Dia do Meio Ambiente: 17 razões para não comemorar

Brasil não cumpre metas acordadas com a ONU e está cada vez mais distante do desenvolvimento sustentável

Por Agostinho Vieira | ODS 17 • Publicada em 5 de junho de 2021 - 19:11 • Atualizada em 12 de julho de 2021 - 12:49

Incêndios florestais na Amazônia, praga que se repete anualmente com aumento da grilagem e do desmatamento (Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace)

“Se fizéssemos um minuto de silêncio por cada vítima da covid-19, ficaríamos 320 dias quietos”. Foi com esta frase de impacto que a médica infectologista Luana Araújo iniciou o seu depoimento no Senado durante a CPI da Covid. Seguindo o mesmo raciocínio da Dra. Luana, neste 5 de junho, Dia do Meio Ambiente, se fizéssemos um minuto de silêncio por cada árvore derrubada no Brasil, teríamos que ficar calados por mais de 360 anos. Pensando bem, dependendo do interlocutor, essa até que não é uma má ideia. Assim não ouviríamos, por exemplo, que a pandemia que já matou quase 500 mil brasileiros “é só uma gripezinha” ou que seria bom aproveitar “o momento de tranquilidade da covid para ir passando a boiada e simplificando normas ambientais”.

Na verdade, esse cálculo de 360 anos de silêncio leva em conta “apenas” as 189 milhões de árvores cortadas em 2019 na região do Xingu, na Amazônia. Se considerarmos os dois primeiros anos do governo Bolsonaro, o número seria muito maior, já que o desmatamento chegou a 8.802 km², quase o dobro do registrado nos anos de 2016, 2017 e 2018. E pior, sempre pode ficar pior, segue subindo. Mas nem só de árvores derrubadas vive o nosso calvário ambiental. Neste Dia do Meio Ambiente, quando se olha para o compromisso assumido pelo Brasil de alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030, a situação é igualmente desesperadora. Dos 17 objetivos, o Brasil vem deixando de cumprir ou de avançar na direção de exatamente 17 deles. Ou seja, todos.

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Se fizéssemos um minuto de silêncio por cada árvore derrubada no Brasil, teríamos que ficar calados por mais de 360 anos

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Os ODS foram aprovados em 2015 por 195 países, entre eles o Brasil, e incluem objetivos ou sonhos como erradicar a fome, reduzir as desigualdades, garantir saúde e educação de qualidade para todos, universalizar o saneamento básico e construir cidades sustentáveis. Em 2020, o IV Relatório Luz, feito pelo Grupo de Trabalho para a Agenda 2030, que reúne 57 organizações da sociedade civil, revelou que das 169 metas brasileiras, contidas nos 17 ODSs, 60 estavam em “retrocesso” e 26 “ameaçadas” de não serem cumpridas. Além disso, em outras 32 metas, o Brasil recebeu a avaliação “estagnada” e apenas 27 ganharam a classificação de “progresso insuficiente”.

O V Relatório Luz, referente ao ano de 2021, já está pronto e será divulgado em julho. Ele passa agora por ajustes finais. Os números ainda não são conhecidos, mas, em entrevista ao #Colabora, Alice Junqueira, integrante do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 e representante do coletivo Clímax Brasil, resumiu o que os dados vão mostrar no próximo mês: “Está tudo pior. O Relatório Luz é feito há cinco anos e a cada ano os resultados pioram. De 2019 para cá os retrocessos foram muito significativos. Estamos cada vez mais distantes de alcançar as metas e cumprir os compromissos assumidos”, lamentou.

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Para quem ainda tem dúvidas sobre os avanços ou retrocessos do Brasil nessa área, neste Dia do Meio Ambiente o #Colabora fez um resumo, com base nos dados de 2020, dos indicadores disponíveis para cada um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Veja a seguir:

ODS 1 – Erradicar a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares

A pobreza vem crescendo no Brasil desde 2016, quando foi aprovada a Emenda Constitucional 95 – que instituiu o Novo Regime Fiscal e limitou a capacidade de investimento de estados e municípios, mas manteve a remuneração dos juros, amortizações e serviços da dívida pública. Neste Dia do Meio Ambiente, o país tem quase 15 milhões de desempregados e mais de 41% dos trabalhadores vivem na informalidade.

ODS 2 – Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável

A insegurança alimentar grave esteve presente no lar de 10,3 milhões de brasileiros entre 2017 e 2018, como retrata a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, divulgada pelo IBGE em setembro de 2020. Isso significa que quase 5% da população brasileira convive novamente com a fome. De acordo com o ex-diretor geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano da Silva, o retorno do Brasil ao Mapa da Fome é inaceitável. Ele ressalta que, no meio rural, os dados são ainda mais graves: a fome ultrapassa 7%.

