Gripe aviária: surto nos EUA aumenta risco de mutações e transmissão entre humanos

Bióloga especializada em empidemiologia, Ana Gorini da Veiga analisa avanço de casos e alerta para perigo de vírus se tornar mais transmissível

Por Micael Olegário | ODS 3 • Publicada em 17 de fevereiro de 2025 - 09:55 • Atualizada em 19 de fevereiro de 2025 - 10:45

Aumento do preço dos ovos fez preços saltarem nos Estados Unidos; milhares de aves doentes tiveram de ser abatidas (Foto: Moisés Ávila / AFP)

O aumento dos casos de gripe aviária nos Estados Unidos e a identificação de uma nova cepa do H5N1 em bovinos – com o genótipo D1.1 – têm gerado alertas sobre os riscos globais da doença. Nesta terça-feira (11/02), o Distrito de Saúde Central de Nevada confirmou que um trabalhador rural foi contaminado após exposição a vacas doentes no Condado de Churchill, em Nevada. Além da morte de animais, a disseminação para outras espécies eleva o risco de adaptação do vírus a novos hospedeiros.

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Desde abril do ano passado, 68 pessoas foram contaminadas pelo vírus nos Estados Unidos, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Em dezembro, a Califórnia chegou a ficar em estado de emergência devido ao aumento dos casos de gripe aviária entre trabalhadores do setor de laticínios. O surto tem causado uma “crise dos ovos”, devido à necessidade de abater aves para evitar a disseminação da doença. Em Nova York, o preço da dúzia de ovos chegou a US$ 7,34 (R$42,41), com supermercados limitando a compra em apenas uma dúzia por pessoa.

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Qual é o grande medo? Que o vírus H5N1, que é altamente patogênico, sofra uma mutação e passe a infectar as células do trato respiratório superior, tornando-se também mais transmissível

Ana Gorini da Veiga
Professora da UFCSPA e bióloga molecular

O vírus da gripe aviária pertence ao grupo da Influenza A, sendo classificado como subtipo H5N1. Geralmente, esse vírus é mais encontrado em aves migratórias e silvestres e, em geral, a chance de transmissão entre humanos é remota. Assim, no contexto atual, ainda não existem indicativos para uma pandemia, a exemplo do que ocorreu com o H1N1, causador da gripe espanhola, e o “H1N1pdm09”, subtipo responsável pela chamada gripe suína, em 2009.

“Há vários vírus influenza A que infectam aves e dificilmente infectam humanos, porém existe um risco de eles sofrerem uma mutação e aumentar sua adaptabilidade para as células humanas”, explica Ana Beatriz Gorini da Veiga, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e pesquisadora na área de epidemiologia molecular de vírus influenza A e outros vírus respiratórios.

Em entrevista ao #Colabora, a bióloga molecular explica os diferentes detalhes que envolvem o comportamento do vírus, o que representa o surto de casos nos Estados Unidos, além de estratégias que deveriam ser adotadas no Brasil. “Para a gripe aviária, o mais importante seria existir um monitoramento ativo, o que é muito difícil e logisticamente complexo”, aponta Ana Gorini.

Foto colorida de Ana Gorini da Veiga ao lado de uma tela de datashow e quadro de uma sala de aula
Bióloga molecar pesquisa sobre características do vírus da Influenza A; risco de mutações é um dos principais temores globais (Foto: Arquivo Pessoal)

#ColaboraQuais são as características do vírus da Influenza A e seus diferentes tipos, como o H5N1?

Ana Gorini da Veiga: O vírus influenza é um patógeno que infecta células do epitélio respiratório (tecido que inclui as células das vias aéreas, desde a cavidade nasal até os brônquios) e tem diferentes tipos, como influenza A, B e C. O influenza C não causa quase nada nos seres humanos. O influenza B só infecta seres humanos – é um vírus que se todo mundo se vacinasse e se cuidasse, poderia ser erradicado. O vírus influenza A é o mais estudado e tem afinidade por células de diferentes animais, com vários hospedeiros, inclusive o ser humano. 

O reservatório natural – os animais que mais tem vírus influenza A – são as aves, principalmente aves migratórias e aquáticas. Regiões como o sul do Brasil combinam clima frio e rota de aves migratórias, fatores estes que contribuem para um grande número de casos de gripe influenza.

