Diário da Covid-19: O Brasil submerge na 2ª onda da pandemia

Profissional de saúde mede a temperatura corporal de um homem antes de realizar um teste de PCR para rastreamento de covid-19 em uma unidade de saúde pública em São Gonçalo. Foto Mauro Pimentel/AFP. Dezembro de 2020

Para diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, situação no Brasil é "muito, muito preocupante"

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 6 de dezembro de 2020 - 10:50 • Atualizada em 10 de dezembro de 2020 - 09:36

Profissional de saúde mede a temperatura corporal de um homem antes de realizar um teste de PCR para rastreamento de covid-19 em uma unidade de saúde pública em São Gonçalo. Foto Mauro Pimentel/AFP. Dezembro de 2020

Terminada a 2ª rodada das eleições municipais, as atenções nacionais se voltam para a 2ª rodada da covid-19, que já encharcou as estatísticas de morbimortalidade do país. O aumento de casos e de mortes do SARS-CoV-2 já é uma realidade e acendeu o sinal de alerta para a gravidade da situação. Menos de 24 horas após comemorar a vitória eleitoral na prefeitura de São Paulo, o governador João Dória anunciou o recuo no plano de flexibilização e colocou todo o estado na fase amarela, que não fecha as atividades econômicas, mas restringe o contato social e adota medidas para evitar aglomerações e para prevenir o aumento do contágio. No dia 01 de dezembro, os governos do Paraná e Santa Catarina anunciaram a instituição de toque de recolher para limitar a circulação da população por parques, praças e outros locais públicos. Também no dia 01/12, o governo do Distrito Federal restringiu o horário de funcionamento de bares e restaurantes até as 23 horas. No dia 02/12, a Fiocruz alertou sobre a proximidade de um colapso na saúde do Rio por conta da covid-19.

Ao longo da semana, as restrições foram sendo programadas, ampliadas e implementadas na maior parte do país. O Grupo de Trabalho Multidisciplinar para o enfrentamento da Covid-19, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgou a “Nota Técnica sobre o aumento de casos de Covid-19 no município do Rio de Janeiro e medidas para conter sua disseminação” (30/11/2020), dizendo que é urgente que as autoridades governamentais implementem ações para o enfrentamento desse novo aumento de casos, com base nas seguintes medidas:

  • “Abertura imediata de leitos hospitalares, incluindo os de UTI, para absorver a crescente demanda por vagas.
  • Contratação emergencial de profissionais de saúde para atuarem nesses leitos.
  • Aquisição emergencial de equipamentos e insumos necessários para a assistência aos pacientes.
  • Realização de ampla testagem por RT-PCR em todos os casos suspeitos, com rastreamento de seus contatos.
  • Isolamento dos casos e contatos com RT-PCR positivo.
  • Reforço nas campanhas de esclarecimento sobre as medidas preventivas.
  • Ampliação da oferta de transporte público a fim de evitar aglomeração.
  • Suspensão imediata de eventos presenciais, sejam sociais, esportivos ou culturais.
  • Fechamento das praias.
  • Limitação e escalonamento do horário de funcionamento de estabelecimentos que permanecerem abertos.
  • Rigorosa fiscalização dos estabelecimentos abertos.
  • Avaliação da decretação de lockdown caso o cenário epidemiológico da doença se mantenha ou se agrave”

Na mesma linha, confirmando e reafirmando todas estas preocupações, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, no dia 30 de novembro, disse que a situação da pandemia da covid-19 no Brasil é “muito, muito preocupante”.

 O panorama nacional

No sábado (05/12), o Ministério da Saúde registrou o número acumulado de 6.577.177 pessoas infectadas e 176.628 vidas perdidas no Brasil, com uma taxa de letalidade de 2,7%. Foram 43.209 novos casos e 664 mortes nas últimas 24 horas. O Brasil apresenta o 3º maior número de casos acumulados no ranking internacional (atrás dos EUA e da Índia) e o 2º maior número de mortes acumuladas do mundo (atrás somente dos EUA). Mas, na última semana, o Brasil tem apresentado uma média diária de casos e de mortes acima das cifras indianas e o aumento tem ocorrido em, praticamente, todos os estados brasileiros.