ODS 3 – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades

A saúde e a assistência social foram desvinculadas da Previdência, com a aprovação da Emenda Constitucional 103, que compromete a destinação de verbas para promover a vida saudável, um direito de toda a população. Além disso, a incompetência do governo na gestão da pandemia de covid-19 continua impactando de forma violenta as metas deste ODS. Houve atraso na compra das vacinas, incentivo ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada, falta de leitos e de insumos básicos como o oxigênio em várias partes do país.

ODS 4 – Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União em 2020 apontou o baixo nível de governança do Ministério da Educação na condução de políticas públicas educacionais como entrave para o alcance das metas do Plano Nacional de Educação (PNE). A maioria das ações previstas no PNE vêm sendo sucessivamente escanteadas desde 2015 e, até 2019, apenas 4 das 20 metas apresentaram algum avanço, sendo que nenhuma foi integralmente cumprida. A universalização da educação infantil (4 e 5 anos de idade) caminha a passos lentos. Os últimos dados disponíveis, relativos a 2018, apontam que, no ritmo de avanço atual, esse indicador só poderá ser atingido em 2024.

ODS 5 – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas

O Brasil vem retrocedendo na garantia dos direitos das mulheres, com o desmonte das políticas públicas via progressiva redução de recursos. O arcabouço legal para promover, reforçar e monitorar a igualdade e a não discriminação existe, mas não é cumprido. As violações sistemáticas aos direitos das mulheres e meninas crescem, mas o governo segue focando no “combate à ideologia de gênero”, sem políticas que abordem as desigualdades e violências sofridas pela população LGBTI+. Estima-se que entre 16 e 20 milhões de brasileiras tenham sofrido algum tipo de violência no período de um ano.

ODS 6 – Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos

Definitivamente, a universalização do acesso à água potável e ao esgotamento sanitário não é uma prioridade do Estado brasileiro, em seus diferentes níveis de governo, mesmo considerando uma análise histórica mais longa. O ODS 6 trata de dois direitos humanos fundamentais, com correlações diretas com outros ODS, por exemplo, saúde, combate às desigualdades, erradicação da pobreza e promoção de cidades sustentáveis. Tudo indica que a universalização não será uma realidade em 2030, marco dos ODS, nem sequer em 2033, como previsto no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Se tivermos sorte, ela chegará em 2060. Entre 2010 e 2018, o atendimento de água passou de 81,1% para 83,6%, um avanço muito aquém do necessário. Já o índice de tratamento de esgoto está estagnado há pelo menos três anos. Somente 46% do esgoto gerado vem sendo tratado.

ODS 7 – Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos

Acompanhar o ODS 7 é um desafio por conta da falta de dados. A referência mais recente sobre a provisão de energia elétrica para toda a população é o Censo 2010, primeira e única vez que o Censo incluiu informações a respeito. À época, o grau de universalização dos serviços era de 97,8% — com 99,1% para as áreas urbanas e 89,7% para a zona rural —, a energia elétrica ainda excluía 2.749.243 pessoas, das quais 85,6% moravam na zona rural. Dentre os brasileiros e brasileiras que não têm acesso à energia elétrica, 89% estão concentrados nos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

ODS 8 – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos

Desde 2017, o Produto Interno Bruto estagnou em um crescimento de pouco mais de 1% ao ano. Já o PIB per capita acumulou desde 2011 – quando teve início a trajetória decrescente – perda de 34,18% no poder de compra, com queda de 3,18% em 2019, em comparação com o ano anterior. Este histórico já comprometia as metas do ODS 8, mas a pandemia do novo coronavírus aprofundou ainda mais as perspectivas negativas. A previsão é de crescimento para o PIB de 2021, mas muito abaixo da média mundial.

ODS 9 – Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação

Não há dados atualizados no portal de acompanhamento do Ipea, órgão responsável por avaliar a implementação das metas. Em 2019 o Ipea reconheceu que “apesar de haver no Brasil programas e políticas que respaldam a implementação do nono objetivo, há dificuldades a serem superadas.” Embora os dados do estudo sejam de dois anos antes, a conclusão é que o principal desafio é “garantir condições de investimentos em infraestrutura, além de disponibilizar recursos financeiros para ciência, tecnologia e inovação”.

ODS 10 – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles

As históricas desigualdades estruturais no país, embora permeiem todos os ODS, se expressam fortemente neste e vêm sendo muito potencializadas com a pandemia. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) vem alertando sobre a necessidade de especial proteção a grupos em situação de vulnerabilidade ou em risco (pessoas idosas, em situação de rua, de trabalho informal, de desemprego, com sofrimento ou transtorno mental, com deficiência, vivendo com HIV/Aids, LGBTI+, população indígena, negra e ribeirinha, garis e catadores/as de materiais recicláveis), o que não tem sido considerado pelo governo federal. Entre 2014 e 2019, a renda do trabalho da metade mais pobre da população caiu 17,1%3 e a renda do 1% mais ricos subiu 10,11%.

