Todos os anos, estudantes participam de competições científicas, aplicadas principalmente em escolas públicas, para aprimorar a qualidade da educação no país e identificar talentos nas áreas de ciências e tecnologias. As chamadas olimpíadas do conhecimento visam testar e premiar o conhecimento de estudantes da educação básica, mas o que muitos não sabem é que, com boas colocações ao final do processo, esses jovens podem ganhar muito mais que medalhas: a competição também abre portas para a graduação.
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Essa é a história de estudantes como Bruno Pereira, 19 anos, natural de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul. Hoje, o jovem acumula medalhas, duas de prata e uma de bronze pelo ótimo desempenho na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), além de mais cinco medalhas em outras olimpíadas, mas nunca pensou que poderia receber nada além desse reconhecimento. Na infância, sempre estudou em escolas municipais; filho de mãe solteira, não tinha condições financeiras para estudar em instituições particulares.
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Veja o que já enviamosMas, quando finalizou o ensino médio, em 2022, percebeu que tinha a oportunidade de ingressar na faculdade através das medalhas que recebera. “Com meus resultados na OBMEP, apliquei para o curso noturno de Sistema de Informação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Como eu tinha questões financeiras, meu maior objetivo era trabalhar para ajudar em casa. Me formei na escola como técnico em eletrotécnica, assim comecei a trabalhar. Conciliar vida acadêmica com o emprego foi muito difícil para mim”, conta Bruno.
Até que um amigo contou sobre o Impa Tech — programa de graduação no Rio de Janeiro, oferecido pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). unidade de ensino e pesquisa qualificada como Organização Social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e ao Ministério da Educação (MEC), que também organiza a OBMEP. “No mesmo dia que recebi a oportunidade de ser efetivado pela empresa onde eu trabalhava, chegou um e-mail afirmando que havia passado para o Impa Tech. Tive uma dúvida cruel entre ficar longe da minha família e perder um emprego bom, ou largar tudo e me dedicar ao que eu realmente queria”, lembra Bruno.

Sua mãe, Solange, o motivou para seguir seu sonho. “Ela sempre confiou em mim e me deu tudo que precisava para estar aqui hoje”, conta o estudante, emocionado ao falar da mãe, numa das salas do Impa Tech durante o intervalo do almoço, tempo que disponibilizou para conversar com a reportagem. O galpão reformado onde Bruno Pereira e uma centena de alunos estudam fica na região portuária do Rio de Janeiro. São 13 salas de aula, todas com paredes de vidro por onde é possível acompanhar o cotidiano dos estudantes, além de oito laboratórios, biblioteca, auditório, salas de estudo e áreas comuns. A instalação faz parte de um hub de inovação, que abre espaço para empresas de tecnologia e startups, criando um ambiente onde os estudantes podem vivenciar tanto a vida acadêmica quanto o mercado de trabalho.
É neste ambiente tecnológico, com um cenário em branco que ressalta o verde das plantas e dos sofás no primeiro andar, que Bruno já aprimora seus conhecimentos há um ano. Isso porque, além da oportunidade de se graduar na instituição de pesquisa, também recebeu acesso ao alojamento estudantil e auxílio financeiro. No entanto, deixar sua família, amigos e cidade natal é um processo que ainda aprende a lidar. “Aqui é um investimento, estou aqui para ser uma pessoa melhor e agregar conhecimento para a sociedade. Mas você acaba deixando muitas pessoas para trás e é uma mudança brusca de realidade. Por isso, é importante o atendimento do Núcleo de Apoio Psicopedagógico (NAP)”, conta sobre o programa de apoio psicológico oferecido pelo instituto, que promove atividades como bate-papos e workshops sobre temas que colaboram no desenvolvimento físico e emocional.
A trajetória de uma menina olímpica do Piauí
Maria Eduarda Martins, 19 anos, também é um dos talentos que integram a primeira turma do curso superior do Impa. Nascida em Teresina, Piauí, a jovem concluiu o ensino médio na escola particular Instituto Dom Barreto, onde foi bolsista. A OBMEP também é aberta para escolas particulares de todo o Brasil, mas, diferente das públicas, devem pagar uma taxa de inscrição. Era o caso da escola de Maria. “A minha primeira olimpíada foi em 2017 e ganhei uma medalha de bronze. Foi quando percebi que eu tinha facilidade com matemática. Isso ocorreu justamente no ano em que as escolas particulares poderiam participar da OBMEP”.
