Diário da Covid-19: Brasil ainda está distante do pico da doença

Em Sertãozinho, no interior de São Paulo, o Cristo Redentor, com 56 metros, amanheceu com uma máscara em homenagem aos profissionais de saúde. Foto Thiago Calil/AGIF

País chega hoje aos 100 mil casos e caminha para 10 mil mortes. Pressão sobre o sistema de saúde deve aumentar muito nas próximas semanas

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 3 de maio de 2020 - 09:50 • Atualizada em 26 de dezembro de 2021 - 17:02

Em Sertãozinho, no interior de São Paulo, o Cristo Redentor, com 56 metros, amanheceu com uma máscara em homenagem aos profissionais de saúde. Foto Thiago Calil/AGIF

Analisando os dados desde a 10ª Semana Epidemiológica (01 a 07 de março) observamos que o ritmo da pandemia da covid-19 vinha diminuindo semana a semana até a 17ª SE. Contudo, na 18ª SE (26 de abril a 02 de maio) houve um aumento do percentual de pessoas infectadas e uma estabilização da variação percentual de mortes no Brasil. Isto é preocupante, pois indica um repique inesperado no aumento do número de casos, mostrando que a taxa de contágio continua alta no país e o pico (ou zênite) da curva ainda está distante. Assim, haverá uma grande pressão sobre o sistema de saúde nas próximas semanas. O fim da pandemia no Brasil está cada vez mais distante, enquanto outros países já vislumbram dias melhores para o final do mês de maio.

O panorama nacional

Os números da pandemia do coronavírus no Brasil na tarde de sábado (02/05) indicam 96.559 casos e 6.750 mortes, com uma taxa de letalidade de 7%. A variação diária do número de pessoas infectadas e de mortes se reduziu um pouco, como acontece nos fins de semana e feriados prolongados. Mas o Brasil continua com taxas de variação diárias elevadas, chegará hoje aos 100 mil casos e caminha para 10 mil mortes

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no Brasil por semana epidemiológica (SE), segundo a definição do Ministério da Saúde que aponta a 10ª SE como a semana de 01 a 07 de março de 2020, a 11ª SE como 8 a 14/03 e assim por diante. No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03. Foram apenas 17 casos, mas o aumento foi de 9,5 vezes (o que representa 37,9% ao dia). No dia 14/04 chegou a 121 casos. Foram apenas 102 casos na 2ª SE, mas houve um aumento semanal de 6,4 vezes (ou 30,3% ao dia) e assim por diante.

Os dados disponíveis da penúltima semana epidemiológica (19 a 25 de abril), indicavam um aumento de 21.910 casos, um incremento de 1,6 vezes em relação à semana anterior (ou 6,9% ao dia). Portanto, a despeito do aumento significativo do número absoluto de casos, a variação relativa vinha diminuindo até a 17ª SE. Mas, preocupantemente, o número de casos aumentou 1,7 vezes na última semana, ou 7,4% ao dia, na 18ª SE (26/04 a 02/05).

No mês de abril, o número oficial de pessoas infectadas passou de 6,8 mil em 01/04 para 85,4 mil em 30/04, um crescimento de 12,5 vezes (ou 8,8% ao dia). Mesmo com toda a subnotificação, se o ritmo do crescimento dos números oficiais se repetirem, o Brasil teria mais de 1 milhão de casos em 31 de maio. Provavelmente, o valor do final do mês será menor do que isto, mas existe uma grande probabilidade de o Brasil pular para o segundo lugar no ranking global, atrás apenas dos Estados Unidos.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de mortes nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE). O primeiro óbito pela Covid-19 no Brasil ocorreu no dia 17 de março e chegou a 18 óbitos no dia 21/03, o aumento foi de 18 casos em 5 dias, o que representou um crescimento diário de 78,3%. Na semana seguinte, o número de mortes chegou a 111 óbitos (ou 29,7% ao dia) e assim por diante. Na penúltima semana (17ª SE) a variação foi de 1.669 óbitos em 7 dias (o que significou 7,8% ao dia). Esperava-se que as taxas continuassem caindo, mas isto não ocorreu e na última semana (18ª SE de 26/04 a 02/05) o número de mortes passou de 4 mil para 6,8 mil, um aumento de 1,7 vezes (ou 7,7% ao dia).

Ou seja, a taxa de variação diária ficou praticamente estável nas duas últimas semanas. No mês de abril o número de mortes passou de 240 óbitos para 5,9 mil, um aumento de 24,6 vezes (ou 11,3% ao dia). Neste ritmo o Brasil teria mais de 140 mil mortes em 31 de maio. Provavelmente, o valor do final do mês será menor, mas existe uma grande probabilidade de o Brasil, também em relação às vítimas fatais, pular para o segundo lugar no ranking global, atrás apenas dos Estados Unidos.

A crise sanitária brasileira é séria. O Brasil é um dos poucos países que mantém taxas de crescimento dos casos e das mortes acima de 7% ao dia. Se forem computadas as subnotificações a catástrofe é muito maior. Mas mesmo com dados deficientes, os valores indicam que a curva da pandemia no Brasil, ao invés de ser achatada ou eliminada, está crescendo e se alargando.

