Diário da Covid-19: Brasil caminha para ser o segundo país mais afetado pela pandemia

Valcione Soares e Vitor Soares choram a morte de sua avó Enedina Soares, de 71 anos, vítima de covid-19, durante seu enterro no cemitério de Nossa Senhora da Piedade, em Manaus. Foto Michael Dantas/AFP

Sem testes e sem comando, escalada dos casos ganha velocidade, subnotificações assustam e sistema de saúde entra em colapso

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 7 de maio de 2020 - 10:10 • Atualizada em 26 de dezembro de 2021 - 17:00

Valcione Soares e Vitor Soares choram a morte de sua avó Enedina Soares, de 71 anos, vítima de covid-19, durante seu enterro no cemitério de Nossa Senhora da Piedade, em Manaus. Foto Michael Dantas/AFP

Em dois dias, o Brasil somou mais de 17 mil novas pessoas infectadas e mais de 1.200 novas mortes. Considerando os números acumulados de casos, o Brasil está em 9º lugar no ranking internacional e no número acumulado de mortes está em 6º lugar. Mas nas variações diárias está em terceiro lugar, tanto em número de casos (atrás dos EUA e da Rússia) quanto em números diários de mortes (atrás dos EUA e do Reino Unido). Portanto, os danos da pandemia crescem continuamente e estão colocando o Brasil rumo ao segundo posto na hierarquia dos países mais afetados pelo surto da covid-19.

A escalada brasileira parece ser inexorável. Não, simplesmente, pelos últimos dois dias, mas pelo conjunto da obra. A série histórica mostra que os números diários de casos e de mortes diminuem nos fins de semana e feriados prolongados e aumentam nos dias úteis. Evidentemente, isto reflete uma fragilidade do sistema estatístico da saúde que não consegue registrar de forma tempestiva os dados. Mas este é um problema menor, pois podemos fazer análises semanais ou quinzenais que atenuam a sazonalidade dos registros. Além de tudo, atualizações são comuns em todo o mundo, pois quantificar os casos de contaminação e identificar a causa de morte básica não é tarefa simples, em especial, quando o número de testes é baixo e há muitas pessoas assintomáticas. Por exemplo, a Rússia realizou 4,64 milhões de testes contra apenas 340 mil do Brasil. Por conseguinte, os números de subnotificações são escandalosos no Brasil, dificultando a boa gestão da política de saúde.

Segundo o pesquisador Domingos Alves e colegas, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, o número total de infectados por coronavírus no Brasil chegaria a 1.657.752 (podendo variar entre 1.345.034 e 2.021.177) na estimativa para o dia 04 de maio. Isto é, cerca de 12 vezes mais do que os atuais 125 mil casos. Mesmo com números um pouco diferentes, outros estudos apontam para uma subnotificação monstruosa, como mostra o biólogo e infectologista Atila Iamarino, com base em estudo do Imperial College de Londres, que diz que o Brasil está perdendo 90% dos seus casos. O próprio prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, reconhece que os números de casos e mortes na cidade deve ser aproximadamente 5 vezes os números oficiais notificados.

O fato é que o Brasil virou um novo epicentro da pandemia e pode já estar no segundo lugar do ranking global, ou, considerando apenas os dados oficiais, está a caminho de chegar ao topo, ao lado dos Estados Unidos.

O panorama nacional e global

O Ministério da Saúde informou, na tarde de quarta-feira (06/05), que o país atingiu 125.218 casos e 8.536 mortes pela covid-19, com uma taxa de letalidade de 6,8%.

O número diário de pessoas infectadas foi de 10.503 casos, recorde absoluto para o país.  O número diário de vítimas fatais foi de 615 óbitos nas últimas 24 horas, também recorde absoluto. O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos casos e das mortes no Brasil de março até o dia 06 de maio. Nota-se que todas as baixas acontecem nos fins de semana e os picos nos dias úteis. Mas as linhas (pontilhadas) de tendência polinomial de terceiro grau apresenta uma suavização das oscilações sazonais e indica uma extrapolação para os próximos 7 dias. O importante a observar é que existe de fato uma tendência ao aumento diário dos casos e das mortes e a perspectiva de que estes valores elevados de ontem (06/05) devem se repetir na semana que vem e até bater novos recordes, pois o pico da pandemia ainda está um pouco distante.

Globalmente, no dia 06 de maio, o número de casos chegou a 3,8 milhões, com 265 mil mortes. O número diário de pessoas infectadas no mundo aumentou em 95 mil casos e o número de mortes aumentou em 6,8 mil óbitos em 24 horas. Olhando a série histórica mundial, nota-se que a pandemia já atingiu o pico e desde a segunda quinzena de abril os números diários já começaram a cair, embora ainda variando em um patamar alto. De qualquer forma, as linhas (pontilhadas) de tendência indicam uma inclinação para achatar a curva.

