Um magnata da mídia comanda planetária rede de informações, enquanto turbina incidentes políticos, trama conflitos internacionais, conspira contra autoridades que o atrapalham – tudo em nome de ter notícia (e poder) de sobra e, assim, bombar seu império. Para perpetrar (!!) seus objetivos maléficos (!!), o vilão se vale de sortido aparato tecnológico, além de um exército de milicianos altamente treinados.
Leu essa? De tecnologia e apocalipse
Identificou? Olha o açodamento, não é (ainda) nada disso que você está pensando. O infame se chama Elliot Carver e toca o rebu em “007 – O amanhã nunca morre”, 18º filme da franquia do célebre agente secreto britânico (com Pierce Brosnan no papel). O ponto alto está justamente no malfeitor, encenado com precisa afetação e impecável ironia pelo brilhante Jonathan Pryce.
A ficção ganha de 7 a 1 da vida real, onde o papel fica com o canastrão dono do Twitter (X é o cac3et3), o sul-africano naturalizado estadunidense Elon Musk. A rede social que comprou superfaturada serve, sobretudo, para atazanar governos, ameaçar instituições e atacar sociedades mundo afora, em nome de – como Carver – poder e dinheiro.
Semana passada, a rede social anunciou o encerramento de suas operações no Brasil, como retaliação à decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, determinando o bloqueio de perfis que disseminam conteúdo antidemocrático e apresentação de dados referentes a contas ligadas aos bolsonaristas Oswaldo Eustáquio e Allan dos Santos, atualmente foragidos. O escritório, terceiro aberto fora dos EUA, funcionava desde 2012 em São Paulo.
Quarenta trabalhadores pagaram de marisco, o da briga entre o mar e o rochedo, e perderam o emprego, por decisão do magnata, comunicada em texto lacônico, na manhã de sábado. Normal – Musk faz vítimas sem piedade, quando alguém se atreve a se intrometer nos seus planos. Totalmente vilão de filme.
Dentro do personagem, o canastrão emenda a maldade com piadas. No mesmo sábado no qual passou o cerol nos empregos alheios, postou montagem comparando Moraes a Voldemort, o vilão de Harry Potter. Ainda por cima, misturou franquias cinematográficas.
As tramas da vida real pecam, muitas vezes, pela previsibilidade. Para surpresa de um total de zero pessoas, o zilionário anda colado com a extrema direita global, a começar pelos Estados Unidos. Recentemente, promoveu encontro afetuoso com Donald Trump para celebrar o retorno ao Twitter do republicano platinado, banido no bojo da invasão ao congresso americano. Antes, insultou o dirigente da Comissão Europeia Thierry Breton, que cobrou respeito à legislação do bloco.
Aqui, tem a ver com a disseminação de fake news na rede, que gerou caos, violência e tensão no Reino Unido, a partir do assassinato de três crianças, esfaqueadas por um adolescente de 17 anos, na cidade litorânea de Southport. Tuiteiros de extrema direita imediatamente começaram a disseminar que o assassino seria terrorista e imigrante. Obviamente, não prestou: a Inglaterra viveu duas noites de protestos violentos, em especial contra muçulmanos.
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Veja o que já enviamos“Usem máscaras”, postaram os intolerantes, convocando para depredar mesquitas. Manifestantes incendiaram carros e atiraram pedras e tijolos contra as vítimas e a polícia. Trinta e nove agentes ficaram feridos e o primeiro-ministro Keir Starmer convocou reunião para conter os distúrbios. Agora, a verdade: o assassino morava em Cardiff, País de Gales, desde 2023, quando chegou com a família, de Ruanda. Ninguém próximo dele é muçulmano.
Mas, como em qualquer enredo do gênero, o nome do jogo é dinheiro. Além do Twitter, Musk tem empresas de tecnologia, como a Tesla, de carros elétricos, que precisam de lítio para as baterias. As maiores reservas mundiais do minério estão na Bolívia, onde o zilionário vitaminava os opositores de Evo Morales. Em 24 de julho de 2020, confessou o crime despudoradamente, em sua conta no Twitter: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”.
Ano passado, Musk descobriu outro canto do mundo para se chegar: a Índia, onde o Twitter era virtualmente ignorado. O empresário cresceu o olho para a nação mais populosa da Terra (1,42 bilhões de humanos), sob o dadivoso incentivo de Narenda Modi, o primeiro-ministro – e ícone da direita –, que rapidamente acumulou seguidores na rede do parceiro, somando, hoje, 101,2 milhões.
Mas e o Brasil? Afora para os 40 desempregados (a quem o acima assinado presta solidariedade), pouca coisa vai mudar. O magnata jamais virará as costas à oitava economia do planeta, que também ostenta atraentes reservas de lítio. E aqui ele encontra paixões ainda mais ardentes – a principal delas um certo capitão escandaloso, a caminho (otimismo, galera!) de virar presidiário.
De qualquer jeito, convém tomar cuidado e ficar de olho em Musk e nos seus asseclas. Afinal, vilão só costuma perder mesmo no cinema.