A primeira semana de janeiro de 2022 bateu todos os recordes negativos do número de pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 no mundo. No feriado do dia 01/01 foram 1,13 milhão de casos, no domingo dia 02/01 foram 868 mil casos, nos quatro dias seguintes foram pouco mais de 2,5 milhões de casos e no dia 07/01 foram 2,88 milhões de casos (recorde absoluto desde o início da pandemia). A alta transmissibilidade da variante Ômicron tem sido a responsável por este surto pandêmico assombroso e singular.
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O gráfico abaixo, do site Our World in Data com dados compilados pela Universidade Johns Hopkins, mostra que o número de pessoas contaminadas pela covid-19 aumentou praticamente durante todo o ano de 2020, mas o primeiro grande pico da pandemia ocorreu em 11 de janeiro de 2021 com 745 mil casos diários. O segundo e maior pico (até então) ocorreu em 28 de abril de 2021 com 827 mil casos diários. O terceiro pico, um pouco menor do que os anteriores, ocorreu em 26/08/21, com 662 mil casos diários. Entre setembro e outubro de 2021 o número de casos caiu e a pandemia parecia arrefecer. Mas dezembro apresentou um repique e 2022 começou com a maior média de todo o período. No dia 07 de janeiro a média móvel de 7 dias chegou à impressionante marca de 2,14 milhões de casos (quase 3 vezes o maior pico anterior).
Lastimavelmente, este número deve subir bastante nas próximas semanas e deve ultrapassar rapidamente a casa de 3 milhões de casos diários (registrados e não registrados), segundo as projeções do Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação (IHME) da Universidade de Washington, nos EUA.
Porém, todo este tsunami de infecções representa um coeficiente global de incidência de 271 casos por milhão de habitantes (no maior pico anterior foram 104 casos globais por milhão). Existem países com grande peso demográfico onde a incidência está abaixo da média mundial. No dia 07/01/2022, a China apresentou coeficiente de somente 0,11 caso por milhão; a Indonésia, 1,27 caso por milhão, e a Índia, 52 casos por milhão de habitantes.
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Veja o que já enviamosMas o quadro é muito preocupante, particularmente, em alguns países como mostrado no gráfico abaixo. No dia 07/01, a Argentina apresentou coeficiente de 1,5 mil casos por milhão, os EUA tiveram 2 mil casos por milhão, a Austrália registrou 2,5 mil casos por milhão, e a França, assustadores 3,3 mil casos diários por milhão de habitantes (12 vezes mais do que o coeficiente mundial).
A notícia boa é que a média de mortes não acompanhou o grande surto de casos. A média global de vidas perdidas para a covid-19, que teve o seu pico máximo em 14,7 mil óbitos diários em 26 de janeiro de 2021, caiu para 8 mil óbitos na primeira semana de dezembro de 2021 e teve uma nova redução para menos de 6 mil mortes na primeira semana de janeiro de 2022.
Assim, a variante Ômicron tem se revelado mais transmissível, porém, tem gerado menos internações e menos mortes. Todos os países apresentados no gráfico anterior também apresentam médias de mortes bem abaixo dos picos anteriores.
O panorama nacional
O Brasil vive um apagão de dados por parte do Ministério da Saúde que não tem atualizado as informações sobre a covid-19 desde a segunda semana de dezembro do ano passado. Na ausência de dados oficiais por parte do governo federal, vamos recorrer aos dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), que, no dia 08 de janeiro de 2022, registrou o número acumulado de 22.499.525 pessoas infectadas e 619.937 vidas perdidas no país.
O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de casos no território nacional entre 07/03/2020 e 08/01/2022 e a média móvel de 7 dias. Desde o início de março de 2020, o número de pessoas infectadas cresceu continuamente até o pico de 45 mil casos no começo de agosto. Nas semanas seguintes os números caíram para menos de 20 mil na primeira semana de novembro de 2020. Mas os casos voltaram a subir no restante do mês e, com uma pequena redução no final de ano, atingiu o pico máximo no final de março de 2021, com média móvel acima de 77 mil casos diários. A média caiu para cerca de 60 mil em maio e voltou a subir para a casa dos 70 mil casos diários em junho. Porém, desde julho os números caíram persistentemente e a média móvel ficou em torno de 3 mil casos diários no Natal de 2021. Mas em 14 dias o número de pessoas infectadas aumentou 8 vezes no Brasil e a média chegou a 29,7 mil casos no dia 08/01/2022.
Neste ritmo, dificilmente o Brasil conseguirá evitar um novo surto covídico. O mais provável é que aconteça o que está se passando nos EUA, na França, na Austrália e na Argentina (como mostrado em gráfico anterior). Segundo as projeções do Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação (IHME), o Brasil pode ultrapassar 1 milhão de casos diários, conforme mostrado no gráfico abaixo. Nota-se que países como Argentina, Austrália e França, que vivem ondas inéditas de infecções, possuem taxas de vacinação superiores às do Brasil.
