É alarmante a situação de insegurança alimentar entre os índios Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul (MS). Subnutrição e fome acompanham a trajetória dessa população, que vive ilhada em pequenos pedaços de terra, sem acesso aos territórios tradicionais. Acuados por monoculturas, especialmente commodities como soja e cana-de-açúcar, que demandam o uso intensivo de agrotóxicos, e ainda sem acesso aos mecanismos tradicionais de mercado, dependem da caça, da pesca e da agricultura de subsistência para sobreviverem. Eles vivem sem terra, não têm acesso à alimentação e à saúde, e ainda são privados do direito à educação.
Uma pesquisa inédita, que analisa a insegurança alimentar considerando tanto o direito de estar livre da fome quanto o direito à alimentação e à nutrição adequadas, concluiu que todas as famílias Guarani Kaiowá, que vivem no Sul do estado, sofrem com algum grau de insegurança alimentar – índice que analisa o acesso a alimentos em quantidade e qualidade adequadas por comunidades e grupos sociais. Para entender a gravidade da situação, basta olhar o índice referente a média da insegurança alimentar no país: 22,6%, segundo o IBGE, contra 100% entre os Guarani Kaiowá.
“É uma prova inequívoca da gravidade da discriminação, do abandono e do descaso do Estado brasileiro”, avalia Lucas Prates, assessor de Direitos Humanos da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (Fian Brasil), e um dos pesquisadores envolvidos no estudo “Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá – um enfoque holístico”. O levantamento contou ainda com o apoio da Fian Internacional, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da professora Ana Segall, da Unicamp, que adaptou a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar e Nutricional (EBIA) para a população indígena. A pesquisa será divulgada até o final do ano. Por enquanto, está disponível apenas um resumo do estudo.
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Veja o que já enviamosO principal problema, entre os Guarani Kaiowá, é a questão do acesso aos territórios. Por isso que muitos passam fome e dificuldades. Estamos sendo massacrados por todos os lados. Nas retomadas, as famílias não têm acesso a água potável, e os fazendeiros jogam veneno nos rios, o que não deixa de ser uma forma de nos despejar
[/g1_quote]A pesquisa foi realizada em 2013 junto a 96 domicílios das comunidades indígenas Guaiviry, Ypoí e Kurusu Ambá, onde vivem 360 pessoas, das quais 46% delas têm menos de 15 anos.
O estudo verificou ainda que 42% das crianças menores de cinco anos sofriam de desnutrição crônica, apresentando baixa estatura para a idade. O mesmo índice, se consideradas as crianças indígenas de todo o Brasil, é de 26%; e, se consideradas as crianças não indígenas, o índice, ainda grave, cai para 6,8% – um sexto do registrado entre as comunidades Guarani Kaiowá pesquisadas. A desnutrição aguda em crianças menores de cinco anos, que apresentam baixo peso para sua idade, é igualmente alarmante entre os Guarani Kaiowá, chegando a 9,1% das crianças pesquisadas. Cinco vezes superior ao registrado entre os pequenos não indígenas, cujo índice é de 1,8%.
Massacre como regra
“O principal problema, entre os Guarani Kaiowá, é a questão do acesso aos territórios. Por isso que muitos passam fome e dificuldades. Estamos sendo massacrados por todos os lados. Nas retomadas, as famílias não têm acesso a água potável, e os fazendeiros jogam veneno nos rios, o que não deixa de ser uma forma de nos despejar”, denuncia Eliseu Lopes, uma das lideranças Guarani Kaiowá.
O estudo identificou que, nas três comunidades, a situação precária da vida sem a efetiva demarcação do território tradicional complementa e determina a realidade de insegurança alimentar, com muitas das famílias vivendo sob barracos de lona e com severa dificuldade de acesso a água potável, em função da contaminação dos rios próximos por agrotóxicos utilizados pelas fazendas que estão sobrepostas às terras indígenas.