Jovem extrativista tinha Chico Mendes como ídolo e desde menino sonhava em ajudar os povos tradicionais a conquistar seus direitos
Por
Marizilda Cruppe
| ODS 15, ODS 8
• Publicada em 22 de dezembro de 2018 - 13:56
• Atualizada em 22 de dezembro de 2018 - 15:47
Dione Torquato, centro, com microfone na mão, Secretário Nacional da Juventude do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), durante palestra no Encontro Chico Mendes 30 anos, em Xapuri, no Acre. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace.
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Há exatos 30 anos, no dia 22 de dezembro de 1988, morria Chico Mendes, o símbolo maior da luta dos povos da floresta. Seu assassinato chocou o mundo e, para alguns, deu a impressão de que a batalha estava perdida. Não estava. Em Xapuri, no Acre, onde acaba de se realizar o “Encontro Chico Mendes 30 anos”, filhos e filhas de extrativistas e indígenas mostram que o sonho sonhado por todos está longe de terminar: viver na e da floresta, preservá-la, tirar sustento digno e ter acesso à saúde e à educação de qualidade. Parece simples, até óbvio, mas não é. Tem custado centenas de vidas, uma a cada cinco dias. A última no sábado passado: Gilson Maria Temponi morreu depois de levar vários tiros. Deixou para trás a luta pela regularização de três assentamentos, a mulher e cinco filhos pequenos.
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Eu sou extrativista de formação e de tradição, porque a cultura tradicional extrativista, assim como a cultura de outros povos, é geracional, passada de pais para filhos, de avós para netos e a gente vai aprendendo na vivência. Então, desde pequeno, a gente não considera isso aprender a trabalhar, mas aprender a cultura do nosso pai. Ir pra roça, sair pra pescar ou caçar faz parte do dia-a-dia, está no nosso instinto
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Na tenda montada em Xapuri, o ultimo a falar foi um rapaz moreno, tímido, de cabelos curtos nas laterais e um leve topete. Pegou o microfone e deu seu recado de braços dados, literalmente, com sua turma. Há oito anos, Dione Torquato é o Secretário Nacional da Juventude do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), o antigo Conselho Nacional dos Seringueiros, fundado por Chico Mendes. Também acumula a função de Coordenador Regional do CNS, no estado do Amazonas. Quando nasceu, em 1987, a Floresta Nacional de Tefé, onde a família vivia, não havia ainda sido criada. A diplomação da unidade de conservação chegou dois anos mais tarde, quando veio ao mundo sua esposa, Leilane Maciel, com quem está casado há 14 anos. Os dois se conheceram crianças, na mesma Tefé onde nasceram e foram criados. Casaram-se adolescentes e tiveram duas filhas, hoje com 13 e 11 anos. Todos vivem em Manaus.
Mary Allegretti e Chico Mendes, em Xapuri. Foto Arquivo pessoal.
O #Colabora conversou com Dione numa tarde chuvosa do inverno do Acre. Didático, explicou que não se pensa o extrativismo no singular. “O extrativista trabalha com sistemas agro-produtivos que vão desde a castanha, a pesca, o açaí até o complemento da agricultura familiar. O perfil do extrativista da Amazônia é esse, cada época tem uma safra e a gente trabalha com aquela safra dentro da cadeia produtiva.” Falou da atribuição como secretário de juventude e assim resumiu sua missão: “A luta dos extrativistas é uma luta de todos, sem distinção de raça, sexo, cor ou idade, principalmente. A juventude precisa estar integrada, entendendo a sua identidade, a importância do território, o que é o território em si, como atuar nos espaços das reivindicações das políticas sociais e também na construção de políticas públicas voltadas para as comunidades tradicionais.”
Torquato é filho e neto de líderes comunitários seringueiros. Sua mãe também chegou a cortar seringa na região do rio Juruá. Com o fim da subvenção da borracha, na década de 80, seus avós precisaram buscar sustento em outro lugar e se estabeleceram em Tefé, em 1985, dois anos antes de Dione nascer. Mais velho de seis irmãos, Dione começou a ser alfabetizado aos seis anos, ao mesmo tempo que seus avós, seu pai e sua mãe, que só teve a oportunidade de conhecer as letras aos 20 anos. “Desde criança eu já queria ser o que eu sou hoje, uma liderança que lutasse pela igualdade de direitos das populações (tradicionais) porque eu não conseguia entender como a minha mãe que tinha uma vontade tão grande de lutar não tinha sequer tido o direito de estudar porque era filha de seringueiros. A minha primeira indignação veio com isso.”
