Diário da Covid-19: muda o ministro, mas a saga continua

Uma mãe palestina entretém seus filhos com máscaras improvisadas de repolho enquanto cozinha em Beit Lahia, no norte da Faixa de Gaza. Foto Mohammed Abed/AFP

Entre os dias 01 e 16 de abril, o número de mortes no mundo cresceu 3,4 vezes e o número de mortes no Brasil cresceu 9,5 vezes

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 17 de abril de 2020 - 10:48 • Atualizada em 17 de abril de 2020 - 10:49

Uma mãe palestina entretém seus filhos com máscaras improvisadas de repolho enquanto cozinha em Beit Lahia, no norte da Faixa de Gaza. Foto Mohammed Abed/AFP

A pandemia, mesmo com pequenas oscilações, continua sua saga tanto no mundo, quanto ainda mais rapidamente no Brasil. Globalmente o número de casos chegou a 2,2 milhões. Há um mês, no dia 16/03, o Brasil tinha 0,1% dos casos de infecção e ontem (16/04) passou para 1,4% dos casos globais. Até o dia 16/03 não havia nenhuma morte pela covid-19 no Brasil (0%), mas ontem (16/04) o número chegou a quase 2 mil mortes, representando 1,4% do total de óbitos globais. A situação é grave. Se o poder público não fizer o seu dever para evitar a expansão da doença e o aumento do número de mortes, a sociedade pode recorrer à desobediência civil, como nos ensinou Henry Thoreau.

O panorama local, nacional e global

A pandemia do novo coronavírus avançou rapidamente no mundo, no Brasil e em São Paulo. No dia 01 de março de 2020, no mundo, havia 88.590 casos, sendo 2 casos no Brasil, ambos em São Paulo. No dia 31 de março os números passaram para 858.355 casos no mundo, 5.717 no Brasil e 2.339 em São Paulo.

O mês de abril começou com 935.197 casos no mundo, sendo 6.836 casos no Brasil (Brasil tinha 0,7% dos casos do mundo em 01/04) e 2.981 casos em São Paulo (SP tinha 40,9% dos casos brasileiros em 01/04). No dia 16/04 existiam 2,18 milhões de casos no mundo, e segundo a última atualização do Ministério da Saúde, havia 30.425 casos no Brasil (Brasil passou para 1,4% dos casos do mundo) e 11.568 casos em São Paulo (SP caiu para 38% dos casos brasileiros)

Portanto, a pandemia do novo coronavírus está crescendo de forma mais rápida no Brasil do que no mundo e o estado de São Paulo cresce pouco mais lento do que no restante do Brasil. Entre os dias 01 e 16 de abril, o número de casos no mundo cresceu 2,5 vezes (ou 6% ao dia), o número de casos no Brasil cresceu 5,3 vezes (ou 11% ao dia) e o número de casos em São Paulo cresceu 4,95 vezes (ou 10,5% ao dia).

Seguindo o mesmo que aconteceu no número de casos, também cresceu muito o número de mortes. No dia 01 de março de 2020, no mundo, havia 3 mil mortes pela covid-19 e nenhuma no Brasil. A primeira morte no Brasil foi registrada no dia 17 de março em São Paulo.

O dia 01 de abril começou com 47.192 mortes no mundo, sendo 240 mortes no Brasil (representando 0,5% dos óbitos do mundo em 01/04) e 164 mortes em São Paulo (SP tinha 68,3% das mortes brasileiros em 01/04). No dia 16/04 existiam 145 mil mortes no mundo e segundo a última atualização do Ministério da Saúde, havia 1.924 mortes no Brasil (Brasil passou para 1,4% das mortes do mundo) e 853 mortes em São Paulo (SP caiu para 44,3% das mortes brasileiras).

Portanto, o número de mortes da pandemia do novo coronavírus está crescendo de forma mais rápida no Brasil do que no mundo e o estado de São Paulo cresce pouco mais lento do que no restante do Brasil. Entre os dias 01 e 16 de abril, o número de mortes no mundo cresceu 3,4  vezes (ou 8% ao dia), o número de mortes no Brasil cresceu 9,5 vezes (ou 15,2% ao dia) e o número de mortes em São Paulo cresceu 6,3 vezes (ou 12,2% ao dia).

A situação de Roraima se agrava e complica a vida dos refugiados venezuelanos

O estado de Roraima tem uma população estimada de 631,2 mil habitantes em 2020, segundo as projeções do IBGE. No dia 24 de março tinha apresentado 2 casos de covid-19 e passou para 114 casos no dia 16/04. Um crescimento diário de 20,3% entre 24/03 e 16/04, no mesmo período o Brasil apresentou um crescimento médio diário de 12,1%. Portanto, a pandemia explode em Roraima e já atingiu a incidência de 224 casos para cada 1 milhão, bem acima de 144 casos por milhão do Brasil. Desta forma, o Ministério da Saúde passou a incluir Roraima na lista das Unidades da Federação em estado de emergência, pois possui uma incidência superior a 50% da média nacional.