O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de casos no território nacional entre 01/03 a 05/12 e a média móvel de 14 dias. Desde o início de março, o número de pessoas infectadas cresceu continuamente até o pico de 45.078 casos no começo de agosto. Nas semanas seguintes os números caíram para menos de 20 mil casos na primeira semana de novembro, mas voltaram a subir no restante do mês. Em menos de 30 dias o número médio de casos mais que dobrou e a tendência da curva continua apontando para cima. A média móvel de 7 dias que estava em 16,5 mil casos no dia 06 de novembro, passou para 41 mil casos em 05 de dezembro de 2020 (um aumento de 148%).

O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de óbitos no território nacional entre 15/03 e 05/12 e a média móvel de 14 dias. Nota-se que o número de vidas perdidas cresceu rapidamente desde o primeiro óbito em meados de março até o final de maio quando ficou acima de 1 mil vítimas fatais diárias e se manteve neste patamar elevado até o pico de 1.061 óbitos no final de julho. Entre agosto e outubro a média caiu para um patamar abaixo de 400 óbitos diários, mas voltou a subir no mês de novembro. A média móvel de 7 dias estava em 329 óbitos no dia 11/11 e subiu para 581 óbitos no dia 05/12 (um aumento de 77%). A curva epidemiológica voltou a apresentar tendência ascendente, indicando um final de ano de muito sofrimento e preocupação.

Mas a pandemia atinge de maneira diferenciada as 5 grandes regiões brasileiras. Os números absolutos mais elevados estão, evidentemente, na região Sudeste, pois é a região com 42% da população nacional. Mas o Sudeste possui o menor coeficiente de incidência (25,8 mil casos por milhão) e o terceiro coeficiente de mortalidade (907 óbitos por milhão). A região Sul tem o terceiro maior coeficiente de incidência (20 mil casos por milhão), mas o menor coeficiente de mortalidade (584 óbitos por milhão). A região Centro-Oeste tem o maior coeficiente de mortalidade (993 óbitos por milhão de habitantes). Nota-se que os coeficientes do Brasil e de suas regiões são muito maiores que o coeficiente de incidência da média mundial (8,6 mil casos) e do coeficiente de mortalidade da média global (197 óbitos por milhão de habitantes).

O fato é que o Brasil perdeu o controle sobre a transmissão comunitária do novo coronavírus e, no vai e vem da sazonalidade da doença, a covid-19 está em alta no país, especialmente nos locais em que o Poder Público e a sociedade civil foram displicentes com as normas de prevenção e distanciamento social. A esperança agora está depositada na vacinação em massa da população.

Contudo, o Ministério da Saúde do Brasil não tem se mostrado à altura do desafio. No dia 02 de dezembro, a pasta apresentou um esboço inicial do plano de imunização contra a covid-19, em 4 etapas, começando entre março e terminando no final de 2021. Na primeira etapa, seriam vacinados profissionais da saúde, idosos a partir de 75 anos, a população indígena e pessoas com mais de 60 anos que vivam em instituições de longa permanência (equivalente a 13 milhões de pessoas, ou 6% da população). Em seguida, viriam as pessoas com idade entre 60 e 74 anos, começando pelos mais velhos – mais 22,1 milhão de brasileiros. Na terceira etapa estariam incluídas pessoas com comorbidades que apresentam maior risco para a doença. Na última etapa, seriam beneficiados professores, forças de segurança e salvamento, funcionários do sistema prisional e a população carcerária. Segundo o governo, no fim de 2021 teriam sido imunizadas cerca de 109 milhões de pessoas (ou 52% da população) em duas doses, usando, ao todo, cerca de 220 milhões de doses. O secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, disse que o plano final só vai ficar “definitivamente pronto e fechado”, quando pelo menos uma vacina estiver registrada na Anvisa.

A sensação transmitida pelas autoridades de saúde foi de total insuficiência, pois a vacinação começaria tarde (em março de 2021) e teria uma cobertura de apenas 50% até o final do ano. Além do mais, o Ministério não definiu, por exemplo, quantos insumos (como seringas) e salas de vacinação serão necessárias. O general Pazuello sugeriu que o Brasil não compraria a primeira vacina aprovada no mundo ocidental, a da Pfizer, porque ela tem de ser acondicionada a menos de 70º C. Mas não explicou porque a exigência de baixas temperaturas não foi um problema incontornável para o Peru, Chile, Costa Rica, Equador, México, Panamá, etc. Entre os agentes da sociedade civil ficou a impressão de que o Governo Federal traça um plano insuficiente, com início tardio (em março), sem detalhamento da logística e sem definição dos insumos e dos fornecedores. No máximo, protegerá apenas a metade da população até o Natal do ano que vem. As perspectivas não são muito animadoras. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) chamou de “anêmico” o plano de imunização do Ministério da Saúde.