Levar educação aos seringueiros e seus filhos era um sonho de Chico Mendes que tomou forma através do Projeto Seringueiro, criado em parceria com a antropóloga Mary Allegretti, que conheceu o sindicalista em 1981. Até os trabalhadores começarem a se organizar, seringalistas mantinham os seringueiros cativos e sem conhecer seus direitos. Eles não tinham acesso a escolas, quase todos eram analfabetos. Sem leitura, os empregados trabalhavam duro, mas na matemática dos patrões seguiam como devedores, em vez de receberem salários. A primeira escola foi construída no Seringal Nazaré, hoje localizado dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes. Além de Chico, Mary conheceu os demais companheiros que nas décadas após seu assassinato seriam os líderes responsáveis por manter o legado, incluindo Dione Torquato.
“Eu o conheço desde que assumiu a secretaria da juventude porque, até então, não havia surgido ninguém para cumprir esse papel. Eu me surpreendi porque ele é um jovem muito especial, tipicamente aquele jovem que você conhece no interior da Amazônia, uma pessoa quieta e reservada. O Dione é super responsável, muito organizado e tem liderança sobre os jovens por causa do comportamento dele. Ele já organizou três encontros da juventude e, no último, em novembro, aconteceu essa passagem da velha para a nova geração”, analisa a antropóloga. E continua: “o Dione é um lider desse tempo, que tem que lidar com muitas informações, ele é um líder mais intelectual, ele reflete muito e traz tudo organizado, ele não improvisa, é uma pessoa em quem você pode confiar. O Dione promete” concluiu Mary.
A atriz Lucélia Santos lê a Carta de Xapuri, um texto escrito em ritmo de conversa com Chico Mendes. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace
Articulado, bom ouvinte, conhece do que fala e não deixa perguntas sem respostas. Quem vê sua desenvoltura pensa que foi longe nos estudos. Ainda menino começou a trabalhar na roça, a caçar e lidar com a castanha. “Eu sou extrativista de formação e de tradição, porque a cultura tradicional extrativista, assim como a cultura de outros povos, é geracional, passada de pais para filhos, de avós para netos e a gente vai aprendendo na vivência. Então, desde pequeno, a gente não considera isso aprender a trabalhar, mas aprender a cultura do nosso pai. A gente ir pra roça, sair pra pescar ou caçar faz parte do dia-a-dia, está no nosso instinto desde que nascemos.” Quando atingiu os 12 anos, Dione foi para a cidade de Tefé estudar e precisou morar sozinho. Seguiu na escola até a sétima série quando foi obrigado a voltar para o seringal para trabalhar. “Foi um dos maiores choques da minha vida. Estudar era, e ainda é, o meu sonho. Quanto vale o sonho de uma criança?”, lamenta.
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Uma das grandes críticas que faço hoje é que embora o Brasil seja o país mais rico em biodiversidade no mundo não existem políticas sócio-ambientais. Duvido muito que nesse novo governo a Amazônia receba algum benefício
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Mesmo não tendo avançado nos estudos ele se alegra de ter trabalhado para contribuir com a formação da mãe, dos cinco irmãos e da esposa. Todos concluíram o ensino médio, alguns, até o superior. “O sonho que a gente defende não é só o nosso sonho, mas o do nosso povo” fala, voz baixa, porém firme. As filhas já têm posicionamento político diante da vida e são motivo de admiração e orgulho, com uma ponta de preocupação: “eu vejo um mérito muito grande na atitude delas, mas tenho cuidado por causa das posições políticas delas”. Ele se refere à delicada coexistência “nós contra eles” configurada desde as eleições majoritárias. Uma sombra cobre o rosto do jovem líder “uma das grandes críticas que faço hoje é que embora o Brasil seja o país mais rico em biodiversidade não existem políticas sócio-ambientais. Duvido muito que nesse governo a Amazônia receba algum benefício.”
Como último ato do encontro, trinta jovens deram as mãos a trinta homens e mulheres da geração de Chico Mendes. Aos pares, cruzaram o corredor da tenda sob aplausos. Subiram ao palco e, ainda de mãos dadas, ouviram da atriz Lucélia Santos a leitura da Carta de Xapuri, um texto escrito em ritmo de conversa com o homenageado, que também lembrou uma mensagem deixada pelo seringueiro aos jovens do ano 2120. Diz a carta: “E por falar em juventude Chico, você deve estar feliz com a decisão que seus companheiros e companheiras do CNS tomaram de fazer deste Encontro um momento de compartilhar conhecimento e de transferência geracional. Assim como você sonhou um dia, mais da metade das pessoas que aqui estão são jovens. São jovens que vieram para firmar compromisso com a defesa do seu legado para os próximos 30 anos!”. Oxalá e viva a juventude.
Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.
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