O contraste entre os dois gráficos é bastante acentuado, pois o Brasil ainda está numa fase se expansão da pandemia, enquanto na média mundial a tendência é de retração. Existem países, como Taiwan, Nova Zelândia e Vietnã que conseguiram controlar o surto do coronavírus e já estão planejando a retomada das atividades econômicas e sociais.

O que há em comum nestes países vitoriosos é a unidade entre o Poder Público e a sociedade civil em torno de medidas duras, mas efetivas para derrotar o vírus. Infelizmente, no Brasil, nem o poder máximo da União e nem setores da sociedade foram capazes de criar uma sinergia para unir o país e vencer as dificuldades. Basta uma parcela da população se rebelar contra o isolamento social e adotar uma postura de transgressão aos protocolos de prevenção para colocar tudo a perder. Uma pandemia só é vencida com o povo unido ao governo em torno de objetivos claros e definidos, implementados com seriedade e determinação.

Enquanto isso, em Taiwan, a loja de departamentos Daimaru, que estava fechada desde o início de abril, volta a funcionar com novas regras de convivência. Foto The Yomiuri Shimbun via AFP

 Manifesto: “Não ao retorno ao normal”

Um manifesto organizado por Robert De Niro e Juliette Binoche, reuniu mais de 200 artistas e cientistas, incluindo Madonna, Cate Blanchett, Philippe Descola, Joaquin Phoenix, Albert Fert e muitos outros que se juntaram para fazer um apelo quanto à necessidade de mudar profundamente o padrão de produção e consumo da economia internacional.

O manifesto começa dizendo que “A pandemia de Covid-19 é uma tragédia. Essa crise, no entanto, tem a virtude de nos convidar a enfrentar as questões essenciais. A avaliação é simples: os “ajustes” não são mais suficientes, o problema é sistêmico”.

Os signatários entendem que a poluição, o aquecimento global e a destruição dos espaços naturais estão levando o mundo a um ponto de ruptura. Portanto conclamam: “Apelamos solenemente aos líderes e cidadãos para que saiam da lógica insustentável que ainda prevalece, para finalmente trabalhar em uma profunda revisão dos objetivos, dos valores e das economias”.

Link da publicação original: https://www.lemonde.fr/idees/article/2020/05/06/non-a-un-retour-a-la-normale-de-robert-de-niro-a-juliette-binoche-de-joaquin-phoenix-a-angele-l-appel-de-200-artistes-et-scientifiques_6038775_3232.html

Henry Thoreau e a defesa do meio ambiente

Neste dia 06 de maio o mundo celebrou o aniversário dos 158 anos da morte de Henry Thoreau (12/07/1817 – 06/05/1862). Já falamos aqui de uma das obras mais influentes do genial pensador norte-americano, que é “A desobediência civil”.

A outra obra fundamental é o livro “Walden ou A Vida nos Bosques”. Thoreau construiu sozinho uma pequena cabana às margens do lago Walden, localizado nas florestas ao redor da cidade de Concord e lá viveu como um filósofo ermitão, de 1845 a 1847, mostrando ser possível uma vida simples e em harmonia com a natureza, com pouco trabalho, muitas caminhadas, observação do meio ambiente, leitura, escrita e autorresponsabilidade com a alimentação e os afazeres domésticos.

Thoreau se tornou pioneiro do movimento ambientalista e suas obras passaram a ter grande influência sobre os amantes da natureza nas décadas e séculos seguintes. Por exemplo, ele foi um dos inspiradores da criação do Parque Nacional de Yosemite – inaugurado em 1864 (com 3.100 km2) e do Parque Nacional de Yellowstone – inaugurado em 1872 (com 8.980 km2).

Henry Thoreau está estabelecido no panteão dos grandes pensadores da humanidade. As suas ideias continuam vivas e cada vez mais presentes nos movimentos libertários e no combate ao antropocentrismo. Lembrar a obra de Thoreau é uma necessidade cada vez mais urgente, em especial, diante da possibilidade cada vez mais presente de um colapso ecológico, em função do aquecimento global e da perda de biodiversidade.

Frase do dia 16/04/2020

“Um homem que ama os bosques, caminha por eles durante a metade de cada dia, arrisca-se a ser visto como um vagabundo. Mas se dedica todo seu dia à especulação, destroçando esses bosques e deixando a terra pelada antes que haja chegado sua hora, é estimado como um cidadão industrioso e empreendedor”.

Henry Thoreau (12/07/1817 – 06/05/1862)

Autor de “Desobediência Civil” e “Walden ou A Vida nos Bosques

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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