Diário da Covid-19: Brasil tem mais de 8 mil pacientes em situação crítica

Uma mulher vestindo traje e óculos de proteção puxa seu carrinho de compras nas ruas de Queens, em Nova York. Foto Johannes Eisele/AFP

Marcha da pandemia segue em ritmo desigual no planeta e casos e mortes no país crescem o dobro da média mundial

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 21 de abril de 2020 - 09:49 • Atualizada em 21 de abril de 2020 - 09:58

Uma mulher vestindo traje e óculos de proteção puxa seu carrinho de compras nas ruas de Queens, em Nova York. Foto Johannes Eisele/AFP

A pandemia da covid-19 continua avançando no mundo, mas em ritmos diferenciados. A China, que foi o epicentro da epidemia em janeiro e fevereiro, conseguiu estabilizar os casos e as mortes a partir de março. A Itália, por exemplo, teve uma explosão de casos e mortes, mas conseguiu reduzir bastante o ritmo de avanço do surto pandêmico em abril. Os Estados Unidos parecem que estão passando pelo topo da curva. Mas o Brasil e outros países têm mantido ritmo acelerado em abril e ainda estão distantes de atingir o pico e começar a descer a curva. A África tem sido um dos continentes menos afetados até aqui, mas existe uma preocupação com uma aceleração da pandemia em maio. Enfim, a crise no sistema de saúde continua forçando a paralisação da economia e causando danos generalizados, sendo que ontem, dia 20/04 – de maneira inédita e de forma totalmente inusitada – o preço do barril de petróleo negociado nos EUA alcançou valores negativos.

O panorama nacional e global

Na tarde do dia 20 de abril, os dados atualizados do Ministério da Saúde (depois de revisão de números) foram confirmados 40.581 casos e 2.575 mortes, com uma taxa de letalidade de 6,3%. Segundo o site Worldometer, o número de pessoas recuperadas foi de 22.991, o número de casos ativos de 15.235 e o número de casos sérios ou críticos de 8.318 pessoas. Neste quesito, o Brasil só fica atrás dos EUA, que têm 13.951 pacientes em situação crítica.

A pandemia da covid-19 avançou rapidamente no mundo, no Brasil e nas Unidades da Federação. No dia 01 de março de 2020, no mundo, havia 88.590 casos, sendo 2 casos no Brasil, ambos em São Paulo e nenhum no Rio de Janeiro. No dia 31 de março os números passaram para 858.355 casos no mundo, 5.717 no Brasil, 2.339 em São Paulo e 708 no Rio de Janeiro, conforme gráfico abaixo.

O mês de abril começou com 935.197 casos no mundo, sendo 6.836 casos no Brasil (Brasil tinha 0,7% dos casos do mundo em 01/04), 2.981 casos em São Paulo (SP tinha 40,9% dos casos brasileiros em 01/04) e 832 casos no Rio de Janeiro (que tinha 12% dos casos brasileiros). No dia 20/04 existiam 2,48 milhões de casos no mundo, e segundo a última atualização do Ministério da Saúde, havia 40,6 mil casos no Brasil (Brasil passou para 1,6% dos casos do mundo),   14.580 casos em São Paulo (SP caiu para 35,9% dos casos brasileiros) e 4.899 casos no Rio de Janeiro (com  inalterado 12% dos casos brasileiros),

Considerando os primeiros 20 dias do mês de abril, o número de casos no mundo cresceu 2,7 vezes (5% ao dia), no Brasil cresceu 5,9 vezes (9,3% ao dia), São Paulo cresceu 4,9 vezes (8,3% ao dia) e o número de casos cresceu 5,9 vezes no Rio de Janeiro (9,3% ao dia). Portanto, a pandemia do novo coronavírus está crescendo de forma mais rápida no Brasil e no Rio de Janeiro em relação ao mundo, sendo que São Paulo fica no meio termo.

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Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista

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Seguindo uma marcha semelhante, o número de mortes também cresceu e em ritmo mais acelerado. No dia 01 de março de 2020, no mundo, havia 3 mil mortes pela covid-19 e nenhuma no Brasil. A primeira morte no Brasil foi registrada no dia 17 de março em São Paulo.

O dia 01 de abril começou com 47.192 mortes no mundo, sendo 240 mortes no Brasil (representando 0,5% dos óbitos do mundo em 01/04), 164 mortes em São Paulo (SP tinha 68,3% das mortes brasileiros em 01/04) e 28 mortes no Rio de Janeiro (11,7% do total nacional). No dia 20/04 existiam 171 mil mortes no mundo, sendo 2,5 mil mortes no Brasil (Brasil passou para 1,5% das mortes do mundo), 853 mortes em São Paulo (caiu para 44,3% das mortes brasileiras) e 422 mortes no Rio de Janeiro (aumentou para 16,4% das mortes brasileiras).

Portanto, o número de mortes da pandemia do novo coronavírus está crescendo de forma mais rápida no Brasil do que no mundo e ainda em ritmo mais rápido no Rio de Janeiro e um pouco mais lento no estado de São Paulo. Entre os dias 01 e 20 de abril, o número de mortes no mundo cresceu 3,6  vezes (ou 6,7% ao dia), o número de mortes no Brasil cresceu 10,7 vezes (ou 12,6% ao dia), o número de mortes em São Paulo cresceu 6,3 vezes (ou 9,6% ao dia) e cresceu 15 vezes no Rio de Janeiro (ou 14,5% ao dia).

O que mais preocupa é que cresceram os casos críticos e que requerem tratamento intensivo nos hospitais. Agravando tudo, o sistema de saúde já está ficando saturado e isto dificulta o tratamento e aumenta os riscos de morte.

