Diário da Covid-19: Brasil dobra número de casos e mortes em nove dias

Mulheres usando máscaras trabalham em uma fábrica de roupas durante o bloqueio imposto pelo governo de Bangladesh como medida preventiva contra a propagação da covid-19. Foto Munir Uz Zaman/AFP

Surto cresce mais rápido no país do que a média mundial e ganha velocidade. Enquanto isso, paciência das pessoas diminui e relaxamento da quarentena aumenta

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 2 de maio de 2020 - 09:40 • Atualizada em 26 de dezembro de 2021 - 17:03

Mulheres usando máscaras trabalham em uma fábrica de roupas durante o bloqueio imposto pelo governo de Bangladesh como medida preventiva contra a propagação da covid-19. Foto Munir Uz Zaman/AFP

Enquanto os números da pandemia da covid-19, no mundo, dobram a cada 20 dias, no Brasil eles estão dobrando em 9 dias. O país tinha contabilizado 45,7 mil casos e 2,9 mil mortes no dia 22 de abril e ultrapassaram a casa dos 90 mil casos e 6 mil óbitos no dia 01 de maio de 2020. O surto epidêmico no Brasil não apenas tem crescido mais rápido do que a média mundial, como também aumentou a velocidade nestes últimos dias. Ou seja, o Brasil está subindo e não descendo a ladeira. O pico da pandemia está mais distante, por conseguinte, o fim do surto está mais longe. Ao mesmo tempo a paciência das pessoas está diminuindo e o relaxamento da quarentena pode ser o combustível que, infelizmente, possibilite a aceleração do contágio do vírus. Quanto mais reduzido for o distanciamento social, neste momento, maior será o drama da emergência sanitária e seus efeitos na morbidade e na mortalidade da população.

O panorama nacional e global

Os números da pandemia do coronavírus no Brasil, na tarde do Dia do Trabalhador, chegaram ao montante de 91.589 pessoas infectadas e 6.329 óbitos, com uma taxa de letalidade de 6,9%. O número diário de pessoas infectadas foi de 6.209 casos, sendo que o Brasil está apresentando variação absoluta parecida com a Rússia e o Reino Unido (os EUA estão bem à frente), mas com uma variação percentual maior. O número diário de mortes foi de 428 óbitos, sendo que o Brasil está apresentando variação absoluta menor apenas do que a dos Estados Unidos e o Reino Unido, mas com uma variação percentual maior. O Brasil já está em 9º lugar no número de casos e no 8º lugar no número de mortes, mas deve passar a Alemanha e a Bélgica nos próximos dias e saltar para o 6º lugar neste triste ranking global.

O gráfico abaixo mostra o número de pessoas infectadas pelo coronavírus no Brasil e nos seis países que estão no topo do ranking global da pandemia, entre os dias 15/02 e 01/05/2020. Nota-se que os EUA assumiram a liderança mundial a partir de meados de março, enquanto os outros 5 países caminham para a estabilização e o Brasil caminha para atingir o segundo lugar.

Entre os dias 01 de abril e 01 de maio, o número de casos nos EUA passou de 220 mil para 1,13 milhão, um aumento de 5,1 vezes (ou 5,6% ao dia) e o país disparou na liderança do ranking global. A Itália que tinha 110 mil casos passou para 207 mil, um aumento de 1,9 vezes (ou 2,1% ao dia). A Espanha tinha 104 mil casos em 01/04 e passou para 243 mil, um aumento de 2,3 vezes (ou 2,9% ao dia). A Alemanha tinha 78 mil casos e passou para 164 mil, um aumento de 2,1 vezes (ou 2,5% ao dia). A França tinha 57 mil casos e passou para 167 mil, um aumento de 2,9 vezes (ou 3,7% ao ano). O Reino Unido (UK) tinha 29 mil casos e passou para 177 mil, um aumento de 6 vezes (ou 6,2% ao dia). Por fim, o Brasil tinha 6,9 mil casos e passou para 91,6 mil, um aumento de 13,4 vezes (ou 9% ao dia).

Portanto, nos últimos 30 dias o Brasil foi o país que apresentou a maior velocidade de crescimento no número de pessoas infectadas, entre aqueles que estão no topo do ranking global. Para efeito de comparação, se o Brasil mantiver o mesmo ritmo nos próximos 30 dias poderá chegar em 1,2 milhões de casos no dia 31 de maio. Provavelmente, este número não será atingido, mas o Brasil tem grande probabilidade de saltar para o segundo lugar no ranking.

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A evolução da riqueza é lenta, mas a ruína é rápida

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O gráfico abaixo mostra o número de mortes pelo coronavírus no Brasil e nos seis países que estão no topo do ranking global da pandemia, entre os dias 15/02 e 01/05/2020. Nota-se que os EUA também assumiram a liderança mundial a partir de meados de março, enquanto os outros cinco países caminham para a estabilização do número de óbitos e o Brasil caminha para atingir o segundo lugar no ranking de vítimas mundiais.