A situação de Roraima se complica seriamente diante da alta presença de imigrantes e refugiados da Venezuela que vivem, especialmente, nos municípios de Boa Vista e Pacaraima, enfrentando condições precárias de moradia, além de sofrerem com a carência de emprego e meios básicos de subsistência. Já existem mais de 40 militares da Operação Acolhida – missão humanitária de atendimento a venezuelanos em Roraima – infectados pelo coronavírus. Toda esta população vulnerável está exposta ao avanço do coronavírus e pode ser um vetor de difusão da doença na Amazônia brasileira e venezuelana.

[g1_quote author_name=”Henry Thoreau” author_description=”A Desobediência Civil, 1849″ author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Todas as pessoas reconhecem o direito de revolução, isto é, o direito de recusar lealdade ao governo, e opor-lhe resistência, quando sua tirania ou sua ineficiência tornam-se insuportáveis

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A pandemia, o pandemônio econômico e as contas externas do Brasil

O FMI projeta uma recessão no Brasil de 5,3% em 2020. Uma saída para enfrentar a crise interna seria aumentar as exportações e garantir recursos para equilibrar o balanço de pagamentos. Porém, depois de recorde de US$ 256 bilhões em 2011 nas exportações brasileiras, houve uma queda para US$ 185 bilhões em 2016. Com a redução do nível de atividade interna e a desvalorização do Real, as exportações cresceram um pouco até US$ 239,5 bilhões em 2018, mas voltaram a cair para US$ 224 bilhões em 2019. A Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia mostra que entre janeiro e abril (até segunda semana) as exportações voltaram a cair (5,6%) em relação ao mesmo período do ano passado. O saldo da balança comercial que foi de US$ 67 bilhões em 2017, caiu para US$ 58 bilhões em 2018 e caiu novamente para US$ 46,7 bilhões em 2019. Entre janeiro e abril (segunda semana) a nova queda foi de 36,5%. Já se avista uma crise cambial no horizonte.

Esta situação é grave, pois o Brasil tem um enorme déficit na conta de transações correntes, que estava em torno de US$15 bilhões nos últimos 12 meses de 2017 e passou para mais de US$ 50 bilhões em fevereiro de 2020, segundo dados do gráfico abaixo do Banco Central. Esta dependência de recursos externos é uma grande fraqueza da economia brasileira e que é agravada nestes tempos de pandemia de covid-19 e de depressão da economia internacional.

O Brasil precisa, como nunca, da desobediência civil de Henry Thoreau

Henry David Thoreau (1817-1862) foi um pensador além de seu tempo e que conseguiu unir teoria e prática em defesa da liberdade e do meio ambiente. Ele morreu aos 44 anos, mas deixou escritos extremamente relevantes, cabendo destacar as suas duas obras-primas que mais repercutiram: “Walden, ou a vida nos bosques” e a “A desobediência civil”.

Henry Thoreau nasceu e morreu na pequena cidade de Concord, em Massachusetts, nos Estados Unidos e, embora tenha viajado pouco, suas ideias percorreram o mundo. Vivendo na época da decolagem da economia americana, ele se opunha à Guerra dos Estados Unidos contra o México, à escravidão e ao genocídio dos índios americanos. Coerente com suas posições políticas e com sua visão libertária deixou de pagar alguns tributos exigidos pelo Estado. Como resultado, foi preso e passou uma noite na prisão pelo não pagamento do imposto per capita. Desta experiência nasceu o famoso texto “A desobediência civil” (publicado em 1849), onde Thoreau explica os princípios de sua resistência pacífica a certas leis de um Estado que era belicista, escravista, perseguia os povos indígenas e não respeitava o meio ambiente.

A ideia da desobediência civil atravessou as fronteiras geográficas e temporais e se transformou numa grande referência da luta contra a opressão, a exploração, a injustiça e a discriminação. O fim da escravidão nos Estados Unidos ocorreu em 1865, depois da Guerra de Secessão e três anos após a morte de Thoreau. Mas a aplicação dos princípios da desobediência civil começou a se espalhar pelo mundo quando Leon Tolstói (1828-1910) passou a utilizar as ideias de Thoreau no combate ao totalitarismo czarista na Rússia. Em seguida, Mohandas Gandhi utilizou os mesmos princípios, num primeiro momento, na luta contra a discriminação racial na África do Sul e, num segundo momento, na luta pacífica pela independência da Índia.

Também foi com base no texto da desobediência civil que Martin Luther King organizou a luta não violenta contra a discriminação racial e pelos direitos civis nos Estados Unidos, cem anos após a publicação do texto original de Thoreau. Em termos acadêmicos, o princípio da desobediência civil influenciou pensadores da ciência política, como Hannah Arendt e John Rawls, dentre outros. O movimento Hippie e a geração Beatnik também beberam na mesma fonte de inspiração contra todos os tipos de autoritarismo e contra o desenvolvimento concentrador de renda e degradador da natureza.

Neste momento em que o governo brasileiro faz do Ministério da Saúde um instrumento – não de prevenção – mas de agravamento da doença do coronavírus, a leitura da “Desobediência Civil” de Thoreau é uma tarefa de primeira necessidade para a sobrevivência da nação.

Frase do dia 16/04/2020

“Todas as pessoas reconhecem o direito de revolução, isto é, o direito de recusar lealdade ao governo, e opor-lhe resistência, quando sua tirania ou sua ineficiência tornam-se insuportáveis”

Henry Thoreau

(A Desobediência Civil, 1849)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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