A Itália está conseguindo achatar a curva da pandemia

A Itália, que já esteve no epicentro da pandemia, está acumulando vitórias, não somente reduzindo o aumento diário do número de casos e de mortes, mas pela primeira vez conseguiu reduzir o número de casos ativos que estava em 108.257 no dia 19/04 e caiu para 108.237 no dia 20/04.

O número absoluto diário de casos e mortes subiu bastante no mês de março na Itália, mas o pico dos casos ocorreu no dia 21 de março (com 6.557 casos) e o pico das mortes no dia 27/03 (com 919 mortes). No dia 20/04 o número de casos foi de 2.256 (cerca de 3 vezes mais baixo do que no pico) e o número de mortes foi de 454 (menos da metade do pico das mortes).

A variação percentual que estava acima de 20% na primeira quinzena de março caiu rapidamente e está atualmente abaixo de 2% ao dia. Provavelmente, nestes últimos dias de abril de 2020 a Itália terá número de casos e mortes diários menores do que os números que virão do Brasil.

A pandemia e o pandemônio econômico: a bolha de carbono

A pandemia de covid-19 continua surpreendendo e provocando um pandemônio tão grande na economia que até fatos inimagináveis acontecem como, pela primeira vez na história, o preço do barril do petróleo ficar negativo. Mas apesar de ser um fato esdrúxulo e contrário às leis básicas da economia (pois é impossível o produtor pagar para o consumidor levar a mercadoria produzida) a crise no mercado de petróleo tem causas mais profundas e implicações mais amplas.

Óbvio que preços negativos não se sustentam e o que aconteceu foi que a crise gerada pelo novo coronavírus agravou um problema de curto prazo com a redução da demanda pelos combustíveis fósseis num momento em que as distribuidoras estavam com os estoques cheios e não há mais lugar para o armazenamento do que está sendo produzido. Isto pegou os especuladores do mercado futuro em posições críticas.

Mas, indo além do imbróglio conjuntural, existe de fato um problema estrutural que já foi antecipado e estudado que é a “Bolha de Carbono”.

Segundo o instituto britânico Carbon Tracker, a bolha de carbono é o resultado de um excesso de valorização pelos mercados globais das reservas de carvão, gás e petróleo detidas por empresas de combustíveis fósseis. Uma análise do desempenho econômico da indústria petrolífera mostra uma situação insustentável diante da redução do preço médio do barril de petróleo que acontece desde junho de 2008, quando o valor mensal chegou a US$ 133,93, como mostra o gráfico abaixo.

A estudiosa Gail Tverberg, atuária e decrescentista, com base em uma apresentação de Steven Kopits, Diretor da Douglas-Westwood, mostra que as grandes empresas de petróleo, de capital aberto, estão em dificuldade, pois aumentaram as despesas de capital (Capex) –  gastos como exploração, perfuração e implantação de novas plataformas de petróleo offshore – mas tiveram a producão de petróleo bruto reduzidas desde 2006. O mercado financeiro esperaria que a produção de petróleo bruto subisse quando o Capex aumentasse, mas Kopits mostra que, de fato, desde 2006, o Capex tem continuado a aumentar.

Logo, existe uma contradição insolúvel para os produtores de combustíveis fósseis. Pois, se a demanda e o lucro aumentarem, as emissões de gases de efeito estufa explodem e fazem disparar aceleradamente o aquecimento global, que é a maior ameaça existencial à humanidade. Mas se todos os países do mundo cumprirem as metas do Acordo de Paris, então o preço dos combustíveis fósseis e o valor de mercado das grandes petroleiras vai cair necessariamente. Portanto, a bolha de carbono significa uma crise para o mercado de petróleo e, em especial, para a produção de gás de xisto e para a produção de petróleo em águas profundas, ambas com altos custos de produção.

Tudo isto é péssimo para a economia brasileira, pois os sucessivos governos resolveram investir pesadamente nas águas abissais do pré-sal (com alto custo de produção) e agora como o estouro da bolha de carbono o país vai enfrentar os efeitos negativos das relações de custo e benefício dos preços dos produtos do pré-sal. A ideia de que o pré-sal seria “um bilhete premiado” e “um passaporte para o futuro” na verdade se transformou em um passaporte para o futuro do pretérito.

Com os preços menores do petróleo, os royalties também serão menores e os estados e municípios que dependem das receitas do pré-sal vão ficar em situação difícil neste momento que o mundo vive a maior recessão da história do capitalismo, que há um grande déficit público e que a pandemia de covid-19 não arrefece a emergência da saúde pública nacional e global.

Por que o mundo não escutou Nicholas Georgescu-Roegen?

O matemático romeno Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994) foi um pesquisador que revolucionou o ensino da economia ao questionar o dogma do crescimento econômico indefinido e ao mostrar que o desenvolvimento das forças produtivas, fundado no uso generalizado dos combustíveis fósseis, contrariava as bases físicas da segunda lei da termodinâmica, a lei da entropia. Em seu livro clássico, “The Entropy Law and the Economic Process”, publicado em 1971, ele critica o rumo insustentável da economia internacional e mostra que é impossível manter o crescimento geral do consumo com base na incessante degradação das riquezas naturais. Ao invés do crescimento demoeconômico constante e desregrado, ele colocou a necessidade de a ciência econômica debater a questão do Estado Estacionário e avançar em um plano para o decrescimento econômico.

Se o mundo relegou para segundo plano as ideias de Georgescu-Roegen, podemos lê-lo no feriado de Tiradentes e durante a quarentena.

Frase do dia 21 de abril de 2020

Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista

Kenneth Boulding (1910-1993)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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