Senado aprova implosão do licenciamento ambiental

Por 54 votos a 13, texto isenta de licença empreendimentos de grande impacto e cria 'autolicenciamento'

Por #Colabora | ODS 15 • Publicada em 22 de maio de 2025 - 09:23 • Atualizada em 22 de maio de 2025 - 12:43

Operação contra desmatamento ilegal na Amazônia: regras aprovadas pelo Senado destroçam licenciamento ambiental (Foto: Fernando Augusto / Ibama)

Sob fortes críticas de ambientalistas e organizações da sociedade civil, o Senado Federal aprovou na noite desta quarta-feira (21) o Projeto de Lei 2.159/2021, o PL da Devastação, que fragiliza drasticamente o licenciamento ambiental no país. Com 54 votos favoráveis e 13 contrários, a votação do texto, considerado o maior ataque à legislação ambiental brasileira das últimas décadas, foi marcada pela ausência de debate público qualificado e participação da sociedade.

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Entre os pontos mais críticos do PL, está a autorização para que empresas responsáveis por empreendimentos com impactos ambientais relevantes se autodeclararem isentas de licenciamento por meio de formulários online. A partir da autodeclaração, o Estado brasileiro e demais órgãos ambientais, que deveriam analisar os riscos, não serão ouvidos. “A aprovação deste projeto, sem debate suficiente e sem que a população tivesse conhecimento sobre o impacto real do texto, escancara a pressa dos senadores em desmontar os pilares da proteção ambiental no país”, afirmou Mariana Mota, gerente de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil. Para o Greenpeace Brasil, a decisão representa uma verdadeira “licença para desmatar e destruir” e pavimenta o caminho para novos desastres em um país que conhece de perto as consequências de tragédias socioambientais como as de Brumadinho, Mariana e Cubatão.

O IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) considerou um “retrocesso histórico” a aprovação PL 2.159/2021, que simplifica as regras do licenciamento ambiental no país. A decisão dos senadores vai na contramão dos anseios do Brasil de liderar o protagonismo climático e dá sinais negativos para a comunidade internacional às vésperas da Conferência do Clima das Nações Unidas, COP30, que será em novembro, em Belém.

Para a diretora de Políticas Públicas do IPAM, Gabriela Savian, o licenciamento mais rápido não pode significar um licenciamento mais frágil. Ela aponta que, nesse caso, a pressa pode produzir insegurança jurídica e riscos ambientais, além de ameaçar a confiança de investidores. “A agilidade dos processos de licenciamento a partir da sua simplificação não leva a uma maior eficiência, e sim a uma fragilização ambiental e climática, o que gera inseguranças para as atividades econômicas, assim como aumenta os riscos para os investimentos que serão aplicados nesses empreendimentos”, disse Savian.

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Em nota divulgada no fim da tarde desta quarta (21), antes mesmo do fim da votação, o Ministério do Meio Ambiente criticou de forma contundente o projeto de lei, alertando que o texto “representa desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no país”. Em evento à tarde, a ministra Marina Silva advertiu que o PL da Devastação ameaça tanto os compromissos climáticos do Brasil quanto acordos comerciais em negociação, como o entre o Mercosul e a União Europeia. “Vai ter um impacto muito pesado nas negociações do Mercosul-União Europeia, porque toda a credibilidade que conquistamos vem de sinalizações do ponto de vista legal e de esforços para controlar o desmatamento e tornar nossos processos produtivos não prejudiciais às florestas”, disse Marina.

Para piorar o projeto, uma emenda do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-SP), acatada pela relatora do projeto no plenário, senadora Tereza Cristina (PP-MS) – ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro e representante da bancada ruralista – cria um novo tipo de licenciamento, a “Licença Ambiental Especial” (LAE), medida permite ao governo federal acelerar o andamento de empreendimentos como a exploração de petróleo na foz do Amazonas, independentemente do risco ambiental. Como foram feitas alterações no Senado, o texto voltará para a Câmara dos Deputados para aprovação.

