Moradores de Camaçari sofrem com mau cheiro e culpam poluição industrial

População relata dor de cabeça, ânsia de vômito, cansaço e dificuldade para respirar; medições apontam boa qualidade do ar no município

Por Sonilton Santos | ODS 3 • Publicada em 14 de abril de 2024 - 21:31 • Atualizada em 17 de abril de 2024 - 10:17

Isaías em sua casa, vizinha ao polo de Camaçari: cheiro forte e problemas respiratórios (Foto: Sonilton Santos)

A cada ano que passa, um problema recorrente vem afetando os moradores de Camaçari, Região Metropolitana de Salvador. Um forte odor está incomodando os moradores que relatam dor de cabeça, ânsia de vômito, cansaço, dificuldade para respirar e culpam a poluição do Polo Industrial, que reúne mais de 90 empresas químicas, petroquímicas e de outros ramos de atividade, O mau cheiro é sentido com mais frequência durante à noite, a partir das 19h. “Com o cheiro, eu começo a cansar e sentir dor no pulmão também”, conta Isaías Matos da Silva, de 9 anos, em entrevista ao lado da mãe, Tainara.

Além do cansaço e das dores no peito, Isaías, que sofre de asma, também se queixa que o forte cheiro emanado do Polo já o fez ser precisar ser atendido na emergência do hospital local. “Já fui parar na emergência do hospital uns 15 dias (vezes)”, o que é confirmado por Tainara, 32 anos, solteira e desempregada, que compartilha a angústia do filho. “Eu gosto de jogar bola e não posso. Eu gosto de correr e não posso”, lamenta o pequeno Isaías.

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As queixas sobre os problemas causados, de acordo com os moradores, pela poluição do Polo industrial não são apenas das crianças. Os adultos também reclamam do odor forte e culpam a poluição do ar. “Geralmente o que eu sinto é dor de cabeça, enjoo; e, no outro dia pela manhã, é uma sensação de dor na garganta, um ressecamento na garganta”, relata a camaçariense Aline Miranda de Barros, 43 anos, assistente administrativa. “Eu já tenho rinite crônica mesmo, e, às vezes, esse mau cheiro ataca a rinite”, acrescenta. “É sempre mais à noite, por voltas das 20h, 20h30, que começa o cheiro começa a ficar mais forte; às vezes, piora muito é de madrugada”, aponta Aline.

A assistente administrativa também sofre crises de enxaqueca e faz uso de medicamento para essa doença. “Quando a enxaqueca piora, eu vou ao médico. Muitas vezes, a crise começa em função do cheiro”, explica Aline, lembrando que toma precauções para evitar o ar poluído, “A única coisa que a gente tem a fazer é fechar tudo, fechar a casa toda, quando começa a sentir o mau cheiro; fechar a casa toda pra evitar que o mau cheiro fique pela casa: a única prevenção que a gente tem é essa. E ligar o ventilador pra ter uma circulação do ar dentro de casa”, relata.

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Aline mora na sede do município, onde está o Polo Industrial, e pensa em fazer como a irmã, que se mudou dali para a área litorânea de Camaçari. “A gente não sabe realmente o que causa esse mau cheiro e o que ele pode causar na saúde. Já pensei várias vezes em sair, como minha irmã mesmo. Ela saiu daqui da sede do município de Camaçari e foi pra costa, porque ela tinha crises de tosse; não sabe se em função da poluição daqui. Mas lá ela melhorou muito em relação dessas crises de tosse alérgica que ela tinha”, conta.

O médico Irineu Ferreira Júnior alerta para doenças respiratórias que podem ser causadas pela poluição (Foto: Sonilton Santos)
O médico Irineu Ferreira Júnior alerta para doenças respiratórias que podem ser causadas pela poluição (Foto: Sonilton Santos)

Monitoramento garante qualidade do ar

Apesar das muitas reclamações dos moradores, principalmente dos vizinhos do Polo Industrial, o Cetrel (Centro de Tratamento de Efluentes Líquidos), responsável pelo monitoramento do ar de Camaçari, a qualidade do ar no município – medido por quatro estações, três delas na sede do município e uma no litoral – é boa, com padrões aceitáveis de monóxido de carbono, ozônio, dióxido de nitrogênio, dióxido de enxofre e particulado inalável.