Entre os dias 01 de abril e 01 de maio, o número de mortes nos EUA passou de 6,4 mil para 65,7 mil, um aumento de 10,2 vezes (ou 8,1% ao dia) e o país disparou na liderança do ranking global. A Itália que tinha 13 mil mortes passou para 28 mil, um aumento de 2,1 vezes (ou 2,6% ao dia). A Espanha tinha 9,3 mil mortes em 01/04 e passou para 24,8 mil, um aumento de 2,6 vezes (ou 3,3% ao dia). A Alemanha tinha 931 mortes e passou para 6,7 mil, um aumento de 7,2 vezes (ou 6,8% ao dia). A França tinha 4 mil mortes e passou para 24,6 mil, um aumento de 6,1 vezes (ou 6,2% ao ano). O Reino Unido (UK) tinha 3 mil mortes e passou para 27,5 mil, um aumento de 8,9 vezes (ou 7,6% ao dia). Por fim, o Brasil tinha apenas 240 mortes e passou para 6,3 mil, um aumento de 11,5 vezes (ou 11,5% ao dia).

Portanto, nos últimos 30 dias o Brasil foi o país que apresentou a maior velocidade de crescimento no número de mortes, entre aqueles que estão no topo do ranking global. Para efeito de comparação, se o Brasil mantiver o mesmo ritmo nos próximos 30 dias poderá chegar em 167 mil mortes no dia 31 de maio. Provavelmente, este número não será atingido, mas o Brasil tem grande probabilidade de saltar para o segundo lugar no ranking.

 O que diz o modelo da Universidade de Singapura sobre o fim da pandemia no Brasil

A Universidade de Singapura (US) fez um modelo estatístico que pretende monitorar o ritmo da pandemia e prever o seu fim. A cada dia eles vão incorporando os novos dados e o modelo estabelece a data final com as margens de segurança de 97% e 99%.

Com dados até o dia 27/04 (gráfico da esquerda) o modelo apontava o fim da pandemia no Brasil, com 97%, no dia 01 de junho e com 99% no dia 12 de junho. Mas com dados do dia 30/04 (gráfico da direita) as datas estimadas do fim da pandemia no Brasil passaram para os dias 23 de junho (com 97%) e para 08 de julho (com 99%). Portanto, a curva subiu e se alargou, ao invés de achatar.

Estas mudanças de datas não nos causam espanto, pois estamos mostrando aqui neste diário que a pandemia de covid-19 no Brasil ainda está em expansão e o pico do surto ainda não está visível no horizonte de curto prazo. Repetindo, o Brasil está subindo e não descendo a ladeira.

A pandemia e o colapso das sociedades complexas

Segundo Francis Fukuyama existem muitas semelhanças entre o surto pandêmico do coronavírus e o desastre nuclear de Chernobyl, ambos causados pelas modernas tecnologias e a complexidade do mundo atual. Neste sentido, vale a pena recordar o livro “The Collapse of Complex Societies” (Colapso das Sociedades Complexas), de Joseph Tainter, que descreve o processo de ascensão e queda das civilizações e mostra que os colapsos ocorrem quando os custos da complexidade superam os benefícios. O livro demonstra que o colapso das sociedades ocorre baseado em quatro axiomas: 1) sociedades humanas são organizações voltadas para a solução de problemas; 2)  sistemas sociopolíticos necessitam de energia para a sua manutenção; 3) aumento da complexidade traz consigo o aumento dos custos per capita; e 4) investimento em complexidade sócio-política – como uma resposta à resolução de problemas complexos – atinge um ponto de retorno marginal decrescente.

Para Tainter, o sistema tende a colapsar quando a introdução de um acréscimo de complexidade exige um custo superior ao benefício que ele produz. No caso do Império Romano, o autor verificou que o maior problema enfrentado foi quando os romanos tiveram de sustentar custos muito elevados, apenas para manter o “status-quo“. Tinham de investir enormes somas para resolver problemas de manutenção do Império, sem retorno positivo. Isto reduziu a vantagem de ser uma sociedade complexa. Desta forma, o colapso pode ser definido como “uma rápida redução da complexidade”.

Embora o livro de Joseph Tainter tenha sido escrito em 1988 ele permanece atual em vários aspectos na medida em que a situação contemporânea, com alto grau de complexidade, tem assistido ao processo de redução dos retornos econômicos devido ao esgotamento dos recursos naturais, ao aumento da violência, dos conflitos gerados pela desigualdade social e de ameaças epidêmicas que mostram a fragilidade da economia e da governança global.

Frase do dia 29 de abril de 2020

“A evolução da riqueza é lenta, mas a ruína é rápida”

Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.)

Escritor e advogado

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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