Katia Brasil e Elaíze Farias*
A Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira, localizada no noroeste do Amazonas, informou neste domingo (26) que notificou os dois primeiros casos de novo coronavírus em moradores da cidade: um professor indígena da etnia Baniwa, de 44 anos, e uma militar funcionária do Hospital de Guarnição do Exército Brasileiro. Segundo nota do Ministério da Defesa, o indígena está hospitalizado com Síndrome Respiratória Aguda Grave por Covid-19. São Gabriel da Cachoeira – a 850 quilômetros de Manaus, na fronteira com Colômbia e Venezuela – tem a maior população indígena do país, com, pelo menos, 25 mil indígenas de 23 etnias.
O Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira (HGuSGS) do Exército é o único do município, A agência Amazônia Real apurou que não tem Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no hospital, que conta com apenas sete respiradores para atender os pacientes. O médico Guilherme Monção, do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Ministério da Saúde, disse à reportagem que o professor Baniwa deu entrada no hospital com dificuldade respiratória e precisou ser entubado. O teste rápido confirmou o novo coronavírus no paciente.
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Veja o que já enviamosSem a UTI, os casos graves, como o do indígena Baniwa, precisam ser encaminhados para Manaus. A capital do Amazonas é o epicentro da pandemia no Norte do país com 2.722 casos confirmados e 245 mortes por Covid-19. “O paciente [indígena Baniwa ] se encontra em estado grave, em uso de ventilação mecânica, com programação de evacuação para Manaus via transporte aeromédico UTI”, disse a nota do Ministério da Defesa, que não informou a data e nem o horário da remoção.
[g1_quote author_name=”Guilherme Monção” author_description=”Médico do Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro do ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Nós não vamos conseguir controlar as comunidades. Porque a gente quer saber quais delas têm o coronavírus, quais não têm, quais a gente trabalha com isolamento de comunidade ou isolamento de paciente. A nossa realidade é diferente, é de comunidade indígena. É de difícil acesso, requer toda uma logística.
[/g1_quote]Sobre a paciente militar, o ministério diz que ela “é residente há três anos em São Gabriel e não tem histórico de viagem recente para área de transmissão comunitária de Covid-19”. O órgão não explicou como iniciou o contágio. A “paciente segue em isolamento domiciliar, quadro clínico estável, em progressiva melhora sintomatológica”, diz a nota, destacando que o teste que confirmou o novo coronavírus foi realizado em tempo real para SARS-CoV2 pelo Laboratório Lacen do Amazonas.
São Gabriel da Cachoeira tem uma população de mais de 45 mil habitantes, segundo a taxa atualizada do Censo do IBGE. Desse total, pelo menos 25 mil são indígenas, segundo a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn); o IBGE calcula 29 mil. São 23 etnias, entre elas, Arapaso, Baniwa, Barasana, Baré, Desana, Hupda, Karapanã, Kubeo, Kuripako, Makuna, Miriti-tapuya, Nadob, Pira-tapuya, Siriano, Tariano, Tukano, Tuyuka, Wanana, Werekena e Yanomami. Esses povos vivem em cerca de 750 comunidades, numa área de 108 mil quilômetros quadrados denominada de Alto Rio Negro.
Por ser uma região de fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela, as Forças Armadas tem grande presença militar com a 2ª Brigada de Infantaria de Selva, o Comando de Fronteira Rio Negro, o 5º Batalhão de Infantaria de Selva, entre outros destacamentos, além de aeroporto e porto fluvial.
De acordo com a prefeitura, 120 pessoas estão sendo monitoradas pela equipe de epidemiologia por suspeitas de coronavírus. Após o anúncio dos dois casos confirmados de Covid-19, o município baixou um decreto de toque de recolher restringindo o acesso da população aos estabelecimentos comerciais abertos. Apenas serviços essenciais estão funcionando. Quem circular nas ruas pode pagar multa no valor de R$ 130,52, do dia 26 de abril até 11 de maio, das 21h às 6h. O decreto, assinado pelo prefeito Clovis Moreira Saldanha (PT), determinou também o uso de máscaras e o confinamento domiciliar obrigatório em todo o território.
Antes da confirmação dos primeiros casos de Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira, a população indígena do Alto Rio Negro já estava realizando prevenção pela radiofonia, conforme publicou a Amazônia Real. Mais de 210 comunidades recebem informações da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) todos os dias sobre a doença, que já contaminou mais de dois milhões de pessoas no mundo inteiro, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)
[g1_quote author_name=”Marivélton Baré” author_description=”Presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Aqui não tem UTI. Manaus está um caos, é mais risco ainda, pode ficar pior. É preciso uma estrutura mínima necessária ou um hospital de campanha em São Gabriel da Cachoeira
[/g1_quote]O médico Guilherme Monção – que participa do projeto de radiofonia da Foirn – explicou que as comunidades indígenas devem receber maior atenção das autoridades públicas devido ao risco da pandemia e da necessidade de ter tratamento dos casos graves para Manaus, onde o sistema de saúde colapsou: a capital do Amazonas tinha, no domingo, 2722 caos confirmados de covid-19, com 246 mortes.
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“Nós não vamos conseguir controlar as comunidades. Porque a gente quer saber quais delas têm o coronavírus, quais não têm, quais a gente trabalha com isolamento de comunidade ou isolamento de paciente. A nossa realidade é diferente, é de comunidade indígena. É de difícil acesso, requer toda uma logística. A gente não pode ter essa dúvida”, diz o médico, que trabalha no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Alto Rio Negro e integra o Comitê de Enfrentamento e Combate à Covid-19, criado pela Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira.
