Diário da Covid-19: uma morte a cada dois minutos no Brasil

Em meio à pandemia de coronavírus, Ulisses Xavier, que trabalha há 16 anos no cemitério Nossa Senhora da Piedade, em Manaus, se prepara para colocar cruzes nas sepulturas. Foto Michael Dantas

Nos próximos oito dias número de casos deve ficar acima de 210 mil e o acumulado de mortes superará os 15 mil

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 9 de maio de 2020 - 09:52 • Atualizada em 10 de maio de 2020 - 11:44

Em meio à pandemia de coronavírus, Ulisses Xavier, que trabalha há 16 anos no cemitério Nossa Senhora da Piedade, em Manaus, se prepara para colocar cruzes nas sepulturas. Foto Michael Dantas

O Brasil bateu o recorde absoluto do número de mortes no dia 08 de maio e os problemas se avolumam. A situação é dramática, pois está morrendo uma pessoa a cada 2 minutos pela covid-19. O surto pandêmico se expande apesar dos 55 dias de quarentena e  afastamento social. Nos últimos 4 dias, os números oficiais indicam que o  Brasil teve 37,6 mil pessoas infectadas (uma média de 9,4 mil por dia) e teve 2.576 mortes notificadas (uma média de 644 mortes por dia). Com apenas 2,7% da população mundial o país tem mais mortes do que a soma dos óbitos diários de três continentes – Ásia, África e Oceania. O que está dando errado?

Por um lado, parece que o Brasil fez uma quarentena “para inglês ver” e um afastamento social “meia-boca”. Uma parcela expressiva da população não acreditou na necessidade de evitar o contágio e tratou a emergência sanitária de maneira irresponsável do “jeitinho brasileiro”. O maior exemplo da transgressão das regras básicas de cuidado é quando às pessoas saem às ruas com a máscara facial, mas não na boca e no nariz, mas no queixo, desprezando os protocolos de conduta. A falta de rigor nos cuidados higiênicos conjugado com uma taxa de isolamento social em torno de 50% tem sido insuficiente para evitar o espraiamento do vírus.

Por outro lado, e de maneira mais grave, o Poder Público que deveria atuar unido e coordenado para garantir o bom funcionamento do sistema de saúde e a manutenção adequada dos serviços essenciais, atendendo a população de forma organizada e segura, não tem feito o “dever de casa”. O Brasil é uma Federação que possui três entes federativos (União, Estados e Municípios) que não atuam de maneira harmônica. E o pior de tudo, o chefe máximo do Executivo tem dirigido o país na contramão e tem atropelado os outros poderes, além de incitar o desrespeito à normas básicas do convívio social. O presidente da República já tratou a pandemia como “histeria”, “gripezinha”, “tá indo embora”, “não sou coveiro” e o desdenhoso “E daí?”.

No dia 07 de maio, Jair Bolsonaro junto com outros ministros e alguns empresários foram a pé, em aglomeração, ao  Supremo Tribunal Federal (STF) para falar com o presidente do tribunal, Dias Toffoli, sobre os impactos do isolamento domiciliar sobre a “saúde” das empresas e pressionar pelo fim da quarentena, além de defender o restabelecimento pleno da economia. No dia que o Brasil bateu o recorde de mortes, o presidente reafirmou que faria um churrasco no fim de semana em comemoração ao Dia das Mães.

Todavia, no dia 08 de maio, um relatório científico do prestigioso Imperial College de Londres disse que a pandemia explodirá no Brasil se houver relaxamento. O relatório considera que as medidas de distanciamento físico conseguiram reduzir o contágio nos 16 estados analisados no estudo, mas não o suficiente para conter a expansão da doença. Para controlar o surto epidêmico seria necessário reduzir o indicador epidemiológico denominado “número de reprodução” (R), que estima a média da transmissão do vírus entre as pessoas. Um número de reprodução (R) acima de 1 significa que a epidemia está em progressão. No caso brasileiro, o relatório avalia que o R caiu de um patamar inicial, em torno de 3 a 4, para a metade destes valores, o que é ainda elevado. Em síntese, o estudo do Imperial College diz que são necessárias novas medidas de controle da transmissão, pois, caso contrário, a pandemia vai continuar crescendo exponencialmente.

Nesta linha, algumas cidades brasileiras já promovem o lockdown (fechamento total) e alguns estados também estudam tomar medidas mais fortes para evitar a propagação do contágio. Sem embargo, o Brasil não ficará livre da covid-19 se o lockdown não for efetivo e nada vai mudar se apenas forem adotadas medidas paleativas. Também não haverá esperança se os três níveis do Poder Público continuarem lançando sinais contraditórios para a população. O Brasil está em uma encruzilhada e vai ter que decidir se quer continuar subindo rumo a um pico cada vez mais distante ou se quer começar a descer imediatamente a curva, até zerar o número de casos e de mortes.

