O Brasil está passando por uma tempestade perfeita. Existe a conjugação de uma crise sanitária, com uma crise econômica e uma crise política. Neste ambiente de falta de comando e de foco para priorizar a saúde, o coronavírus encontra terreno fértil para se propagar. Em uma semana foram 6.380 vidas ceifadas. Somente este número seria o suficiente para colocar o Brasil no 10º lugar no ranking global. Em apenas 7 dias o Brasil teve mais vítimas fatais que as 4.634 vidas perdidas na China em 21 semanas epidemiológicas (SE) e mais dos que as 6.355 do Canadá, que tem uma enorme fronteira com os Estados Unidos que é o país mais atingindo no mundo pela pandemia. Na conta de uma semana integral 24/7 (24 horas em 7 dias na semana) o país teve, em 168 horas, uma média de 38 vidas dizimadas a cada 60 minutos.
Até parece que o Brasil foi atingido por um enorme ciclone extratropical que espalhou destruição do Oiapoque ao Chuí. Nesta semana, um Airbus A320, da Pakistan International Airlines, caiu sobre uma área residencial da cidade de Karachi, no Paquistão, aniquilando 97 vítimas. Na macabra contabilidade brasileira, é como se tivéssemos a queda de 66 aviões A320 pilotados pela covid-19. Não dá para continuar neste ritmo. Todavia, ao invés de ação e união o que vemos é muita distração e diversionismo. O presidente da República desagrega e enfraquece a nação, demite ministros, ataca governadores e prefeitos, não respeita os protocolos de isolamento social e os cuidados de higiene, lança impropérios em série e, ao contrário da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), receita cloroquina como se fosse uma panaceia.
O resultado é que aumenta o fosso entre o Brasil e o mundo, pois a distância entre o ritmo do crescimento da pandemia nacional é cada vez maior em relação à média internacional. A velocidade é mais de 3 para 1. Na conta acumulada, o Brasil já ocupa o segundo lugar em número de casos e avança celeremente para o segundo lugar em número de vítimas fatais. Mas na conta de novos eventos diários o Brasil deve assumir a liderança nesta próxima semana (22ª SE), que agora se inicia, ultrapassando os EUA em números do dia a dia.
O panorama nacional
As cifras oficiais da pandemia do coronavírus no Brasil divulgados pelo Ministério da Saúde no sábado (23/05) indicam 347.398 casos e 22.013 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 6,3%. Foram 16.508 novos casos e 965 vidas ceifadas em 24 horas. Em números diários, o Brasil já está à frente de todas as nações do mundo, com exceção dos Estados Unidos.
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Veja o que já enviamosPara avaliar o ritmo da expansão da pandemia no território nacional, o gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no Brasil por semana epidemiológica (SE), segundo a definição do Ministério da Saúde que aponta a 10ª SE como a semana de 01 a 07 de março de 2020 e em seguida as demais.
No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03. Foram apenas 17 casos, mas o aumento foi de 9,5 vezes (o que representa 37,9% ao dia). No dia 14/03 chegou a 121 casos, mas os 102 casos da 11ª SE significaram um aumento semanal de 6,4 vezes (ou 30,3% ao dia). Os dados disponíveis da penúltima semana (20ª SE), indicavam que o número de casos passou de 155,9 mil no dia 09 de maio para 233,1 mil casos no dia 16 de maio, um aumento de 1,5 vezes (ou 5,9% ao dia). E este ritmo se manteve na semana passada quando o número de casos chegou aos 347 mil. Claro que a taxa de 5,9% ao dia é a menor deste o início desta emergência sanitária, mas é uma taxa muito elevada para esta etapa epidemiológica e está muito acima daquelas dos demais países do mundo do topo da tabela.
Assim como na semana passada, apresentamos o gráfico abaixo que mostra a variação média diária do número de casos no Brasil, nas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas crescia em média ao ritmo de 397 pessoas infectadas ao dia na 13ª SE, mas passou para 911 pessoas na 14ª SE, 1.493 casos na 15ª SE e mais do que decuplicou na 21ª SE, com impressionantes 16,3 mil casos diários. Observa-se que enquanto cresciam os números absolutos, as taxas (números relativos), em geral, estavam caindo. Para contribuir com as avaliações e a orientação das políticas de saúde, fizemos uma estimativa (publicada no diário do dia 17/05) que teríamos 13.559 casos diários na 21ª SE. Mas os dados abaixo mostram que erramos para menos pois o número observado foi de 16.328 casos.
