A pandemia da covid-19 avançou em ritmo exponencial no Brasil nas primeiras três semanas do corrente mês. O número de casos era de 6,8 mil em 01 de abril e passou para 43 mil em 21/04, um aumento de 6,3 vezes (ou 9,2% ao dia). Mas o número de mortes aumentou em ritmo ainda superior, pois passou de 240 óbitos em 01/04 para 2,7 mil óbitos 21/04, um aumento de 11,4 vezes (ou 12,3% ao dia). Mesmo com este ritmo acelerado, existem várias indicações de que o número de mortes reais é superior ao que vem sendo divulgado oficialmente pelo governo.
O panorama nacional
No final da tarde do dia 21 de abril, o Ministério da Saúde divulgou o balanço do dia registrando 43.079 casos e 2.741 mortes, com uma taxa de letalidade de 6,4%.
Embora estes números sejam elevados e preocupantes, há um consenso mesmo entre as autoridades de saúde, nas três esferas administrativas, que o número de casos está subestimado em decorrência da insuficiência de exames e testes numa população mais ampla. Isto indica que os números de registros contabilizados refletem aqueles casos mais graves que requerem alguma intervenção hospitalar. Os casos mais simples da covid-19, em geral, não são testados e, por conseguinte, nem entram nas estatísticas oficiais.
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Veja o que já enviamosNo caso das mortes, a subnotificação é mais complexa, pois existe a presença material de um corpo, mas o atestado de óbito pode não identificar corretamente as vítimas da covid-19, também por falta de testes durante o tratamento da doença ou após o falecimento. O gráfico abaixo, retirado do Boletim Epidemiológico Diário do Ministério da Saúde, de 20/04/2020, mostra que as hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) aumentaram 366% em 2020 em relação ao mesmo período de 2019.
No caso dos óbitos (tabela da direita), o Ministério da Saúde identificou 2.082 óbitos por Sars-Cov2, 120 por influenza e 73 por outros vírus respiratórios. Mas também cabe observar que existem 2.771 óbitos por SRAG não especificados e 3.843 óbitos por SRAG em investigação.
Indubitavelmente, podemos dizer que o número de mortes por covid-19 é maior do que o apresentado pelos dados oficiais. Porém, não podemos dizer o quanto é maior, pois falta esclarecer os casos não especificados e os casos em investigação.
Os óbitos e o envelhecimento populacional em 12 cidades fluminenses
A tabela abaixo apresenta alguns indicadores demográficos e o número de óbitos do Brasil, do estado do Rio de Janeiro, além das 12 cidades fluminenses com maior número de vítimas da covid-19. O número da população é de 2019, o Índice de Envelhecimento (IE) é de 2015 e os óbitos são do dia 21/04/2020, segundo a Secretaria da Saúde do RJ. Nota-se que o Brasil tinha 2.741 óbitos (representando 13 óbitos por milhão de habitantes) e um IE de 66 idosos de 60 anos e mais para cada grupo de jovens de 0 a 14 anos de idade, enquanto o estado do Rio de Janeiro tinha 461 óbitos (representando 26,6 óbitos por milhão) e um IE de 88 idosos por 100 jovens. Portanto, proporcionalmente o Rio de Janeiro apresentou quase o dobro da mortes do Brasil (26,7 versus 13 por milhão).
Entre as cidades fluminenses relacionadas na tabela a maior proporção de mortes está em Mesquita (com 51,1 óbitos por milhão), seguida da capital (com 42,1 óbitos por milhão) e Duque de Caxias (39,1 óbitos por milhão). A menor proporção está em São Gonçalo (8,3 óbitos por milhão).
O gráfico ao lado apresenta uma correlação linear entre o coeficiente de incidência de óbitos e o Índice de Envelhecimento dos 12 municípios. Nota-se que a correlação é positiva, mas fraca, ou seja, o maior envelhecimento populacional está correlacionado com um maior coeficiente de incidência de óbitos, mas não é o determinante. Por exemplo, a cidade fluminense mais envelhecida (IE = 121) é Niterói que possui um coeficiente de incidência de óbitos de 31,2, menor do que Duque de Caxias (com 39,1) e menos envelhecida (IE = 52). Por isto é um equívoco exagerar no peso do envelhecimento populacional para explicar as mortes pela covid-19. Vale, portanto, repetir: a demografia não é destino.
No dia 21 de abril, a pandemia global atingiu a marca de 2,6 milhões de casos e 178 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 6,9%. Por enquanto o pico do número diário de casos aconteceu no dia 03 de abril com um valor acima de 100 mil e o pico de mortes no dia 14 de abril com valor acima de 10 mil. Mas ainda é impossível dizer que o pior já passou, pois, embora as variações diárias mais recentes tenham ficado abaixo destes dois picos, há uma estabilidade em um alto patamar e não uma tendência de queda.