Em Nova York, um moral tenta incentivar o uso das máscaras de proteção. O país segue liderando as estatísticas de casos e mortes. Foto Angela Weiss/AFP
Em Nova York, um moral tenta incentivar o uso das máscaras de proteção. O país segue liderando as estatísticas de casos e mortes. Foto Angela Weiss/AFP

O panorama nacional

O Ministério da Saúde informou, na tarde de sexta-feira (08/05), que o país atingiu 145.328 casos e 9.897 mortes pela covid-19, com uma taxa de letalidade de 6,8%. O número diário de pessoas infectadas foi de 9.897 casos e o número diário de vítimas fatais foi de 751 óbitos nas últimas 24 horas, recorde absoluto. Foram 31 mortes por hora ou 1 morte a cada 2 minutos. Este é o segundo valor entre todos os países do ranking global (atrás apenas dos EUA).

O gráfico abaixo mostra os valores acumulados dos casos e das mortes no Brasil nos últimos dois meses. No dia 17 de março havia 290 casos da covid-19 e passaram para 145,3 mil em 08 de maio, um aumento de 501 vezes (ou 21,7% ao dia). A primeira morte ocorreu no dia 17/03 e chegou a 9,9 mil em 08/05, um aumento de 9,9 mil vezes (ou 19,4% ao dia). Evidentemente, o ritmo de crescimento exponencial diminuiu, mesmo assim continua em ritmo elevado. As linhas (pontilhadas), da tendência polinomial de terceiro grau, apresenta uma projeção para os próximos 8 dias, indicando que o número de casos deve ficar acima de 210 mil e o número acumulado de mortes deve ficar acima de 15 mil no dia 16 de maio de 2020.

O panorama global

Globalmente, no dia 08 de maio, o número de casos chegou a uma marca histórica mais de 4 milhões de casos e 276 mil mortes. O número diário de pessoas infectadas no mundo aumentou em 97,1 mil casos e o número de mortes aumentou em 5,7 mil óbitos em 24 horas. Olhando a série histórica mundial, nota-se que a pandemia já atingiu o pico e desde a segunda quinzena de abril os números diários já começaram a cair, embora ainda variando em alto patamar.

No dia 01 de março havia 88,6 mil casos no mundo que passaram para 4,009 milhões em 08/05, um aumento de 45,3 vezes (ou 5,8% ao dia) e o número de mortes, no mesmo período, passou de 3 mil para 276 mil, um aumento de 90,5 vezes (ou 6,8% ao dia). Vê-se que a pandemia no mundo cresce em ritmo mais lento do que no Brasil. As linhas (pontilhadas) da tendência polinomial indicam que a inclinação da curva já começou, com uma tendência de redução do valor das variações diárias. Para o dia 16 de maio, o mundo deve alcançar 4,6 milhões de casos e 315 mil mortes.

Os dados do avanço da pandemia no mundo e no Brasil são contrastantes. Em termos globais o surto pandêmico já atingiu o pico e já começou a “descer a ladeira”, mesmo que ainda de forma tímida. Mas no caso brasileiro o surto ainda está em expansão e está se espalhando por todo o território nacional, partindo das grandes metrópoles para as cidades médias e para as pequenas cidades do litoral e do interior. O momento atual é decisivo e requer ações rápidas e efetivas. O Brasil já está em segundo lugar no ranking global de número diário de mortes e dentro de 30 a 40 dias pode ficar em segundo lugar no número acumulado de óbitos.

E o pior, quanto mais tempo demorarmos para controlar a pandemia mais pessoas vão morrer e mais empresas vão quebrar. Maior será o desemprego e menor será a renda média nacional. O país não tem que escolher entre a saúde das pessoas e a “saúde” da economia. O que precisa ser feito é aquilo que foi conquistado, por exemplo, na Nova Zelândia e em outras nações, que é a eliminação da pandemia e a reconstrução do desenvolvimento sob novas bases, tendo como princípios imperativos a justiça social e a sustentabilidade ambiental.

Frase do dia 09/05/2020

“Se você construiu castelos no ar, não pense que desperdiçou seu trabalho;

eles estão onde deveriam estar. Agora construa os alicerces”

Henry Thoreau (12/07/1817 – 06/05/1862)

Autor de “Desobediência Civil” e “Walden ou A Vida nos Bosques”

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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