Com pandemia, fome e obesidade avançam na América Latina e Caribe

Relatório de agências da ONU destaca que região tem o maior custo de acesso a uma alimentação saudável em comparação com o resto do mundo

Por Oscar Valporto | ODS 2ODS 3 • Publicada em 18 de janeiro de 2023 - 14:00 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:44

Crianças trabalham em feira livre no Brasil: fome avançou na América Latina e Caribe durante a pandemia, mas outras formas de má nutrição, como obesidade e sobrepeso, também (Foto: Ministério do Trabalho)

A fome avançou 28% na região da América Latina e do Caribe durante a pandemia. Mas, para além da insegurança alimentar, também aumentaram outras formas de má nutrição, como sobrepeso e obesidade, como destaca o Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e no Caribe 2022, elaborado por agências da ONU. “O Panorama 2022 analisa o custo e a acessibilidade de dietas saudáveis e destaca os desafios que a região enfrenta para melhorar sua acessibilidade e sua associação com a fome e a desnutrição em todas as suas formas, bem como políticas de resposta”, explicou Mario Lubetkin, coordenador regional para América Latina e Caribe, da Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) das Nações Unidas, durante o lançamento do relatório pelo canal da FAO no YouTube e outras plataformas.

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De acordo com o estudo, a região registra o maior custo de uma alimentação saudável em comparação com outras regiões do mundo; na América Latina e Caribe, o custo de uma dieta saudável chega a US$ 3,89 por pessoa por dia, enquanto a média mundial é de US$ 3,54. Como consequência, na região, 131 milhões de pessoas não têm acesso a esse tipo de alimentação. “Há uma ligação fundamental entre a qualidade da dieta e a segurança alimentar e nutricional”, afirma o relatório. “A falta de acesso econômico a uma alimentação saudável está relacionada a diferentes formas de desnutrição como: desnutrição, retardo de crescimento e sobrepeso em crianças menores de 5 anos, anemia em mulheres entre 15 e 49 anos e obesidade entre as população adulta”, acrescenta o estudo.

Além da FAO, o Panorama 2022 teve a participação do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (WFP, na sigla em inglês) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). “A fome e a insegurança alimentar afetam de maneira desigual os diferentes grupos, avançando mais entre as mulheres, as crianças, as afrodescendentes, os povos indígenas – os grupos mais vulneráveis. E também as outras formas de má nutrição atingem a população de forma desigual”, alertou Lola Castro, diretora regional do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe no lançamento do relatório.

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Insegurança alimentar avança na pandemia

O Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e no Caribe 2022 alerta que a fome e a insegurança alimentar têm aumentado na região desde 2014, mas atingiu seus níveis mais altos durante a pandemia de covid-19. As estatísticas mostram que a prevalência da fome na região aumentou de 5,8% em 2015 para 8,6% em 2021 – porcentagem um pouco abaixo da média global de 9,8% em 2021. “Mas o aumento na proporção de pessoas passando fome durante a pandemia foi maior do que o aumento a nível mundial. Entre 2019 e 2021, a prevalência regional da fome aumentou 28%, em comparação com um aumento global de 23%”, destaca o relatório.

Em 2021, a insegurança alimentar afetou 40% das pessoas na América Latina e no Caribe, em comparação com um índice global de 29,3%. No Brasil, de acordo com 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, elaborado pela Rede Penssan em 2022,  mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau. Algumas disparidades do caso brasileiro repetem-se em toda a região. “Existem disparidades específicas de gênero na insegurança alimentar, com mais mulheres afetadas negativamente do que homens, atingindo níveis mais altos na região do que no mundo. Essas tendências preocupantes de insegurança alimentar podem ser parcialmente explicadas pelo fato de a região ter o maior nível de desigualdade do mundo e ter sido fortemente afetada pela pandemia, que afetou desproporcionalmente as mulheres”, aponta o estudo das agências da ONU.

O relatório indica ainda que, entre 2019 e 2021, a fome aumentou mais na América do Sul (11 milhões de pessoas a mais), chegando a 7,9% da população. Na América Central, a prevalência da fome  foi de 8,4% (1,6 milhão de pessoas a mais) e no Caribe de 16,4% (0,6 milhão de pessoas a mais). De acordo com o Panorama 2022, o aumento maior da insegurança alimentar moderada ou grave entre 2019 e 2021 na América Latina e no Caribe do que no mundo pode ser explicado pelos efeitos econômicos da pandemia. “A região foi uma das mais atingidas pela pandemia e possui o maior nível de desigualdade de renda em comparação com outras regiões do mundo”, destaca o documento da ONU.