Para a próxima semana apresentamos a estimativa de 20.673 casos diários em média (última coluna do gráfico), com uma taxa relativa média de 5,1% ao dia. Sem dúvida, toda projeção está sujeita a erros, mas tentar traçar um cenário pode ser útil para subsidiar as políticas de saúde.
O gráfico abaixo mostra a evolução do número de vidas perdidas nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE). O primeiro óbito pela Covid-19 no Brasil ocorreu no dia 17 de março e chegou a 18 óbitos no dia 21/03, o aumento foi de 18 casos em 5 dias, o que representou um crescimento diário de 78,3% na 12ª SE. Na semana seguinte, o número de óbitos chegou a 111 (ou 29,7% ao dia) na 13ª SE. Na semana retrasada (20ª SE) o número de óbitos chegou a 15,6 mil no dia 16/05, um crescimento de 1,5 vezes (ou 5,7% ao dia). Na semana passada o ritmo caiu para 5% ao dia, mas também é uma taxa muito elevada na comparação internacional.
O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de óbitos decorrentes da covid-19 no Brasil, nas semanas epidemiológicas. Nota-se que o número de vítimas fatais crescia em média de 13 óbitos ao dia na 13ª SE. Passou para 46 óbitos na 14ª SE e se multiplicou por 16 vezes até a 20ª SE, com tristes 715 óbitos diários. Observa-se que enquanto cresciam os números absolutos, as taxas (números relativos) estavam, continuamente, caindo.
No domingo 17/05 apresentamos a estimativa que haveria 909 vidas perdidas por dia na 21ª SE. O resultado observado mostrou 910 vítimas fatais. Ou seja, foi uma estimativa que acertou na mosca. Para contribuir com as avaliações da próxima semana, apresentamos a estimativa de 1.077 óbitos por dia na 22ª SE, com uma taxa de crescimento de 4,3% ao dia.
O fato é que a pandemia continua avançando no Brasil e se no começo o número de pessoas infectadas e de vítimas fatais estava concentrada na cidade de São Paulo, agora se espalha pelo interior do Brasil. Um dado preocupante é a cidade do Rio de Janeiro (está crescendo a 7% ao dia), que já ultrapassou os números paulistanos e tem se constituído em um foco preocupante da pandemia. A Cidade Maravilhosa se transformou num epicentro de irradiação e, no dia 23/05, apresentou um coeficiente de incidência de 3.132 casos por milhão de habitantes e um coeficiente de mortalidade de 402 vidas extintas por milhão, números superiores à média europeia.
O panorama global
O dia 23 de maio terminou com 5,4 milhões de casos e 344 mil vidas ceifadas no mundo, com uma taxa de letalidade de 6,4%. As variações diárias dos casos bateram recorde na semana e ultrapassaram a casa dos 100 mil (equivalente ao pico que ocorreu em 24/04), mas a variação das vítimas fatais (abaixo de 5 mil) está diminuindo e “descendo a ladeira”.
O gráfico abaixo mostra que no dia 01/03 havia de 88,6 mil e passou para 106 mil no dia 07/03, um aumento de 1,22 vezes (ou 2,9% ao dia), na 10ª semana epidemiológica (SE). Na semana seguinte (11ª SE), passou de 110 mil casos para 156,7 mil, um aumento de 1,48 vezes (ou 5,7% ao dia). Na 12ª SE a variação diária ficou em 10% e na 13ª SE atingiu a variação diária mais elevada 11,7% ao dia.
Mas, nas semanas seguintes, as variações passaram para 8,9%, 5,8%, 3,9%, 3,3%, 2,6%, 2,4% até chegar a 2,0% na 20ª SE. Nitidamente, a curva estava se reduzindo e realmente chegou abaixo de 2% como havíamos previsto. Mas, mesmo assim, a taxa de 1,9% ao dia ocorrida na 21ª SE é muito elevada para o padrão global.