ODS 11 – Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis

O Brasil também segue distante de alcançar as metas do ODS 11. O Ipea, órgão responsável pelo monitoramento e avaliação do desenvolvimento dos ODS, adaptou a meta 11.11 à realidade nacional, no final de 2018. Agora o objetivo a ser atingido é “até 2030, garantir o acesso de todos à moradia digna, adequada e a preço acessível; aos serviços básicos e urbanizar os assentamentos precários de acordo com as metas assumidas no Plano Nacional de Habitação, com especial atenção para grupos em situação de vulnerabilidade.” Mas, em 2019 foi extinta a faixa 1 do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ (famílias com renda até R$ 1.800,00 por mês) e o Plano Plurianual 2020-2023 propõe a busca de investimentos privados para a política habitacional, de mobilidade e transporte (Programa 2220).

Os últimos dados disponibilizados pela Fundação João Pinheiro (FJP), relativos a 2015, apontam déficit de 6,3 milhões de domicílios. E não há perspectivas de avanços, dada a falta de recursos para os governos estaduais realizarem intervenções habitacionais e de produção de moradia para baixa renda, o que se agrava com a pandemia e o redirecionamento orçamentário para outras áreas emergenciais.

ODS 12 – Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis

O cenário traçado até aqui não aponta para avanços no que diz respeito a uma perspectiva sustentável de desenvolvimento produtivo e consumo. A própria pandemia é reveladora de um patamar de relações comerciais e com o meio ambiente incompatível com a preservação das múltiplas formas de vida no planeta no longo prazo. O Brasil sequer vem consolidando dados sobre a geração de resíduos, redução de poluentes, lixo e reciclagem. Ao invés de desincentivar o consumo de combustíveis fósseis, o governo eliminou restrições de segurança para o uso de veículos automotores e relaxou normativas de controle de poluentes. Setores produtivos também aproveitam a pandemia para adiar responsabilidades com o futuro do planeta.

ODS 13 – Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos

Com desmonte das políticas de controle e a consolidação do negacionismo, é possível dizer que o combate às mudanças climáticas inexiste no Brasil. Das quatro metas deste ODS que se aplicam ao país, todas tiveram retrocesso. Desde 2010 o país mantém sua taxa de emissão no mesmo patamar, com números próximos da meta estabelecida pela Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC) para o ano de 2020 — 2.068 milhões de toneladas. Se por um lado, a manutenção das taxas mostra que não há um esforço para uma diminuição contínua e progressiva, sugerindo que se busca apenas cumprir uma meta (por si só pouco ambiciosa), por outro, a explosão do desmatamento na Amazônia e no Cerrado compromete uma das metas setoriais mais relevantes, que é a redução em 80% das emissões provocadas pelo desmatamento na Amazônia.

ODS 14 – Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável

O objetivo 14 é um dos poucos que teve progresso satisfatório. E, mesmo assim, em apenas uma das dez metas relativas às políticas públicas para conservação dos oceanos. A maioria dos indicadores encontra-se em situação preocupante. O Brasil segue sem uma legislação sobre resíduos sólidos na água e a falta de integração com os requisitos legais. Como consequência, cita-se a baixa qualidade de todos os corpos d’água, se considerada a Resolução 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, além da falta de informações sobre presença e concentração de resíduos. O Estado brasileiro ainda não divulgou oficialmente o montante total despejado em águas brasileiras e não há dados precisos sobre o montante recolhido.

ODS 15 – Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade

Assim que assumiu o governo, o presidente Jair Bolsonaro cogitou extinguir o Ministério do Meio Ambiente. Não o fez, mas indicou um ministro que atua contra a preservação ambiental. Tornou-se pública a orientação governamental para constrangimento de servidores no cumprimento de suas funções frente aos atos ilícitos de degradação, desmatamento, uso de recursos naturais, pesca, mineração e ocupação de áreas protegidas. A paralisação operacional do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional de Mudanças do Clima, a negação de dados científicos e a inércia na utilização dos mecanismos e informações de alertas sobre desmatamento e queimadas compõem o quadro de retrocessos.

ODS 16 – Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis

A deterioração do acesso à justiça e a perseguição aos setores que defendem os direitos humanos são elementos que comprometem profundamente o ODS 16, com uma série de decisões do governo central contrárias aos compromissos assumidos pelo país, à Constituição Federal e aos princípios da democracia, inclusive com a participação de representantes do governo em atos antidemocráticos. O país também perdeu posições no ranking de desempenho democrático dos governos, passando a ocupar a 52ª posição entre 167 países e o 10º lugar na América Latina.

ODS 17 – Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável

A postura isolacionista em âmbito internacional do governo federal, altamente ideologizado, e a subserviência aos Estados Unidos afetaram bastante as parcerias globais do Brasil, política e economicamente. O país ocupa a 56ª posição entre as nações com mais altos impostos sobre importação no mundo. De outro lado, o Brasil vem comprimindo o orçamento de instituições que poderiam contribuir para o desenvolvimento de pesquisas que permitam embasar políticas públicas que sanem as debilidades nacionais. O IBGE, por exemplo, vem sofrendo reduções orçamentárias sistemáticas e o Censo 2020 foi adiado para 2022.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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