(Maria Michail e Anna Lavis*) – Depois da entrevista de Oprah Winfrey com Meghan Markle e o Príncipe Harry em março, conversas muito necessárias sobre saúde mental e, especificamente, suicídio se abriram na sociedade. Telespectadores de todo o mundo ouviram Meghan falar abertamente sobre um momento muito difícil em sua vida, descrevendo como, gradualmente, uma sensação claustrofóbica de estar presa sem saída a fez sentir como se não quisesse mais estar viva.
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Embora a franqueza de Meghan – duquesa de Sussex, casada com um integrante da família real britânica – tenha sido elogiada por muitas instituições e especialistas em saúde mental em todo o mundo, seu relato foi também questionado e até ridicularizado em alguns meios de comunicação.
Nossa pesquisa na Universidade de Birmingham mostra que invalidar as experiências de suicidality (termo em inglês que engloba ideação suicida e tentativas de suicídio) das pessoas é bastante comum. Também é profundamente angustiante para quem é o alvo desses comentários. No estudo, que explora como jovens de 17 a 23 anos em risco de suicídio procuram ajuda, os participantes compartilharam como até os profissionais de saúde frequentemente descartam suas experiências de automutilação e suicídio.
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Como este participante da pesquisa nos disse: “Eles me perguntaram ‘você está tendo pensamentos suicidas? Você é suicida?’ E quando eu disse sim’, um médico especificamente, não vou citar nomes, mas ele falava ‘de qualquer modo, você não faria isso’.”
Essas atitudes de desprezo muitas vezes deixam as pessoas sem esperança e desamparadas, como este outro participante revelou: “O clínico geral disse, quando eu comecei a ficar mal-humorado, ‘você tem uma família de apoio muito boa, então você vai ficar bem’. Eu fiquei pensando ‘você não sabe de nada’. Ele não apenas fez essa suposição, mas introduziu esse conceito no consultório. Eu não tinha para onde ir, a quem apelar”.
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Veja o que já enviamosUm dos principais motivos apresentados pelos jovens para não compartilhar essas experiências e pensamentos relacionados a suicídio foi o fato de não acreditarem que seriam levadas a sério – por amigos, parentes e até mesmo por profissionais. Muitos temiam ser evitados, mal compreendidos ou ridicularizados se procurassem ajuda ou falassem sobre o tema. Como outro participante revelou: “Se você tenta e busca ajuda e recebe um comentário tipo ‘você está fazendo isso de propósito por um motivo diferente, ou por atenção’, isso é um deboche do que você estava sentindo”.
Os jovens em nosso estudo descreveram como desejavam que os profissionais abordassem o suicídio, com muitos detalhando suas experiências de pedir ajuda a profissionais de saúde e serem, simplesmente, dispensados ou rejeitados, sem qualquer atenção. “Se você ficar sentado explicando que está tendo dificuldades e precisa de ajuda, então eles deveriam ouvir e não dizer ‘você está apenas tendo uma semana ruim'”, comentou um jovem da pesquisa.
Espaços seguros online
Outro estudo, também na Universidade de Birmingham, explorou discussões relacionadas à automutilação e ao suicídio nas redes sociais. O trabalho mostra que invalidar as experiências suicidas das pessoas na vida real é uma das principais razões pelas quais os jovens recorrem aos espaços online em busca de apoio e compreensão.
Com a experiência anterior de terem sido descartados como “em busca de atenção” no hospital, por exemplo, ou condenados ao ostracismo por amigos, os participantes relataram se sentirem “seguros”, “ouvidos” e “aceitos” em espaços online que podem parecer, visto de fora, tudo menos seguros e acolhedores. A internet e as mídias sociais podem estar tipicamente associadas a confrontos e outras experiências desagradáveis, mas podem fornecer também ambientes incrivelmente favoráveis para algumas pessoas.
Embora não seja isenta de riscos, as mídias sociais oferecem espaços nos quais as histórias das pessoas sobre automutilação e suicídio, e suas complexas causas sociais, podem ser ouvidas abertamente e sem julgamento. Um participante disse: “Ter alguém compreendendo o que você está passando, dizendo que se preocupa com você e mostrando que o vê, isso ajuda muito sentir que você é… como você é importante”.
O fato de uma pessoa, em seus momentos mais vulneráveis, sentir necessidade de recorrer a estranhos online, entretanto, é uma acusação contundente de como nós, como sociedade, tratamos aqueles que vivenciam experiências de suicidicity (outro termo para ideação suicida e tentativas de suicídio). Atitudes desdenhosas ou negativas costumam ser o motivo pelo qual algumas pessoas temem em revelar a verdadeira extensão de sua tendência suicida e se sentem envergonhadas em buscar a ajuda de entes queridos. Nosso estudo mostra que alguns jovens se sentem mais à vontade para compartilhar suas experiências com pessoas que não são próximas a eles. E embora a mídia social também possa fomentar atitudes doentias em relação ao suicídio, para alguns ela oferece um espaço vital para falar abertamente.
O suicídio pode afetar qualquer pessoa, independentemente de idade, etnia, status socioeconômico e sexo. Enquanto, para muitos, o suicídio pode ser impensável e distante da experiência cotidiana, para outros, o suicídio é uma realidade cotidiana vivida; uma realidade que precisamos reconhecer, ouvir, entender e assumir responsabilidades.
É urgente criar espaços seguros na sociedade (e nos serviços de saúde mental) em que as pessoas possam compartilhar suas experiências sem serem dispensadas, desacreditadas ou rejeitadas. Embora os espaços online possam, às vezes, ser preocupantes, a falta de julgamento que eles oferecem às pessoas que descrevem o sentimento de suicídio precisa ter reflexo no mundo offline. A invalidação dessas experiências relativas ao suicídio serve apenas para perpetuar nossa cultura de sigilo e estigma sobre o tema.
*Maria Michails é pesquisadora sênior e Phd em Psicologia na Universidade de Birmingham (Inglaterra); Anna Lavis é conferencista em Antropologia Médica na Universidade de Birmingham