpreendida por Rodrigo Pires Rosa. Depois de mandar uma mensagem avisando que ia matá-la, ele a esperou no ponto de ônibus, saiu caminhando ao seu lado e, quando a rua ficou vazia, pegou a arma escondida sob a roupa e desferiu os golpes. A cena foi gravada por uma câmara de segurança de Vila Capixaba, bairro de Cariacica, na região Metropolitana de Vitória, Espírito Santo. Rodrigo confessou o crime e está preso.

Luana possuía Medida Protetiva contra Rodrigo, que era alvo de investigação por outros crimes relacionados à violência contra a mulher desde 2014. Durante o ano passado, a técnica em segurança do trabalho sofreu ameaças e foi alvo de perseguição depois de terminar um namoro de dois anos. Seu pesadelo começou depois de março, quando teve início a pandemia no Brasil.

Leu essas? Confira as outras reportagens da série “Um vírus e duas guerras”

Luana Demonier, de 25 anos, foi morta pelo ex-namorado, Rodrigo Pires Rosa (Foto: Arquivo pessoal Luana Demonier)

No dia do crime, uma patrulha da Polícia Militar (PM) esperava Luana na porta de sua casa. É que ela havia avisado sobre a mensagem que recebera do ex-namorado. A jovem morreu no início de fevereiro deste ano vítima de um crime de ódio – ódio contra a mulher. Mas foi no primeiro ano da pandemia que ela entrou para as estatísticas oficiais da violência doméstica contra a mulher no estado. Luana virou mais um dos números da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo.

Arte de Fernando Alvarus

Se, por um lado, os números mostram uma queda de 21% no total de crimes de feminicídio praticados no Espírito Santo durante o ano de 2020; por outro, registrou-se um aumento do número de homens presos em flagrante pela Lei Maria da Penha. A Secretaria de Segurança Pública encarcerou 1.665 homens suspeitos de praticarem violência doméstica contra a mulher. Em 2019, o número foi ligeiramente menor: 1.289. Foram instaurados 6.244 inquéritos policiais, dos quais 6.138 concluídos. Um total de 8.030 Medidas Protetivas de Urgência foram solicitadas à Justiça, entre elas a de Luana.

Com três casos de feminicídio ocorrendo por dia durante a pandemia, o Espírito Santo ficou entre os dez estados que registraram queda no número de mortes de mulheres no período de março a dezembro de 2020. A divulgação do terceiro balanço da série de reportagens Um vírus e duas guerras, incluiu dados de 25 estados, onde vivem 94% da população feminina brasileira.

O total de feminicídios no Brasil durante a pandemia somou 1.005 casos, uma queda de 3% em relação ao mesmo período de 2019, quando 1.031 foram assassinadas pelo simples fato de serem mulheres. A cada sete horas uma mulher foi morta vítima de feminicídio. O levantamento é uma parceria colaborativa entre as mídias independentes Amazônia RealAzmina, #Colabora, Eco Nordeste, Marco Zero Conteúdo, Ponte Jornalismo e Portal Catarinas.

A partir de março, quando teve início o período de isolamento social, até dezembro, morreram 21 mulheres no Espírito Santo. Abril foi o único mês em que o estado não registrou nenhum caso de feminicídio. Durante todo o ano, 27 mulheres foram vítimas de feminicídio contra 34 no ano anterior.

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Pelo que acompanhamos em outros estados, houve um aumento da violência e morte de mulheres. O Espírito Santo caminhou no sentido contrário

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“Pelo que acompanhamos em outros estados, houve um aumento da violência e morte de mulheres. O Espírito Santo caminhou no sentido contrário”, analisa Michelle Meira, da gerência de Proteção à Mulher da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo (Sesp). Para a delegada, o trabalho repressivo e preventivo foi crucial para melhorar a estatística de feminicídio do estado.

Arte de Fernando Alvarus

Das 26 mulheres mortas, 23% delas tinham entre 25, a idade de Luana, e 29 anos. Em 35% dos crimes de feminicídio praticados no ano passado no Espírito Santo, o autor era o ex-namorado, como é o caso de Rodrigo. A faca usada para matar a jovem esteve entre as diferentes armas brancas que responderam por 52% dos assassinatos no estado.

Arte de Fernando Alvarus

André de Albuquerquer Garcia, procurador do estado, está convencido de que “o desprezo à condição da mulher no Espírito Santo” está na base do “machismo estrutural e institucional” que domina o estado, localizado geograficamente numa zona de transição entre Nordeste e Sudeste,

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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