Parece que nem a Universidade de Singapura (US) acredita na gravidade do surto no Brasil. A cada dia eles adiam o pico e a data final da pandemia. Com dados até o dia 27/04, o modelo apontava o pico em torno de 3,5 mil casos e o fim da pandemia no Brasil, com 97%, no dia 01 de junho e com 99% no dia 12 de junho. Mas com dados do dia 30/04, o pico passou para cerca de 5,5 mil e as datas estimadas do fim da pandemia no Brasil passaram para os dias 23 de junho (com 97%) e para 08 de julho (com 99%).

Com dados até 01/05, o modelo da US estimou o pico em 6,5 mil casos diários e o fim da pandemia nos dias 02 de julho (com 97%) e para 20 de julho (com 99%). Ou seja, o modelo da US tem trazido mais confusão do que esclarecimento sobre o futuro do surto pandêmico, pelo menos no Brasil, que ainda está subindo a ladeira. A atenção de todas as pessoas deveria ser direcionada para reverter a direção da curva e paralisar o contágio e as mortes o mais rápido possível. O governo deveria ajudar e dar o exemplo para o combate à epidemia.

O panorama global

O dia 02 de maio encerrou com 3,48 milhões de casos e 245 mil mortes registradas no mundo, com uma taxa de letalidade de 7%. As variações diárias dos casos (acima de 80 mil) e das mortes (acima de 5 mil) estão diminuindo, indicando que o pico global já passou, mas os valores diários ainda estão em um patamar alto.

O gráfico abaixo mostra que no dia 01/03 havia 88,6 mil casos e passou para 106 mil no dia 07/03, um aumento de 1,22 vezes (ou 2,9% ao dia) na 10ª semana epidemiológica (SE). Na semana seguinte (11ª SE), passou de 110 mil casos para 156,7 mil, um aumento de 1,48 vezes (ou 5,7% ao dia) e assim por diante. Na penúltima semana (17ª SE) o número de casos passou de 2,41 milhões no dia 19/04 para 2,92 milhões no dia 25/04 (um aumento de mais de 500 mil casos em uma semana, ou 1,25 vezes, significando 3,3% ao dia). Dando continuidade ao declínio, o número de casos aumentou 1,2 vezes na última semana, ou 2,6% ao dia na 18ª SE (26/04 a 02/05). Nitidamente, a curva está reduzindo o ritmo e caminha para algo próximo à estabilização, provavelmente, até o final de junho (se não houver novos epicentros pelo mundo).

O gráfico abaixo mostra que o ritmo de aumento das mortes pela Covid-19 é mais acelerado do que o ritmo do aumento dos casos. Na primeira semana de março (10ª SE), o número de mortes passou de 3.050 no dia 01/03 para 3.599 no dia 07/03, um aumento de 1,21 vezes (ou 2,8% ao dia). Nas semanas seguintes o número absoluto de mortes cresceu muito e a velocidade da pandemia também aumentou até a 13ª SE, quando o número de mortes passou de 14,6 mil óbitos no dia 22/03 para 30,9 mil mortes no dia 28/03, um aumento de 2,23 vezes ou 13,1% ao dia. Nas semanas seguintes o número absoluto de mortes continuou aumentando, mas com desaceleração do ritmo. Na semana retrasada (17ª SE) o número de mortes passou de 165 mil no dia 19/04 para 203 mil em 25/04, um aumento de 1,26 vezes (ou 3,4% ao dia). Na última semana (18ª SE de 26/04 a 02/05) o número de mortes passou de 200 mil para 244 mil, um aumento de 1,2 vezes (ou 2,7% ao dia).

Ou seja, o surto de mortes vai continuar avançando no mês de maio, mas com uma velocidade mais reduzida em relação ao mês de abril, mesmo assim o número de vítimas globais deve ultrapassar 500 mil mortes até o final do mês de maio.

No âmbito internacional, parece que o pesadelo noturno está terminando e já se vislumbra a alvorada. Mas o dia de amanhã não será igual aos dias pré-covídicos.  A humanidade vai ter que refletir sobre a nova realidade global e local e terá que refazer o seu modo de ser, viver e agir.

 Frase do dia 03 de maio de 2020

“Só amanhece o dia para o qual estamos acordados”

Henry Thoreau (1817-1862)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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Um comentário em “Diário da Covid-19: Brasil ainda está distante do pico da doença

  1. Nilton disse:

    Olá.
    Gostei muito da postagem, da riqueza de detalhes. Ultimamente venho me baseando na subida dos casos registrados nos EUA, e comparando com o Brasil. Lá, o numero de casos chegou a 100 mil em 27/03. No Brasil, chegou a 100 mil em 03/05, quando por lá o valor passou de 1, 1 milhão. (Em 04/05 foram mais quase 30 mil casos novos) No site de previsões da Universidade de Singapura, a curva maior nos EUA foi em meados de Abril. No Brasil, está prevista para meados de Maio. Com essas comparações, como poderia ficar a situação da pandemia no Brasil em Junho e Julho?

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