Diário da Covid-19: pandemia cresce mais rápido no resto do Brasil do que em São Paulo

Os estados do Amazonas, Amapá, Ceará e o Distrito Federal, todos com alta incidência, estão em situação de emergência

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 14 de abril de 2020 - 09:43 • Atualizada em 16 de abril de 2020 - 09:50

Cartazes espalhados pelas ruas de Paris agradecem ao trabalho do pessoal da saúde, lojistas, segurança nacional, funcionários dos correios e agricultores durante a pandemia. Foto Franck Fife/AFP

Está havendo uma desconcentração da pandemia no Brasil e no mundo. Os primeiros casos e as primeiras mortes pela covid-19 no Brasil aconteceram em São Paulo. Mas, na segunda metade do mês de março, a pandemia foi se espalhando pelo Brasil e o território paulista que concentrava 100% dos casos e das mortes, atualmente, concentra menos da metade. No mundo, a pandemia já está em 210 países e territórios. Os dez países que estão no topo do ranking global em 01 de abril concentravam 80,2% dos casos e diminuíram nos dias seguintes para 76,5% do total, significando que o surto avança com mais velocidade nos demais 200 países e territórios.

O panorama nacional

O Ministério da Saúde atualizou, na tarde da segunda-feira (13/04), o número de casos para o novo montante de 23.430 e o de mortes para 1.328, com uma taxa de letalidade de 5,7%.

Entre os dias 01 e 04 de março de 2020 todos os casos notificados no Brasil estavam no estado de São Paulo (100%). No dia 05 de março foram notificados os dois primeiros casos fora do território paulista que tinha seis casos (75%). Ao longo das semanas seguintes, o número de casos foi crescendo em São Paulo, mas cresceram mais rapidamente no restante do país. No dia 13 de abril, dos 23,4 mil casos brasileiros, 8.895 estavam em São Paulo (38%) e os demais 14.535 estavam no restante do país (62%), conforme mostra o gráfico abaixo.

A primeira morte pela covid-19 ocorreu em São Paulo no dia 17 de março. No dia 19 de março havia 4 mortes em São Paulo (57,1%) e 3 mortes fora de São Paulo (42,9%). No dia 01 de abril, o maior estado do país continuava concentrando a maioria das fatalidades, havendo 136 mortes notificadas em São Paulo (67,7%) e 65 mortes no restante do país (32,3%). Já no dia 13 de abril, São Paulo registrou 608 mortes (45,8%) e o restante do país 720 mortes (54,2%). Portanto, houve um processo de desconcentração e de espraiamento da pandemia no Brasil.

Os mapas abaixo, retirados do boletim n. 9 do Ministério da Saúde, mostram como a pandemia se espalhou pelo país e, embora São Paulo e Rio de janeiro concentrem a maior parte das notificações, o surto já está presente em todo o território nacional e, além das duas Unidades da Federação já citadas, Amazonas, Amapá, Ceará e Distrito Federal – todas com alta incidência – são UFs classificadas em situação de emergência pelo Ministério da Saúde.

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O panorama global

O dia 13 de abril encerrou com 1,92 milhão de casos e 119,7 mil mortes registradas no mundo, com uma taxa de letalidade de 6,2%. Os Estados Unidos permanecem na liderança disparada com 587 mil casos (30,5% do total mundial) e 23,6 mil mortes (19,8% do total mundial).

O processo de desconcentração e de difusão da pandemia para territórios mais amplos não acontece somente no Brasil, mas também no mundo. A tabela abaixo mostra os 10 países com maior número de casos e de mortes de covid-19 nos dias 01 e 12 de abril. Nota-se que estes 10 países concentravam 80,2% dos casos e 88,9% das mortes do mundo no dia 01/04 e caíram para 76,5% e 84,4% no dia 12/04. Enquanto o número de casos estava crescendo a 5,9% ao dia nos 10 países do topo do ranking, crescia a 6,4% no mundo e a 8% nos demais 200 países e territórios. No período em que o número de mortes crescia a 7,9% ao dia nos 10 países do topo do ranking, crescia a 8,4% no mundo e a 11,8% nos demais 200 países e territórios.

Nota-se que entre os top 10 países, os EUA, o Reino Unido e a França são os que apresentam as maiores taxas de crescimento do número de casos e, também, do número de mortes no período. As maiores taxas de letalidade estão na Itália, Reino Unido, Espanha e França. As menores na Coreia do Sul e na Alemanha.