No ano seguinte, ela conquistou a medalha de ouro e, em sequência, o troféu Meninas Olímpicas na cerimônia nacional da OBMEP, que naquela edição aconteceu em Salvador, Bahia. O prêmio é destinado anualmente para jovens que tiveram os melhores desempenhos na prova, para incentivar a participação feminina. “Eu sabia que estava indo para o evento para receber uma medalha, mas nem sabia desse troféu. Foi muito emocionante”, conta.
Quando começamos a pensar no projeto da graduação, ficou muito claro que tínhamos que utilizar as olimpíadas. A prova é baseada no raciocínio e não tem pré-requisitos em termos de conhecimento. É um ótimo critério que a gente tem para avaliar talento e capacidade, uma vez que estamos falando de alunos, em sua maioria, de escolas públicas e áreas carentes
Antes das olimpíadas a levarem para o Porto Maravilha, Maria tentara outros vestibulares, como o Instituto Militar de Engenharia (IME) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Até chegou a ingressar na Universidade Federal do Piauí para o bacharelado em Matemática, através do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no início de 2024, porque na época o processo seletivo do Impa Tech ainda estava aberto. “Soube do primeiro curso do Impa e que o plano era ser o ‘MIT brasileiro’. Fiquei super empolgada”, afirma Maria, em referência ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos.
E conseguiu: a partir das medalhas que conquistou nas olimpíadas do conhecimento, Maria Eduarda foi selecionada para fazer parte da primeira turma do Impa Tech. Ela lembra como se sentiu ao chegar no Rio. “Na semana em que vim, estava muito anestesiada. Foi uma mudança grande, sair de casa, morar sozinha. Quando desci do aeroporto, contei umas cinco igrejas durante o caminho e achei lindo, gigante. Fiquei deslumbrada com a cidade, foi um sonho.”
A jovem está cheia de expectativas sobre a graduação e o futuro profissional. “Consigo ver o quanto o curso é bem estruturado, bem preparado em relação às outras universidades, e estou gostando muito. A gente vai sair com uma base ótima. Acredito que vou me formar como uma excelente profissional, quero ser muito competente no mercado e trabalhar com o que gosto”.
Ingresso na graduação mais democrático
Outras instituições públicas de ensino superior utilizam as olimpíadas do conhecimento como forma de ingresso, com um processo seletivo que considera as medalhas dos candidatos, como a USP, Unicamp, Unesp, Unifei, UFABC e UFMS. Para o diretor-geral do Impa, o matemático Marcelo Viana, essa é a maneira mais justa de selecionar os estudantes. “Quando começamos a pensar no projeto da graduação, ficou muito claro que tínhamos que utilizar as olimpíadas. É o Impa que organiza a OBMEP há quase 20 anos, uma atividade que impacta essencialmente todos os municípios brasileiros”.
Segundo o matemático, esta é a melhor avaliação para identificar jovens talentos como Bruno e Maria Eduarda. “A prova é baseada no raciocínio e não tem pré-requisitos em termos de conhecimento. É um ótimo critério que a gente tem para avaliar talento e capacidade, uma vez que estamos falando de alunos, em sua maioria, de escolas públicas e áreas carentes”, explica. Ele acredita o processo seletivo é mais “democrático” que o Enem.
Foi a partir deste critério que se formou a primeira graduação do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, aberta em 2024; até 2023, quando foi credenciado como instituição de educação superior, o Impa dedicava-se a cursos de pós-graduação – doutorado, mestrado e mestrado profissional. Na primeira turma de 100 alunos, com estudantes de 22 estados, 80% das vagas foram reservadas para medalhistas de cinco olimpíadas: Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP); Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM); Olimpíada Brasileira de Física das Escolas Públicas (OBFEP); Olimpíada Brasileira de Química (OBQ) e Olimpíada Brasileira de Informática (OBI).
Os outros 20% são distribuídos em função da nota de matemática do Enem. Já na segunda fase, os candidatos são avaliados por meio de entrevistas. A segunda turma da graduação já passou por esse processo e o início do ano letivo começa nesta segunda-feira, 17/03, com aula inaugural do economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. “Mérito é uma palavra-chave pelo desempenho nas Olimpíadas, mas, ao mesmo tempo, temos um olhar social para as realidades do país. Queremos fazer do Impa Tech um programa de âmbito nacional, para que um garoto ou garota em Rondônia, no Amapá ou no Rio Grande do Sul realize o sonho de estudar e se formar na graduação”, conclui o diretor.