Má nutrição, sobrepeso e obesidade

No lançamento do Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e no Caribe 2022, os representantes das agências da ONU enfatizaram o impacto da má nutrição sobre a saúde da população em toda a região. “A preocupação com o avanço da insegurança alimentar não pode deixar de lado a necessidade de assegurarmos uma dieta saudável, particularmente para as crianças”, afirmou Garry Conille, diretor regional da Unicef. “O alto custo de uma alimentação saudável coloca crianças e adolescentes em risco de sofrer qualquer forma de desnutrição, o que interfere no gozo de seus direitos à saúde, ao bem-estar e ao aproveitamento de todo o seu potencial para uma vida digna”, acrescentou.

De acordo com o relatório, “os índices de sobrepeso em crianças menores de 5 anos e de obesidade em adultos estão bem acima das médias globais, afetando pessoas de todos os níveis de renda em áreas rurais e urbanas, incluindo comunidades indígenas”.  Na América Latina e no Caribe, 7,5% das crianças menores de 5 anos estavam acima do peso em 2020 – dois pontos percentuais acima da média mundial (5,7%). Na América do Sul, o excesso de peso em crianças menores de 5 anos aumentou nos últimos 20 anos, atingindo um índice de 8,2%, No Caribe, a porcentagem de crianças com sobrepeso ou obesidade alcança 6,6% em 2020; na América Central, fica em 6,3%.

Na América Latina e no Caribe, a obesidade afetou quase um quarto da população adulta (24,2%) em 2016, último dado disponível para este indicador de nutrição da OMS – bem acima da média mundial de 13,1%. A obesidade em adultos aumentou significativamente na região entre 2000 e 2016 – 9,5 pontos percentuais no Caribe, 8,2 pontos percentuais na América Central e 7,2 pontos percentuais na América do Sul. De acordo com o relatório, a obesidade adulta é mais prevalente entre as mulheres do que entre os homens em todos os países da região, e em 20 países é pelo menos 10 pontos percentuais maior para as mulheres do que para os homens.  “O sobrepeso e a obesidade são uma preocupação particular na América Latina e no Caribe. Se esse problema não for abordado por políticas eficazes, efeitos de longo alcance poderão ser experimentados ao longo de suas vidas”, alerta o relatório.

A América Latina e o Caribe não são apenas a região com os maiores níveis de desigualdade do mundo, mas registram o maior custo de uma alimentação saudável. Este indicador, calculado pela FAO, identifica a dieta saudável de menor custo disponível em cada momento e local que atende às recomendações das diretrizes dietéticas baseadas em alimentos (FBDGs). Em toda a região em 2020, 131 milhões de pessoas não podiam pagar uma dieta saudável.  “Os custos demonstrados não acontecem por acaso: decorrem da ausência ou enfraquecimento de políticas capazes de efetivamente remodelar, fortalecer e preservar os sistemas alimentares para promover saúde, equidade e sustentabilidade”, enfatizou o médico Marcos Espinal, subdiretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), no lançamento do Panorama 2022.

O relatório aponta que a América Latina e o Caribe tiveram o maior custo de uma alimentação saudável em comparação com outras regiões (US$ 3,89 por pessoa por dia) em 2020, seguido pela Ásia (US$ 3,46), América do Norte e Europa (US$ 3,19) e Oceania (US$ 3,07) – a média global ficou em  US$ 3,54. “Entre 2019 e 2020, o custo de uma alimentação saudável na região aumentou 3,4%. No Caribe o aumento foi o maior (4,1%), enquanto na América Central o aumento ficou em 2,1%, e na América do Sul, o avanço foi de 2,7%”, atesta o estudo.

Mario Lubetkin, da FAO, destacou, no lançamento do Panorama 2022, a urgência de uma atuação integrada. “Nenhuma política isolada pode oferecer soluções para o problema. Precisamos de uma combinação de ações multissetoriais, cooperação internacional e integração regional, envolvendo todos os atores do sistema agroalimentar”, destacou. O estudo aponta a necessidade de políticas para o produtor rural, apoiando e promovendo a diversificação da produção de alimentos nutritivos; para o comércio e o mercado de alimentos orientados, assegurando transparência e eficiência de preços por meio da digitalização e da tecnologia; e (para o consumo, apoiando ações para o aumento da renda e promovendo uma alimentação mais saudável das populações mais vulneráveis

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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