Orgulho LGBT+: Foi durante a pandemia de Covid-19, com o isolamento social, que o veterinário Weslley de Souza, 29 anos, e o arquiteto Euclides Ferreira, 28, começaram a morar juntos após seis anos de namoro. Eles se conheceram pelo aplicativo Tinder. Como um casal gay, eles sentem a falta de referências sobre relacionamentos. “A gente já se questionou muito sobre algumas regras que existem em relações por causa disso. Algumas coisas para os nossos pais, por exemplo, seriam completamente inaceitáveis, para gente tudo bem”, conta Weslley. Apesar de viverem juntos há 4 anos, eles ainda não são casados oficialmente e afirmam que ainda não pararam para pensar sobre. Na prática, já se consideram em um casamento.
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Desde 2013, o casamento homoafetivo é uma realidade legal no Brasil, representando um marco na luta pelos direitos da comunidade LGBT+. A oficialização ocorreu em maio daquele ano, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução 175, que determinou aos cartórios a obrigação de realizarem casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo, sem possibilidade de recusa. Antes dessa resolução, casais homoafetivos precisavam recorrer ao Judiciário para converter suas uniões estáveis em casamentos civis reconhecidos.
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Veja o que já enviamosEm 2011, o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que equiparou a união estável entre pessoas do mesmo sexo aos direitos das uniões estáveis heterossexuais. Essa decisão ampliou o acesso a direitos fundamentais como herança, pensão alimentícia e partilha de bens para casais homoafetivos. Com a legalização do casamento homoafetivo, esses casais passaram a ter direitos garantidos como herança em caso de óbito de um dos cônjuges e pensão por morte. Além disso, conquistaram o direito de adotar, seguindo os mesmos critérios aplicáveis a casais heterossexuais. Os benefícios previdenciários também foram estendidos aos cônjuges homoafetivos.
Direitos sempre questionados
Entretanto, apesar dos avanços legais, estes casais ainda enfrentam desafios, incluindo o preconceito e a discriminação em diversas áreas da sociedade. A aceitação social e a implementação plena desses direitos ainda são questões em evolução. “A gente só quer viver a nossa vida, trabalhar, produzir para a sociedade, ter a nossa casa, ter direito como um casal de fato”, disse Euclides.
Um exemplo é o Projeto de Lei 580/2007. Em 2007, o então deputado federal Clodovil Hernandes apresentou o PL com o objetivo central de regulamentar o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. Esta iniciativa buscava assegurar que casais homoafetivos tenham acesso aos mesmos direitos e deveres conferidos aos casais heterossexuais pelo casamento civil. Além disso, o projeto pretendia combater a discriminação baseada na orientação sexual, promovendo a inclusão e a igualdade de direitos para todos os cidadãos.
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Em 2023, o PL 580 sofreu uma reviravolta conservadora em relação ao seu objetivo original. O deputado Pastor Eurico (PL-PE), relator do texto em 2023, rejeitou completamente o projeto original de Clodovil e adotou outra proposta, de autoria do ex-deputado Capitão Assumção (ES). Segundo a versão apresentada por ele, “nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou à entidade familiar”.
Em 2024, uma esperança: a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) foi designada como relatora do projeto de lei em discussão na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Apesar do PL 580/07 ainda ser analisado em conjunto com o PL 5167/09, a expectativa é que Erika Hilton apresente um parecer que diverge do posicionamento do pastor, defendendo a aprovação dos projetos que legalizam o casamento homoafetivo e a rejeição daqueles que buscam proibi-lo. “Agradeço todos os dias por Érika Hilton existir e o que ela faz de serviço para comunidade LGBT+”, afirma Weslley.
Hostilidade familiar
Como grande parte da comunidade LGBT+, o casal passou por processos complexos e reflexivos para falar publicamente sobre a sexualidade. Weslley, nascido na capital paulista, se mudou muito jovem para Sorocaba, no interior de São Paulo. Aos 21 anos, foi morar em Brasília para cursar Medicina e, apenas nessa idade, começou a explorar sua sexualidade. “Antes disso, ela não era algo muito abordada, nem comigo mesmo. Não foi algo que explorei, foi um processo. Eu tive que trabalhar isso longe para depois trabalhar com a minha família, e nem todo mundo da família aceitou tão bem”, afirma o veterinário.
Já Euclides sempre morou em Brasília, mas também teve um processo que passou da negação em sua autoaceitação à uma intenção por parte dos pais para uma ‘cura gay’ dentro da psiquiatria. “Todo mundo descobriu que eu era gay antes mesmo de eu descobrir o que era ser gay. Cresci sem muita referência e sem saber o que eram as outras possibilidades de vivência”. Apesar da intenção inicial da terapia, Euclides encontrou uma profissional ética que o ajudou, na verdade, a entender que a sua sexualidade não era um problema. “Eu fiquei em um processo de negação muito forte comigo, foi muito sofrido, porque eu mesmo não aceitava o conceito, porque eu não tinha essa ideia (de ser gay)”.
O aumento da LGBTfobia e questionamentos de direitos já garantidos podem ser explicados pelo contexto da ascensão de políticos conservadores que adotam a narrativa de que as ‘famílias tradicionais’ serão destruídas por conta da homossexualidade. Por isso, minam os direitos da comunidade apresentando projetos de criminalização dessas pessoas.
Segundo um levantamento da Agência Diadorim com a Gênero & Número, de janeiro 2019 a junho de 2022, deputados estaduais de todo o Brasil apresentaram aproximadamente 120 projetos de lei que afetam a comunidade LGBT+. “Eu queria tanto debater outras coisas nessa altura do campeonato. É 2024, eu queria estar falando sobre combustíveis renováveis e outras alternativas que o Brasil pode ter para se desenvolver como uma potência energética e não sobre se eu posso ou não casar ou se fulana pode ou não abortar,” afirma o arquiteto.