O texto aprovado no Senado estabelece a possibilidade de liberar empreendimentos mesmo que eles possam causar “significativa degradação do meio ambiente”, desde que seja de atividade considerada “estratégica”. Caberá a um conselho político estabelecer o que é “estratégico”, e esse passará a ser um critério para estabelecer a prioridade para análise do licenciamento. “O Senado, liderado por David Alcolumbre, cravou nesta quarta-feira a implosão do licenciamento ambiental no país. O texto ainda irá à Câmara dos Deputados, mas no retorno à Casa iniciadora muito pouco pode ser feito para corrigir os seus inúmeros problemas e inconstitucionalidades. O licenciamento se transformará, na maioria dos processos, num apertar de botão, sem estudo ambiental e sem avaliação de impactos ambientais”, afirmou Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

Para Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, o resultado reflete “a visão arcaica e negacionista da bancada ruralista, a miopia de representantes do setor industrial que querem meio ambiente só na esfera discursiva e a lentidão e fraqueza do governo federal” na relação com o Legislativo. “Lembraremos por muito tempo do dia em que se fragilizou completamente a principal ferramenta de prevenção de danos da Política Nacional do Meio Ambiente”, afirmou.

O diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Marcos Woortmann, destacou que “estratégico” é um conceito que abrange absolutamente qualquer coisa. “Essa emenda retira critérios de prioridade, de impacto, localização e até de procedimento, porque, em vez de seguir um processo padronizado, vai seguir termo de referência elaborado pela autoridade licenciadora, conforme interesses políticos”, disse. “O resultado da votação do PL 2.159 é de terra arrasada. Todos os parâmetros técnicos e científicos que embasam o regramento ambiental atual foram desmontados. Todos os posicionamentos apresentados em destaques pela sociedade civil baseavam-se na Constituição Federal, em acordos internacionais firmados pelo Brasil e na ciência. O que se anuncia a partir dessa votação é mais um desmonte de processos participativos da democracia a olhos vistos”, acrescentou.

Detalhada nota técnica, divulgada semana passada pelo Observatório do Clima, alertou para as graves ameaças ambientais, climáticas e sociais embutidas no PL 2.159, sobre a Lei Geral de Licenciamento Ambiental. “Essa proposta significará o maior retrocesso na legislação ambiental dos últimos 40 anos, desde a Constituição de 1988. O PL realmente implode com o licenciamento ambiental no Brasil”, afirmou a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, na apresentação da nota técnica.

As principais críticas são a isenção de licenciamento para uma série de empreendimentos com impactos ambientais evidentes e a possibilidade de uma auto licença – Licença por Adesão e Compromisso (LAC) –, sem a análise de órgãos ambientais. “Ao priorizar de forma irresponsável a isenção de licenças e o autolicenciamento, a proposta tem potencial de agravar a degradação ambiental, representando grave ameaça a direitos humanos fundamentais. A flexibilização dos estudos, das condicionantes ambientais e do monitoramento pode resultar em desastres e riscos à saúde e à vida da população, com a contaminação do ar, dos solos e dos recursos hídricos, além do deslocamento de comunidades e da desestruturação de meios de vida e relações culturais. Ela também omite a crise climática: não há sequer uma menção em seu conteúdo ao clima. O licenciamento simplesmente irá ignorar esse tema”, aponta o documento.

A nota destaca a dispensa de licenciamento ambiental para várias atividades agropecuárias. Passa a ser regra para a grande maioria dos casos o simples preenchimento de um formulário autodeclaratório. O Senado fez ajustes no texto da Câmara, incluindo a referência à fiscalização e a punições em caso de irregularidades, o que é apontado como insuficiente. “É uma medida que favorece o agronegócio mais predatório, enfraquece o papel do Estado e abre caminho para conflitos, danos ambientais e insegurança jurídica para os próprios produtores”, destaca o documento.

#Colabora

Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.

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