O dia 22 de abril marca a data do descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral (ou o início da invasão portuguesa na América do Sul, como dizem outros historiadores). O fato é que existia uma grande população nativa no país e, que de repente, viu o seu mundo desabar de um dia para uma noite. Estima-se que os povos indígenas no território brasileiro somavam cerca de 5 milhões de habitantes, sendo que a grande maioria morreu após a dominação portuguesa e a difusão de epidemias de varíola, sarampo, tifo, caxumba e etc. A população indígena que compunha 100% dos habitantes do país, agora perfaz menos de 0,5% da população nacional.
O geógrafo e antropólogo Jared Diamond, no famoso livro “Armas, germes e aço” mostra que o domínio europeu sobre as Américas começou quando os povos da Eurásia dominaram a agricultura e a pecuária, e se criaram as condições para a explosão populacional e a explosão econômica que lhes garantiu a hegemonia global durante séculos. Mas a criação de gado e a domesticação de animais também forneceu aos europeus um estoque de doenças que ao longo de milênios provocaram muitas epidemias, mas também gerou imunidade. Porém, quando os europeus vieram para as Américas, trouxeram suas costumeiras doenças, que funcionaram como uma arma letal sobre as populações do novo continente que não estavam preparadas para a virulência das doenças invasoras importadas.
O fato é que houve um genocídio dos povos indígenas que há mais de 500 anos lutam para sobreviver em condições desiguais e desfavoráveis em terras tupiniquins. E ainda mais desafiador é que, 520 anos depois da chegada de Cabral, os descentes e vítimas do antigo extermínio convivem com a ameaça de um novo genocídio provocado por um novo vírus estrangeiro que não respeita fronteiras e pode ser fatal para as populações menores e mais vulneráveis.
[g1_quote author_name=”David Suzuki” author_description=”Professor do Departamento de Genética da Universidade de Columbia” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Estamos em um carro gigante, acelerando na direção de uma parede de tijolos e todo mundo fica discutindo sobre onde cada um vai sentar
[/g1_quote]A pandemia de covid-19 e o Dia da Terra – 22 de abril
Para celebrar o Dia da Terra, o NEMA (Núcleo de Estudos do Meio Ambiente) e o NEP (Núcleo de Economia Política), em parceria com a Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, oferecem o evento online COVID-19, Meio Ambiente e a Sociedade, entrevista com Ricardo Abramovay (USP). O evento é online e com capacidade para 250 participantes <http://ecoeco.org.br/>
Data: 22 de abril de 2020, Horário: 17h
Por que o mundo não escutou o alerta dos “Limites do crescimento”?
O ano de 1972 foi fundamental para a luta ambiental com a realização da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, Suécia e que foi a precursora de muitas Cúpulas internacionais, como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro.
Na mesma data, ocorreu também a publicação do livro “Limites do crescimento: um relatório para o Projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade”, elaborado por uma equipe do Massachusetts Institute of Technology (MIT), coordenado por Donella e Dennis Meadows.
O livro, podemos assim dizer, reforça a concepção de que a economia é um subsistema da ecologia e que a Pegada Ecológica gerada pela economia não pode ser maior do que a biocapacidade fornecida pela ecologia. Desta forma, é insustentável manter o crescimento da produção e consumo de bens e serviços acima da capacidade de carga da Terra. Os autores constroem um modelo para investigar cinco grandes tendências de interesse global: o ritmo acelerado de industrialização, o rápido crescimento demográfico, a desnutrição generalizada, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis e a deterioração ambiental. Estas tendências se inter-relacionam de muitos modos e o relatório busca compreender suas implicações num horizonte de cem anos.
A principal conclusão do livro está resumida neste parágrafo: “Se as atuais tendências de crescimento da população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial” (p. 20).
Infelizmente o alerta do livro “Limites do Crescimento” não foi ouvido e a Pegada Ecológica da humanidade ultrapassou a biocapacidade do Planeta a partir do início da década de 1970. As reservas ecológicas foram substituídas pelo déficit ecológico. E o mais grave é que o déficit aumenta a cada ano. Em 2016, a Pegada Ecológica Global estava 70% acima da Biocapacidade. Ou seja, a população mundial está utilizando cerca de 1,7 Planeta e, se nada for feito, ruma para o uso de dois Planetas até 2030.
O mundo entrou em uma emergência climática e ambiental e caminha para uma situação de Terra Inabitável como mostrou o jornalista David Wallace Wells, concepção que, de certa forma, reforça a perspectiva do livro “Limites do Crescimento”.
Se o mundo desprezou o alerta feito pelo Relatório Meadows, podemos lê-lo no Dia da Terra e durante a quarentena da covid-19.
Frase do dia 22 de abril de 2020 (Dia da Terra)
“Estamos em um carro gigante, acelerando na direção de uma parede de tijolos e todo mundo fica discutindo sobre onde cada um vai sentar”
David Suzuki
Professor do Departamento de Genética da Universidade de Columbia