O Cofic (Comitê de Fomento Industrial de Camaçari), associação que representa cerca de 90 empresas no Polo Industrial de Camaçari, usa os dados da Cetrel para assegurar a boa qualidade do ar na região. “As Estações de Monitoramento da Qualidade do Ar monitoram concentrações de poluentes atmosféricos em níveis comparáveis aos padrões de qualidade do ar estabelecidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama (Resolução nº 491/2018) e pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Inema (Licença de Operação do Polo Industrial de Camaçari, Portaria Inema nº 16.507/2018). Essas Estações compõem a Rede de Monitoramento do Polo Industrial de Camaçari e possibilitam ratificar que não ocorreram episódios de ultrapassagem dos padrões legislados”, afirma a Cofic, através de nota da Superintendência de Desenvolvimento e Comunicação.

A nota da associação acrescenta ainda que, para o cálculo do Índice de Qualidade do Ar (IQAr), são seguidas as diretrizes do Ministério do Meio Ambiente. “A classificação do índice da qualidade do ar monitorada pelas estações da qualidade do ar é definida em base técnica,  expressa através de legendas e escala de cores tornando mais fácil o entendimento dos resultados pela sociedade”, aponta a Cofic, ressaltando que “todas as informações da Rede de Monitoramento do Ar estão disponíveis através do site do INEMA e do MonitorAr, programa do Ministério de Meio Ambiente”. A reportagem também entrou  em contato com a Secretaria da Saúde de Camaçari (Sesau) para falar sobre o forte odor, que tanto incomoda e prejudica os moradores do município, mas não foi atendida.

Os moradores do município têm todo o direito de ficarem preocupados e incomodados, pois a poluição industrial pode desencadear muitas doenças, explica o clínico geral Irineu da Silva Ferreira Junior, 38 anos, que atende na Unidade de Saúde da Família (USF) no bairro do Dois de Julho, em Camaçari. “Existe muitas doenças causadas pela poluição. O que sabemos é que algumas partículas conseguimos ver a olho nu, como poeira, fuligem, fumaça, e há outras que não conseguimos visualizar. E elas podem causar um sério problema de saúde, incluindo doenças respiratórias”, afirma o médico que atende muitos moradores que se queixam de problemas causados pelo mau cheiro.

O médico cita as doenças respiratórias mais comuns. “Asma, que nada mais é do que a inflamação das vias áreas, pode ser desencadeado pela exposição à fumaça, à poluição de uma maneira geral. A rinite, também uma inflamação da mucosa nasal, pode ser desencadeada também pela poluição. A pneumonia é uma doença pulmonar, uma inflamação do pulmão: é uma enfermidade que pode ser causada pela poluição, dentre outros fatores. Até o câncer de pulmão pode aparecer em decorrência do tabagismo ou do contato constante com a poluição. Temos também a DPOC, que é uma doença bistrutiva, crônica, combinação do enfisema. Também temos a bronquiolite. Esses têm como principal sintomas um bloqueio das vias áreas que tornam a respiração difícil, bastante difícil, que também podem ser causadas pela poluição”.

O clínico Ferreira Junior destaca que esses problemas de saúde, que podem ser causados pela poluição industrial, se desenvolvem ao longo tempo. “Não existe um tempo pré-determinado, mas sabemos que quanto maior a exposição e o tempo exposto a ele, maior a chance de desenvolver uma doença pulmonar. O fato também é que a pré-disposição genética influencia nessa questão. Então assim, isso vai variar muito de pessoa a pessoa”, alertou.