Uma mãe palestina entretém seus filhos com máscaras improvisadas feitas de repolho enquanto cozinha em Beit Lahia, no norte da Faixa de Gaza. Foto Mohammed Abed/AFP. Abril de 2020

 O panorama global

O mundo chegou a 66,8 milhões de pessoas infectadas e a mais de 1,5 milhão de mortes da covid-19, com uma taxa de letalidade de 2,3%. Nos primeiros dias de dezembro a média móvel da quantidade diária de pessoas infectadas ficou acima de 600 mil casos e a média diária de vidas perdidas ficou acima de 10 mil óbitos. Os picos ocorridos em novembro e dezembro superaram em muito o pico ocorrido em abril, sendo que os epicentros estão novamente na Europa e na América do Norte, mas o Brasil e a América Latina também são locais que preocupam.

Nos meses de janeiro e fevereiro a pandemia estava, fundamentalmente, restrita à Ásia. Mas no mês de março a propagação do SARS-CoV-2 atingiu fortemente a Europa e os Estados Unidos e parecia que haveria declínio da segunda metade de abril. Contudo, conforme mostra o gráfico abaixo, o número de casos continuou crescendo continuamente a partir de maio, deu uma desacelerada em agosto e setembro e a curva voltou a acelerar em outubro e novembro. Nos últimos 14 dias, a média móvel ficou em torno de 600 mil pessoas infectadas a cada 24 horas. A tendência mais alvissareira é que a curva deixou de apresentar o viés de alta e caminha para uma certa estabilidade ou até mesmo um declínio, embora em alto patamar.

O gráfico abaixo mostra o número diário de óbitos no mundo e a média móvel de 14 dias. A maior subida do número de mortes aconteceu em março e o pico da média móvel ocorreu em meados de abril com cerca de 7 mil vidas perdidas por dia. A partir deste pico, o número diário de vítimas fatais caiu até o final de maio e voltou a crescer e a oscilar entre 4 mil e 6 mil mortes diárias. Todavia, a 2ª onda ocorrida na Europa e na América do Norte fez o mundo alcançar novos recordes de mortes. Novos picos foram alcançados em novembro e a média móvel chegou a 10 mil mortes diárias em novembro e superou este triste patamar em dezembro. Globalmente parece que a curva também indica uma certa estabilidade, pois, embora os EUA tenham superado 3 mil mortes diárias no dia 02 de dezembro e a América Latina também comece a apresentar tendência de alta, a média de vítimas fatais da Europa apresenta um ligeiro declínio, não obstante ainda esteja na casa de 5 mil óbitos em 24 horas.

Os números internacionais da pandemia são realmente preocupantes, pois a covid-19 já atingiu mais de 215 países e territórios com cerca de 67 milhões de casos e mais de 1,5 milhão de vítimas fatais. No dia 01 de março, havia somente 1 país com mais de 10 mil casos confirmados de Covid-19 (a China) e havia 5 países com valores entre 1 mil e 10 mil casos (Irã, Coreia do Sul, França, Espanha, Alemanha e EUA). No dia 01 de abril já havia 50 países com mais de 1 mil casos, sendo 36 países com montantes entre 1 mil e 10 mil casos, 11 países com números entre 10 mil e 100 mil e 3 países com mais de 100 mil casos.

Estes números aumentaram nos meses seguintes e no dia 01 de dezembro já havia 172 países com mais de 1 mil casos, sendo 52 entre 1 mil e 10 mil casos, 53 países entre 10 e 100 mil casos, 55 países entre 100 mil e 1 milhão de casos e 12 países com mais de 1 milhão de casos. A lista dos 12 primeiros colocados do ranking, com o dia em que chegaram à marca de 1 milhão, são: EUA (27/04), Brasil (19/06), Índia (16/07), Rússia (01/09), Espanha (15/10), Argentina (19/10), França (23/10), Colômbia (24/10), Reino Unido (31/10), Itália (11/11); México (15/11) e Alemanha (26/11). Os 3 primeiros – EUA, Índia e Brasil – somam quase a metade dos casos mundiais.