O temor da pandemia nas aldeias
Marivelton Baré, presidente da Foirn, disse à Amazônia Real que é necessário que as autoridades públicas brasileiras viabilizem equipamento necessário para que os atendimentos de pacientes de Covid-19 sejam realizados em São Gabriel da Cachoeira, para evitar a transferência para Manaus. “Aqui não tem UTI. Manaus está um caos, é mais risco ainda, pode ficar pior. É preciso uma estrutura mínima necessária ou um hospital de campanha em São Gabriel da Cachoeira”, disse a liderança, que coordena o Comitê de Enfrentamento e Combate à Covid-19 do município e é formado por organizações indígenas, órgãos públicos municipais e federais e instituições, tais como Foirn, Funai, Sesai, Exército, Força Aérea Brasileira e Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira.
Conforme Marivelton, a preocupação com a chegada da doença a São Gabriel da Cachoeira ficará mais intensa para que a Covid-19 não chegue nas aldeias indígenas. “Passamos radiofonia para os distritos, mandando mensagem para onde tem internet, para falar sobre prevenção, para que não saiam das aldeias. O Dsei realiza trabalho de prevenção, mas, uma vez a doença chegando nas aldeias, será uma situação muito ameaçadora. Se chegar, vai ser mais do que um Deus nos acuda. Por isso quem está na cidade, não poderá sair, e quem está aldeia, que fique onde está”, afirma.
O presidente da Foirn também falou que ainda é preciso investigar como os dois casos de covid-19 foram transmitidos; ou seja, se o vírus está circulando de forma comunitária ou não. Daí a necessidade de mais rigor nas ações de barreiras de quem chega aos municípios do Alto Rio Negro.
“A gente vem fazendo várias barreiras. Ontem mesmo vimos uma voadeira que veio de Manaus. As pessoas [da voadeira] pararam em Barcelos, almoçaram lá. Depois pararam em Santa Isabel do Rio Negro e ainda tiveram contato em um sitio próximo. Tinha uma pessoa que estava com síndromes gripais. Mas foi feito isolamento dela. Também tivemos problemas com pessoas que chegaram de aviões. Isso nos deixou bastante chateados. Por isso pedimos mais rigor”, disse.
Sesai não atende indígenas nas cidades
No país, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, de 13 de março até este domingo (26 de abril) foram confirmados 85 casos de Covid-19 entre indígenas atendidos pelos Distritos Sanitário Especiais (Dseis), sendo 81 no Amazonas: Dsei Manaus (19 casos), Dsei Alto Solimões (42), Dsei Parintins (17) e Dsei Médio Purus (3).
[g1_quote author_name=”Marivélton Baré” author_description=”Presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Aqui 90% da cidade é indígena. O Dsei é do SUS. Tanto que mostrou um modelo diferenciado de trabalho de prevenção contra a covid-19 aqui em São Gabriel. E por isso passamos 37 dias combatendo para que o vírus não chegasse. A maioria daqui é indígena, isso tem que contar. Ainda mais nesse momento de pandemia
[/g1_quote]Na Amazônia brasileira, a Covid-19 é responsável pelas mortes de 7 indígenas, mas apenas quatro deles é reconhecido pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde, porque os outros três não moravam em aldeias. Das quatro mortes notificadas pela Sesai, três foram no Amazonas: um ancião do povo Tikuna, uma mulher Kokama e um tuxaua Sateré-Mawé. A outra morte é de um jovem Yanomami, em Roraima. Também vieram a óbito um indígena do povo Mura e um indígena Baniwa, que moravam em Manaus, e uma indígena da etnia Borari, de Alter do Chão, no Pará.
A população indígena que mora nas áreas urbanas não é atendida pela estrutura de Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), por isso os dados de suas mortes não estão na estatística da Sesai, como é o caso do indígena Baniwa que está em estado grave em São Gabriel da Cachoeira.
O secretário da Sesai, Robson Silva, declarou em outras entrevistas que neste caso, os indígenas do contexto urbano são atendidos pelas unidades do SUS (Sistema Único de Saúde). Neste domingo, a Amazônia Real procurou novamente Robson Silva para saber se, no caso de São Gabriel da Cachoeira, onde a maioria é indígena, haveria alguma atenção diferenciada. Ele disse que “a Sesai vai atuar sempre do que prevê a legislação” e enfatizou: “o que a legislação prever, nós faremos. A legislação não tiver previsão, não podemos atuar”.
Marivelton Baré discorda do secretário da Sesai. Para ele, diante de uma pandemia, é papel de todos os entes federativos atuar na saúde da população indígena, independente onde o doente resida.
“Aqui 90 por cento da cidade é indígena. O Dsei é do SUS. Tanto que mostrou [o Dsei] um modelo diferenciado de trabalho de prevenção contra a covid-19 aqui em São Gabriel. Um conjunto de instituições juntos. E por isso passamos 37 dias combatendo para que o vírus não chegasse. Não dá para a Sesai ficar todo esse tempo com esse discurso. A maioria daqui é indígena, isso tem que contar. Ainda mais nesse momento de pandemia. O índio em contexto é indígena”, afirmou o coordenador da Foirn.
*Da Amazônia Real