O gráfico abaixo mostra que o ritmo de aumento das vidas extirpadas pela covid-19 foi mais acelerado do que o ritmo do aumento dos casos nos meses de março e abril. Na primeira semana de março (10ª SE), o número de óbitos passou de 3.050 no dia 01/03 para 3.599 no dia 07/03, um aumento de 1,21 vezes (ou 2,8% ao dia). Nas semanas seguintes o número absoluto de óbitos cresceu muito e a velocidade da pandemia também aumentou até a 13ª SE, quando o número de vítimas fatais passou de 14,6 mil óbitos no dia 22/03 para 30,9 mil óbitos no dia 28/03, um aumento de 2,23 vezes ou 13,1% ao dia.
Nas semanas seguintes o número absoluto de óbitos continuou aumentando, mas com desaceleração do ritmo. Na penúltima semana (20ª SE), o número de pessoas que perderam a vida chegou a 313 mil no dia 16/05, um aumento semanal de 1,12 vezes (ou 1,6% ao dia). Na 21ª SE o número de vidas eliminadas passou de 316,5 mil no dia 17/05 para 343,6 mil no dia 23/05 (um aumento de 1,4% ao dia). Assim, o ritmo de aumento dos óbitos diminuiu mais rápido do que o ritmo dos casos.
Todos os dados acima mostram que a pandemia no Brasil cresce a um ritmo mais veloz do que o ritmo da média mundial. O gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo dos casos da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro estava crescendo um pouco abaixo de 2 vezes o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença foi para a casa de 3 vezes e chegou a quase 3,5 vezes na 21ª SE.
Na comparação dos óbitos, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro chegou abaixo de 1,5 vez o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença foi para quase 3 vezes, evidenciando que existe um fosso entre o ritmo nacional e global.
Todos os países do topo do ranking global passaram por um crescimento exponencial da pandemia de curta duração, mas o Brasil tem mantido um ritmo acelerado por mais tempo. O número de 6.380 vidas que se foram definitivamente em uma semana é um fato assustador, ainda mais quando sabemos que este elevado montante não deve diminuir, mas sim aumentar nos próximos dias e talvez ao longo das semanas de junho. O Brasil perdeu o controle da expansão do vírus e o sistema de saúde não consegue atender todos os doentes graves. O sistema hospitalar já está entrando em colapso.
Todas as nações que venceram o coronavírus, como Vietnã, Taiwan e Nova Zelândia tiveram uma união nacional entre o Poder Público e a Sociedade Civil em torno de uma estratégia baseada em 3 princípios de ação:
- Testes em massa para identificar todas as pessoas com sintoma da covid-19;
- Rastreamento e monitoramento de todas as pessoas infectadas e com suspeita de infecção;
- Uma combinação de isolamento social vertical e horizontal, protocolos de higiene e quarentenas efetivas, inclusive, mas não necessariamente, com a adoção de “lockdown” (fechamento total).
A receita do sucesso é, em primeiro lugar, conter o vírus. Em segundo, eliminá-lo. Deixar o coronavírus se espalhar é fracassar e cometer um erro fatal. A Suécia – mesmo com um excelente sistema de saúde – apresenta um coeficiente de mortalidade 7 vezes maior do que a Finlândia que foi mais efetiva no controle do vírus.
No Brasil, não houve união entre a sociedade e o governo e nenhum dos 3 princípios acima foi colocado em prática com eficiência. O presidente da República alimenta uma polarização política e ideológica que é inconcebível num momento de emergência sanitária. A reunião ministerial do dia 22 de abril revelou todas as facetas genocidas e ecocidas do governo federal que dirige na contramão atropelando tudo e todos.
No vácuo das políticas públicas, a pandemia cresce no Brasil a um ritmo cerca de 3,5 vezes à média mundial e quase 4 vezes o ritmo atual da doença nos EUA. O caos já está instalado e desenhado e não há SUS capaz de salvar todas as vidas, de solucionar a situação atual e resolver os problemas que se avizinham. Diante de tantos erros federais, a catástrofe é inexorável. Só nos resta agir em função da redução de danos. Como disse Guimarães Rosa: “O trágico não vem a conta-gotas”.
Excelente reflexão! Infelizmente não temos liderança, coordenação entre as esferas de governo e muito menos um plano para enfrentar esta situação.