Os Estados Unidos são o país com o maior número de pessoas infectadas (cerca de 15 milhões) e de mortes (quase 300 mil). Na semana passada chegou a ter números diários ultrapassando 200 mil casos e 3 mil mortes. Com 4,3% da população mundial, os EUA respondem por 22,3% dos casos e por 18,7% da mortes globais. O país possui um coeficiente de incidência de 45 mil casos por milhão de habitantes e um coeficiente de mortalidade de 870 óbitos por milhão. Estes números devem piorar com o início do inverno e a inação do governo Donald Trump que sempre negou a gravidade do problema e, neste final de ano, o povo deve pagar um preço extremamente alto pelo desleixo e o negacionismo do presidente que perdeu as eleições em novembro.

Como visto anteriormente, o Brasil possui um coeficiente de incidência de 31 mil casos por milhão e um coeficiente de mortalidade de 834 óbitos por milhão de habitantes. O país mais impactado do mundo, quando se considera o peso demográfico, é a Bélgica com 51 mil casos por milhão e 1.470 óbitos por milhão de habitantes.

Impactos da pandemia na economia e perspectivas para 2021 e 2022

O ano de 2020 vai ser marcado, indiscutivelmente, pela propagação do SARS-CoV-2. O número de pessoas infectadas e o número de vidas perdidas é enorme. O impacto sobre a saúde da população mundial é dramático, assim como o choque sobre a economia global.

A recessão econômica global foi a maior em um século, resultando em redução da renda, aumento do desemprego e elevação dos índices de pobreza e de fome no mundo. As Nações Unidas estão prevendo um recorde de 235 milhões de pessoas que precisarão de ajuda humanitária e proteção em 2021. O secretário-geral da ONU, António Guterres, apela o mundo que “estejam com as pessoas em sua hora mais sombria de necessidade”. Dificuldades causadas pela pandemia, fome, conflitos e mudanças climáticas estão entre os fatores para o aumento de quase 40% de pessoas precisando de ajuda,  em comparação com o total do ano passado.

Mesmo com estas dificuldades, há quem considere que o pior já passou. A expectativa é que o número global de casos e mortes da covid-19 comecem a cair em dezembro, quando comparado à novembro. Vários países como Rússia, China, Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, Finlândia e Reino Unido estão iniciando a vacinação ainda em dezembro. Evidentemente, a proteção e a  imunização em massa da população mundial não será uma tarefa simples e imediata. Mas a perspectiva é que o número de casos e de mortes da pandemia sejam reduzidos, progressivamente, ao longo de 2021.

Mesmo considerando que a Covid-19 provocou um abalo devastador na economia internacional em 2020, as projeções da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgadas no dia 01 de dezembro, considera que o impacto econômico não foi tão ruim quanto se temia há cerca de seis meses e, talvez, o mundo consiga sair do pesadelo mais cedo e em melhor condição do que se temia. Obviamente, não se trata de minimizar a gravidade da situação, mas as projeções do FMI de julho estimavam uma queda global maior.

A tabela abaixo do relatório da OCDE mostra que o PIB global deve cair 4,2% em 2020, recuperando 4,2% em 2021 e 3,7% em 2022. Na área do Euro a queda deve ser de 7,5% em 2020, com recuperação de 3,6% e 3,3% nos próximos dois anos. Para o G-20 a queda deve ser de 3,8% em 2020, com recuperação de 4,7% e 3,7% em 2021 e 2022.

Entre os países a variabilidade é bem maior. A Argentina deve apresentar a maior queda do PIB em 2020 (12,9%) e a recuperação dos próximos dois anos não será suficiente para compensar a recessão atual. A Índia também deve ter uma queda grande em 2020 (9,9%), mas deve se recuperar em 2021 e 2022. O grande destaque no enfrentamento da recessão é a China que deve ser o único país com crescimento em 2020 (1,8%) e com elevado crescimento nos próximos dois anos. A Coreia do Sul é outro país que conseguiu minimizar os danos da pandemia, assim como os seus efeitos recessivos.

Os números da tabela mostram que o impacto da pandemia é muito diferenciado, sendo que os países do leste asiático estão se saindo muito melhor do que os países ocidentais. Na verdade, os países que conseguiram unir o Poder Público e a sociedade civil para controlar a propagação do SARS-CoV-2, em geral, conseguiram sucesso em sustentar suas economias. Mas a OCDE adverte que, na média, a economia mundial poderá perder o equivalente a quatro a cinco anos de crescimento da renda real per capita até 2022. De qualquer forma, a recuperação do emprego e da qualidade de vida da população depende do controle da pandemia.