A China e a Coreia do Sul já apresentam taxas de crescimento do número de casos e de mortes muito pequenas, indicando que já superaram o pico da pandemia e estão em estágio avançado de estabilização da epidemia. Itália, Espanha e Irã também parecem que já atingiram o pico da pandemia e começaram o processo de “descer a curva”.

Contudo, as taxas de crescimento dos casos e das mortes pela covid-19 continuam muito altas nos 200 países que estão na parte de baixo do ranking global, indicando que o mundo ainda vai ter um longo caminho pela frente para debelar a pandemia.

Países como Brasil, Turquia, Rússia, Peru e Índia – dentre outros – estão apresentando taxas de crescimento muito elevadas do número de casos (mesmo havendo muitas subnotificações) e podem se tornar novos epicentros da pandemia nas próximas semanas e no mês de maio.

A pandemia e o pandemônio econômico

O relatório do Banco Mundial sobre a América Latina e o Caribe (ALC), divulgado no domingo (12/04), destaca que a região foi palco de grandes agitações sociais em 2019 e lista três explicações para o descontentamento popular: 1) o lento crescimento econômico da década que forçou ajustes fiscais e sociais dolorosos; 2) a ALC é a região mais desigual do mundo; 3) a população está descontente com as instituições fracas, corruptas e incapazes de atender as demandas da população. Tudo isto deve ser agravado em 2020 com a pandemia da covid-19.

A pandemia e o desmatamento da Amazônia

De modo geral, a paralisação global das atividades econômicas tem sido boa para o meio ambiente e o florescimento da vida selvagem. Mas, no Brasil, a ação dos madeireiros, garimpeiros, e grileiros não é interrompida nem com a pandemia. Segundo o sistema Deter-B do Inpe, os alertas de desmatamento na Amazônia bateram recorde no primeiro trimestre de 2020. Além de destruir a floresta nativa, a presença dos desmatadores tem levado a covid-19 para os povos da floresta e vários indígenas já morreram pela doença. É urgente parar o ecocídio e o genocídio!

A pandemia e a emergência climática

Enquanto a atenção do mundo se volta para a emergência da saúde pública em decorrência da propagação da pandemia de covid-19, uma outra questão urgente está sendo secundarizada. Trata-se da emergência climática provocada pela aceleração do aquecimento global.

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), divulgou na segunda-feira (13/04), os dados sobre a temperatura global para o mês de março dando sequência à série histórica que começou em 1880. O gráfico abaixo mostra que até cerca de 1940 as temperaturas anuais (em azul) estavam abaixo da média do século XX e depois de 1970 as temperaturas anuais (em vermelho) ficaram consistentemente maiores do que a média do século XX.

O ano mais quente do século XX foi 1998 com uma anomalia de 0,65º C em relação à média do século XX. Este nível foi aproximadamente igualado em 2005 e superado apenas em 2010 e 2014. Os anos de 2011 e 2012 apresentaram temperaturas inferiores do que as de 1998 e isto gerou muito questionamento sobre o aquecimento global, inclusive com muitos cientistas falando em “hiato climático”.

Porém, a partir de 2014, os aumentos anuais da temperatura extrapolaram todas as tendências, marcando 0,99º C em 2016 e 0,95º C em 2019, em relação à média do século XX (mas que representa cerca de 1,2º C em relação ao período pré-industrial). Os 6 anos entre 2014 e 2019 foram os mais quentes da série histórica. E a atual década é a mais quente do Antropoceno.

O ano de 2020 começou batendo todos os recordes para o mês de janeiro, mesmo quando comparados com o mesmo mês de janeiro de 2016, quando houve um forte fenômeno El Niño e se atingiu temperaturas extremamente altas. Janeiro de 2020 é, entre os primeiros meses, o mais quente da série histórica. O mês de fevereiro, com 1,17º C, foi o segundo mais quente da série, ficando ligeiramente abaixo de fevereiro de 2016 que tinha apresentado 1,26º C.  E o mês de março, com anomalia de 1,16º C foi também o segundo mais quente para o mês. O primeiro trimestre do ano (janeiro a março) foi o segundo mais quente da série histórica e marcou a maior tendência de aumento entre todas as décadas, com aumento de 0,70º C entre 2011 e 2020, conforme ilustrado abaixo.

Os dados acima mostram que o aquecimento global entrou em um outro patamar e que dificilmente as metas do Acordo de Paris serão alcançadas. Isto quer dizer que a emergência climática continua na ordem do dia como uma questão candente a ser resolvida. Mesmo sendo difícil para o mundo ter que lidar com duas emergências ao mesmo tempo, as medidas de controle da pandemia de covid-19 deveriam vir no sentido de também mitigar os efeitos mais dramáticos da crise climática.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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