O vírus influenza tem o genoma com oito moléculas de RNA dentro do vírus. É um vírus de RNA, lembrando que os vírus de RNA são muito mais sujeitos a mutações do que os vírus de DNA. O genoma viral carrega informação para várias proteínas, duas das quais – hemaglutinina (H) e neuraminidase (N) – encontram-se na superfície externa do vírus, sendo as primeiras proteínas que o nosso sistema imune identifica, produzindo anticorpos. Por isso que eles têm o nome de H e N, como o H5N1, que é o aviário. Para ter uma ideia, existem 18 “H” diferentes e 11 “N”. Cada subtipo desses surge devido a um rearranjo dos segmentos genômicos dos vírus.

Foto colorida de fazenda de leite com vacas pastando em frente a um galpão
Califórnia declarou situação de emergência por conta de casos de gripe aviária em fazendas de gado leiteiro (Foto: Justin Sullivan/Getty Images via AFP)

#ColaboraComo surgem novos subtipos desses vírus?

Ana Gorini da Veiga: Uma mesma célula pode ser infectada por dois vírus Influenza A, como H1N1 e H3N2. Dentro da célula, esses vírus liberam o material genético e montam uma nova partícula viral. Se, por um acaso, existirem dois ou mais subtipos diferentes do vírus em uma mesma célula, pode ocorrer um rearranjo dos segmentos genômicos quando a nova partícula viral é montada.

Outra forma são as mutações normais que acontecem num único tipo ou subtipo do vírus. Digamos o próprio H1N1: ao entrar na célula e se replicar, ele sofre mutações. Dependendo da mutação que ocorre, um dos genes pode formar uma proteína que tem uma maior patogenicidade, ou uma maior afinidade por um hospedeiro que antes ele não infectava. É esse o perigo. Considerando os vários vírus que infectam aves e dificilmente infectam humanos, existe um risco de eles sofrerem uma mutação que confira adaptabilidade para as células humanas.

Qual é o grande medo? Que o vírus H5N1, que é altamente patogênico, sofra uma mutação e passe a infectar as células do trato respiratório superior, tornando-se também mais transmissível. Por enquanto, ele é mais difícil de transmitir de humano para humano. No caso das aves aquáticas, o problema é quando entram em contato com as granjas e esses animais têm de ser abatidos para evitar a contaminação pelo consumo humano. 

Outro dado importante é que os suínos têm alta afinidade para todos esses tipos, tanto o que infecta o humano como o que infecta a ave. O porco é o reservatório ideal para o surgimento desses novos subtipos. Foi o que aconteceu em 2009 com o H1N1, da gripe Influenza, em que houve rearranjo genético entre diferentes subtipos em uma célula suína, o que fez surgir o novo H1N1.

#ColaboraQuais os principais riscos que o surto de gripe aviária nos Estados Unidos representa para o Brasil?

Ana Gorini da Veiga: Por exemplo, aqui no Sul – tanto o Rio Grande do Sul, quanto Santa Catarina – possuem uma grande produção de frango. O risco é econômico e também de saúde para as pessoas que trabalham nesses setores. É necessário ter uma vigilância muito grande, principalmente do ponto de vista de sanidade animal e fiscalização.

Outro ponto importante não só sobre a gripe aviária, mas da Influenza em geral, principalmente H1N1, H3N2 e influenza B, é em relação à vacina. Em todos esses anos de estudo e acompanhamento dos casos, o percentual de pessoas vacinadas que morrem é baixíssimo. Para idosos, imunossuprimidos, crianças e demais grupos de maior risco, esses aspectos epidemiológicos são importantes tanto do ponto de vista de saúde pública, quanto de saúde do paciente. A vacinação protege contra quadros graves da doença e, principalmente, a morte.

Agora, em relação a esses casos nos Estados Unidos, o comércio aviário e de proteína aviária é constante. Inclusive, temos dito que o H5N1 não é passageiro ou temporário, ele veio e aí está. É algo que não temos verba e estrutura logística, mas seria importante ter uma vigilância ativa. 

Tem a vigilância passiva – quando uma pessoa tem um sintoma e procura um posto de saúde, ou um granjeiro que identifica aves doentes e procura a secretaria de saúde animal para fazer uma investigação do caso. É diferente da vigilância ativa, que é quando o sistema de saúde ou de agropecuária vai nesses locais e faz uma avaliação da situação da zona rural e dos locais de produção. Isso seria importante, uma vez por semana, ou por mês; mas é praticamente impossível, principalmente considerando a quantidade de pessoas que tem produção rural no Brasil.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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