No Brasil, o IBGE informou que o PIB caiu 1,5% no 1º trimestre, 9,6% no 2º trimestre e cresceu 7,7% no 3º trimestre. Mas as estimativas indicam que o PIB brasileiro só deverá voltar ao patamar pré-pandemia em 2022. Ou seja, a economia ainda não está “vacinada” da crise. O IBGE informou também que o desemprego aberto (pessoas não ocupadas e procurando trabalho) está em torno de 15 milhões de pessoas e o montante da força de trabalho subutilizada ultrapassa 30 milhões de pessoas.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, utilizou os números do PIB do 3º trimestre para defender que não há necessidade de estender para 2021 os auxílios governamentais, como o emergencial de R$ 600 ou R$ 300 pago à população vulnerável. O secretário só não explicou como as dezenas de milhões de pessoas sem trabalho vão fazer para fechar o orçamento doméstico, especialmente em um quadro de elevação da inflação e aumento do preço dos alimentos e aumento geral da carestia.

Existe um consenso amplo de que o Brasil vive uma crise fiscal sem precedentes e pode cair na armadilha da estagflação. O país deve começar 2021 sem o controle da pandemia, com o Congresso paralisado pela sucessão das duas casas legislativas, com desarranjos no preço dos alimentos e nas contas públicas e com a geração de emprego e renda andando de lado. Somente com o aumento dos investimentos o país poderá gerar empregos e bens e serviços para garantir a sobrevivência da população. A principal causa desse baixo investimento tem sido a queda não só do investimento privado, mas também do investimento público, que, enquanto nos anos 1970 correspondia a de cerca de 6% do PIB, desde os anos 1980, é inferior a 1,5% do PIB.

Para resolver esta insuficiência, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira escreveu um artigo recente propondo que o Congresso Nacional aprove uma emenda constitucional criando uma agência do Estado para planejar e controlar o investimento público e autorizar o Banco Central a financiá-la em até 3,5% do PIB todos os anos. Ele diz: “Somados a 1,5% do PIB de que, em princípio, o Estado já tem financiamento para realizar, teríamos na Lei Orçamentária de cada ano os 5% de investimento público a serem realizados, essencialmente, na infraestrutura. Esses investimentos, realizados essencialmente na infraestrutura, não serão uma concorrência ao setor privado, mas criarão demanda para os investimentos privados. O crédito ao financiamento público que o Banco Central dará à Agência de Investimentos Públicos não será inflacionário desde que os investimentos não levem a economia para o excesso de demanda. Para evitar esse perigo, o dispêndio dos recursos será autorizado ou não pelo Conselho Monetário Nacional a cada três meses” (02/12/2020).

Se esta agência garantir uma boa governança do investimento público, possibilitando a expansão do crédito com responsabilidade fiscal, então o Brasil poderia evitar o grande desperdício do potencial da mão de obra brasileira e, no melhor cenário, poderia ter uma recuperação sustentada a partir de 2021. O Brasil vive o seu melhor momento demográfico, mas tem dilapidado o potencial produtivo da sua população em idade ativa. O trabalho é a fonte de riqueza das nações. Para o Brasil sair da encruzilhada atual terá realmente que aumentar as taxas de investimento, elevar a produtividade geral dos fatores de produção e garantir emprego e dignidade para as pessoas que querem contribuir com o avanço do país, mas não encontram ocupação. O que a população brasileira precisa não é de caridade, mas sim de solidariedade orgânica, via inserção efetiva na divisão social do pleno emprego e do trabalho decente.

Frase do dia 06 de dezembro de 2020

“A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade”

Clarice Lispector (10/12/1920 – 09/12/1977) – cem anos do nascimento

Referências:

Grupo de Trabalho Multidisciplinar para o enfrentamento da Covid-19. “Nota Técnica sobre o aumento de casos de Covid-19 no município do Rio de Janeiro e medidas para conter sua disseminação”, UFRJ, 30/11/2020 https://ufrj.br/wp-content/uploads/sites/7/2020/11/Nota-tecnica-sobre-aumento-de-casos-RJ_Nov-2020.pdf

Turning hope into reality. OECD Economic Outlook, December 2020

http://www.oecd.org/economic-outlook/december-2020/

Luiz Carlos Bresser-Pereira. 5% do Produto Interno Bruto para o investimento público, Valor, 02/12/2020 https://valor.globo.com/opiniao/coluna/5-do-produto-interno-bruto-para-o-investimento-publico.ghtml

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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