Foi protocolado nesta sexta-feira (10) um pedido de medida cautelar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) para resguardar as vidas e a integridade de Dom Phillips e de Bruno Araújo Pereira, repórter e indigenista desaparecidos no Amazonas desde o dia 5 de junho. O documento é assinado pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Instituto Vladimir Herzog, Repórteres sem Fronteira, Alianza Regional por la Libre Expresión e Información, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Instituto Tornavoz e Washington Brazil Office.
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As entidades solicitam que a CIDH determine ao Estado brasileiro que adote as medidas necessárias para localizar e salvaguardar Phillips e Pereira, de maneira que possam desenvolver suas atividades jornalísticas e de defesa dos direitos humanos sem sofrerem ameaças, intimidações ou outras formas de violência na região Amazônica. Pede também mais celeridade na investigação dos fatos, se necessário em cooperação com países que têm fronteira com o Brasil, contando com profissionais qualificados, que conheçam a região e munidos de equipamentos e meios de transporte que permitam busca profunda no território.
Por fim, o documento demanda ainda que o governo federal deixe de promover declarações atribuindo a responsabilidade do acontecido às vítimas, ou mesmo à região e às dificuldades de locomoção relacionadas. O ponto foi inserido devido à declaração recente do presidente Jair Bolsonaro, em que afirmou que “duas pessoas apenas, em um barco, em uma região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça”.
Para Denise Dora, diretora-executiva da ARTIGO 19, a fala do presidente indica o desinteresse e a falta de intenção do governo em investigar o caso. “Essa declaração indica o conhecimento da possibilidade de que crimes graves tenham sido cometidos contra o jornalista e o indigenista, mas o que vemos é pouca ação a partir desse conhecimento. Os esforços do governo em mobilizar equipes para a busca só se deram dois dias após o desaparecimento do jornalista e do indigenista, e depois de a sociedade, organizações de direitos humanos e a imprensa nacional e internacional promoverem uma forte mobilização”, explica.
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Veja o que já enviamosNatalia Viana, presidente da Ajor, reforça a demanda para que o governo brasileiro tome medidas efetivas para a garantia da segurança de jornalistas e outros profissionais da imprensa. “Esse desaparecimento se soma a diversos ataques a ameaças a jornalistas que põem em risco não apenas esses profissionais, mas a própria democracia do nosso país”, diz. “O governo federal precisa demonstrar vontade política e empreender esforços investigativos mais rigorosos. A busca por Dom Phillips e Bruno Pereira tem que ser prioridade”, acrescenta
O documento enviado à CIDH também lembra que o Estado brasileiro está claramente se omitindo em implementar as recomendações da própria comissão presentes no documento resultante de sua visita in loco ao País, realizada em 2018. São elas: “garantir a implementação efetiva e integral das medidas de proteção a defensores de direitos humanos, em particular aqueles que se encontram em áreas rurais e distantes dos centros urbanos”; “investigar, com a devida diligência, os atos de violência contra defensores de direitos humanos e outros grupos em situação de risco”.
Desaparecimento desde domingo
Dom Phillips e Bruno Pereira rumavam à Atalaia do Norte (AM) para entrevistar indígenas próximos ao Lago do Jaburu, em visita à equipe de Vigilância Indígena que fica no local. A viagem deveria durar aproximadamente duas horas, mas os dois não chegaram ao destino final.
Segundo informações divulgadas pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), eles teriam recebido ameaças antes do desaparecimento. Bruno, mais especificamente, vinha sendo alvo de ameaças de garimpeiros, madeireiros e pescadores. A entidade conseguiu mapear os últimos passos da dupla, vista pela última vez por volta das 7 horas da manhã de domingo, 5 de junho de 2022, após deixarem a comunidade ribeirinha São Rafael.
A Polícia Federal foi acionada e investiga o caso. Grupos de busca organizados pela Univaja já circularam pelo trajeto, sem encontrar quaisquer indícios, evidências ou outro elemento que indique o paradeiro da dupla. Além disso, desde o ocorrido, outros membros da Univaja, da Funai, e das comunidades indígenas da região passaram a ser alvejados por ataques e ameaças, seja por denunciarem a ausência de estrutura efetiva para a investigação do caso, seja pela divulgação de novos elementos sobre as ameaças recebidas pela dupla anteriormente. Com isso, a demora na resolução e o desinteresse das autoridades em promover uma investigação célere têm gerado riscos à comunidade local mobilizada ao redor do ocorrido.