Segundo os especialistas envolvidos, essas ações, implementadas de forma estruturada, constituem uma proposta de vigilância ativa que poderia ser considerada um modelo para o enfrentamento da pandemia em favelas e dos territórios populares. “A partir do envolvimento de diversos parceiros, estamos conseguindo integrar a atenção básica, de maneira sistêmica, ao enfrentamento da pandemia na região, oferecendo uma cadeia completa de atendimento, desde a possibilidade de um diagnóstico precoce e acompanhamento clínico, até a testagem molecular e o rastreamento de contactantes”, explica Valcler Rangel, coordenador do projeto pela Fiocruz.
De acordo com Rangel, uma segunda etapa do projeto prevê que ele possa ser replicado em outras favelas e periferias como um modelo de intervenção para emergências em saúde pública já testado em nível local, sendo uma contribuição complementar ao que já vem sendo feito pelos poderes públicos, com o objetivo de atingir a integralidade e equidade em saúde e assistência social, em sintonia com os princípios estruturantes do Sistema Único de Saúde (SUS). “Começamos em duas favelas próximas: Manguinhos, 38 mil moradores, nossa vizinha; e Complexo da Maré, o maior do Rio, com 130 mil moradores. As comunidades faveladas precisam de atenção especial porque os índices de letalidade são maiores do que em outras áreas”, afirmou Valcler Rangel.
A expectativa é que a iniciativa possa deixar um legado nos territórios onde seja implementada, com bases técnicas para o desenvolvimento de ações de Vigilância Ativa em Saúde, a construção de expertise para estratégias de distanciamento social em favelas, consolidação de modelos de comunicação voltado para emergências em saúde e ações de teleatendimento em psicologia e medicina adequado às condições de populações vulnerabilizadas.
Clique para acompanhar a cobertura completa do #Colabora sobre a pandemia do coronavírus
Além do processamento das amostras, a Fiocruz atuará na coordenação do projeto e será responsável pela capacitação dos profissionais envolvidos, logística das etapas, doação de insumos para coleta e transporte das amostras para seus laboratórios. A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, explicou que a iniciativa se soma às estruturas de saúde que já existem. “É impossível pensar qualquer projeto nesta área sem uma forte articulação com o Sistema Único de Saúde. Deve ser vista como uma iniciativa de dentro do sistema. Como uma articulação de contribuição da sociedade civil com iniciativas do setor privado e, sobretudo, com a presença dos articuladores, das lideranças comunitárias”, destacou Nísia.
O médico Dráuzio Varella, representante da iniciativa Todos pela Saúde, participou do lançamento virtual e destacou a importância da liderança da Fiocruz no projeto por trazer credibilidade e também o conhecimento dos locais, já que a fundação atua nestas regiões há tempos. “Eu estou interessado neste trabalho e na maneira como isso pode ser repetido no Brasil afora, não apenas durante esta pandemia, mas em outras situações de saúde que temos no país”, destacou o médico.
Leia todas as reportagens da série #100diasdebalbúrdiafederal
A médica pneumologista Margareth Dalcomo, pesquisadora da Fiocruz, também acredita que este modelo possa ser exportado. Ela desenvolve trabalho com pesquisas e tratamento de tuberculose que, muitas vezes, só foi possível com a ajuda das lideranças locais. “Este projeto traz, sobretudo, o reconhecimento de que as lideranças comunitárias são muito importantes, são fundamentais para que tenhamos acesso às comunidades. Elas são legítimas representantes das pessoas e dos problemas que são mais prevalentes nestas comunidades”, afirmou Margareth Dalcomo.
Representantes das comunidades também participaram do lançamento virtual. “A pandemia distribuiu de forma desigual os riscos à saúde, porque boa parte das favelas sofre com deficiência no abastecimento de água. Vivemos aqui em Manguinhos quase dez dias sem água em meio à pandemia. E isso era muito crucial para garantir o cuidado e a higiene para combater o risco de contaminação. E também a emergência sanitária, com a falta de saneamento e habitação adequada e saudável, trouxe riscos maiores ainda”, afirmou Patrícia Evangelista, do Conselho Comunitário de Manguinhos.
A coordenadora das Redes Maré, Eliana Souza Silva, destacou que, muitas vezes, o cumprimento dos protocolos preconizados para a questão do coronavírus pode ser difícil para uma população em situação de vulnerabilidade. Por isso, existe a necessidade de pensar em estratégias adequadas para cada território. ““A testagem é muito importante para a gente tentar isolar as pessoas que precisam e criar as alternativas comunitárias para isso”, ressaltou Eliana.
A articulação de todos os parceiros envolvidos foi uma ação do União Rio, responsável por integrar esforços e expertises para a viabilidade do projeto: SAS Brasil, com a experiência de acompanhamento por telemedicina; Dados do Bem, com um aplicativo que permite a avaliação de sinais clínicos e epidemiológicos para testagem molecular, além de mapeamento de distribuição do vírus; Fiocruz, que coloca à disposição sua capacidade de produção e processamento de testes; e a Redes da Maré e o Conselho Comunitários de Manguinhos, responsáveis por toda a mobilização local. O Conexão Saúde: de olho na Covid recebeu cerca de R$ 1,6 milhões do Todos pela Saúde, iniciativa liderada pelo Itaú Unibanco que vem financiamento uma série de ações para o enfrentamento da pandemia.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]A série #100diasdebalbúrdiafederal terminou, mas o #Colabora vai continuar publicando reportagens para deixar sempre bem claro que pesquisa não é balbúrdia.
[/g1_quote]