Aline e Altamira, moradoras de Camaçari, reclamam do forte cheiro vindo do polo: dor de cabeça, ardência nos olhos e náuseas (Fotos: Sonilton Santos)

Queixas generalizadas

A auxiliar de enfermagem Altamira Encarnação, de 66 anos, nascida e criada em Camaçari, disse que sente muita dor de cabeça, náuseas e ardência nos olhos quando sente o cheiro forte vindo, de acordo com seu relato, do Polo Industrial. “A ardência nos olhos, geralmente, eu começo a sentir à tarde, e aí eu já percebo que quando começa a arder assim, à noite vai ter o mau cheiro. Aí a partir das 20h, aí começa o mau cheiro. Eu sinto muita dor de cabeça, náuseas e ardência nos olhos”, detalhou. Quando o mau cheiro a incomoda, ela toma algumas medidas para se proteger. “Geralmente, assim, eu fecho às portas, ligo o ventilador, as vezes como é a partir das 20h, as vezes acontece de eu já estar deitada, boto o lenço no nariz”.

O problema já fez a auxiliar de enfermagem pensar até em se mudar de Camaçari. “Já pensei sim, mas não mudei por falta de condições, porque aqui eu tenho a minha casa e não teria condições de ir para outro lugar sem ter uma moradia fixa, uma estabilidade. Aqui eu já tenho minha casa, meu trabalho, e não posso sair daqui para outro lugar sabendo que não ia ter condições de comprar [uma casa] em outra cidade, recomeçar tudo de novo”, argumenta Altamira.

As queixas não são apenas de de quem é nascido e criado em Camaçari. “Quando sinto o cheiro causado pela poluição do Polo, fico com a garganta seca e começo a tossir. Além da dificuldade de respirar, uma sensação ruim, pois quando esses sintomas atacam, não consigo dormir, além da dor de cabeça. Antes de morar em Camaçari, eu não sentia nada. A partir do momento que comecei a residir em Camaçari, comecei a sentir esses sintomas”, conta a auxiliar administrativa Viviane Santana da Silva, 27 anos, que reside na cidade desde março de 2023. Lembro da primeira vez que passei mal: estava dormindo e acordei com um cheiro forte e dificuldade para respirar. Levantei e tomei um copo com água. Deu uma aliviada, mas a cabeça começou doer”, detalha.

Assim como outros entrevistados, Viviane também afirma começa a sentir o forte cheiro e suas consequências a partir das 20h. “Eu sinto mais na parte da noite, umas 20h. O cheio é muito forte, aí já começo a me sentir mal”. Natural de Barbosa, zona rural de Santa Teresinha, a cerca de 100 quilômetros de Camaçari, Viviane, apesar de só ter se mudado há oito meses, já conhece a emergência do posto de saúde onde foi atendida com problemas respiratórios. “Fui para a emergência com infecção no pulmão e tosse muito forte. Tive que tomar alguns medicamentos fortes e a médica me recomendou a usar bombinha”, relata.

Diante desses problemas enfrentados, Viviane também tenta tomar algumas medidas para se proteger do forte odor. “Não tem muito o que fazer. Geralmente fecho as portas para impedir a entrada do odor, ligo os ventiladores para amenizar a situação e bebo bastante água”, conta a auxiliar administrativa. Antes de morar em Camaçari, eu não tinha nenhum problema de saúde e, depois que comecei a residir aqui, minha saúde não é mais a mesma. Só estou ainda na cidade de Camaçari, por causa do trabalho, mas se não fosse isso eu já tinha me mudado”, afirmou Viviane.

Sonilton Santos

Sonilton Santos é comunicólogo e jornalista. Baiano e camaçariense, já trabalhou nos principais sites do município de Camaçari (BA). Fã de esportes, principalmente futebol, tem experiência em coberturas políticas e esportivas. Além disso, acumula experiência também nas editorias de cultura, saúde, educação, economia e segurança. Admirador da natureza e aprendiz dela.

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