Afortunadamente, o número de mortes não tem acompanhado o surto dos últimos 14 dias no Brasil. O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de óbitos no território nacional entre 21/03/2020 e 08/01/2022 e a média móvel de 7 dias. Nota-se que o número de vidas perdidas cresceu rapidamente desde o primeiro óbito em meados de março de 2020 até o final de maio quando ficou acima de 1 mil vítimas fatais diárias e se manteve neste patamar elevado até o pico de 1.061 óbitos no final de julho. Entre agosto e outubro a média caiu para um patamar em torno de 400 óbitos diários, mas subiu no mês de novembro e chegou no pico acima de 3 mil mortes diárias em abril de 2021. Porém, a média móvel caiu acentuadamente no segundo semestre do ano passado e ficou abaixo de 100 óbitos diários na virada do ano. No dia 08 de janeiro de 2022 a média móvel estava em 119 óbitos diários.
A variante Ômicron tem se mostrado menos virulenta e menos letal, especialmente em relação às pessoas com vacinação completa. Desta forma, a ampliação do processo de imunização e os cuidados de prevenção podem evitar a repetição da tragédia que ocorreu nas ondas anteriores. Desta forma, a despeito da elevação do número de casos, o próprio Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação (IHME) projeta a manutenção de patamares baixos do número de mortes pela covid-19 no Brasil.
A pandemia e o decrescimento populacional das cidades do Rio de Janeiro e Porto Alegre
A pandemia da covid-19 afetou a dinâmica demográfica brasileira de várias formas, em especial, aumentando o número de óbitos e diminuindo o número de nascimentos. Afetou também a migração, mas com o adiamento do censo demográfico brasileiro, o IBGE não dispõe de informações atualizadas sobre os deslocamentos internos.
O gráfico abaixo, com dados do Portal da Transparência do Registro Civil, mostra que, antes da pandemia (em 2019), foram registrados 2,8 milhões de nascimentos e 1,28 milhão de óbitos no país, com um crescimento vegetativo de 1,53 milhão de pessoas. Mas, em 2020, o número de nascimentos caiu para 2,64 milhões de bebês e o número de óbitos subiu para 1,47 milhão, com crescimento vegetativo de 1,17 milhão de pessoas. Em 2021, o número de nascimentos caiu ainda mais para 2,62 milhões e o número de óbitos subiu para 1,73 milhão, resultando em um crescimento vegetativo abaixo de 1 milhão de pessoas.
Cabe destacar que, em 2021, o número de 2,642 milhões de nascimentos do Brasil é o menor desde 1954 e o número de 1,73 milhões de óbitos é o maior de toda a história brasileira. Em consequência, o crescimento vegetativo de 893 mil pessoas é o menor desde o início da década de 1940.
Com o fim da pandemia, provavelmente, haverá redução dos óbitos e aumento dos nascimentos, mas dentro do marco da transição demográfica. Ou seja, o período de crescimento populacional contínuo da população brasileira vai se reduzir até zerar e se inverter. Nas próximas duas décadas o Brasil terá aumento da população, mas em ritmo cada vez mais lento. Com menores taxas de fecundidade, a base da pirâmide etária vai diminuir e haverá um aumento do envelhecimento populacional. Assim, em algum momento da década de 2040 (ou até um pouco antes) haverá um contínuo e persistente processo de decrescimento demográfico no país.
Para o Brasil como um todo houve redução do crescimento populacional nos dois anos da pandemia, mas em duas capitais brasileiras a covid-19 trouxe de imediato o decrescimento demográfico. As estimativas do IBGE, realizadas com bases nas projeções populacionais de 2018, indicaram uma população de 6,75 milhões de habitantes na cidade do Rio de Janeiro em 2020 e 6,78 milhões em 2021, com um crescimento de 27,8 mil pessoas de um ano para o outro. Mas a pandemia mudou a situação. O gráfico abaixo, com dados do Portal da Transparência do Registro Civil, mostra que houve um decrescimento demográfico em 2020 (de 3.841 pessoas) e um decrescimento ainda maior em 2021, com a redução de 6.845 pessoas em 2021.
Para Porto Alegre, as estimativas do IBGE indicaram uma população de 1,488 milhão de habitantes em 2020 e 1,492 milhão em 2021, com um crescimento de 4,3 mil pessoas de um ano para o outro. Mas a pandemia também mudou o quadro e o gráfico abaixo mostra que houve um decrescimento demográfico em 2020 (de 1.557 pessoas) e um decrescimento ainda maior em 2021, com a redução de 6.882 pessoas em 2021 na capital gaúcha.
Esta nova realidade que se expressa na tendência de redução do ritmo de crescimento populacional e até no decrescimento demográfico parece ser inexorável, mesmo na hipótese de aumento do fluxo imigratório. Como a população em idade de trabalhar representará uma menor proporção da população nacional, o 1º bônus demográfico chegará ao fim, mas a alternativa será aproveitar o 2º bônus demográfico (que requer aumento da produtividade), como mostrei no webinário “Tendências demográficas e pandemia de covid-19”, no Ipea (23/06/2021).
O Brasil tem grandes desafios pela frente e, neste ano de comemoração dos 200 anos da Independência, é um bom momento para se avaliar o novo cenário demográfico e social do país para se debater as alternativas para superar os possíveis entraves e para aproveitar as novas oportunidades que se vislumbram no horizonte.
Frase do dia 09 de janeiro de 2022
Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos
José Saramago (1922-2010)