Desmatamento: Brasil perdeu 24 árvores por segundo em 2020

Relatório do MapBiomas Alerta aponta aumento de 13,6% na devastação; dos mais de 74 mil desmates, só 2% tiveram alguma providência do Ibama

Por Oscar Valporto | ODS 15 • Publicada em 11 de junho de 2021 - 12:31 • Atualizada em 24 de junho de 2021 - 12:56

Queimada próxima à Floresta Nacional do Jacundá, em Rondônia: Brasil perdeu 24 árvores por segundo, de acordo com MapBiomas (Foto: Bruno Kelly/Amazonia Real – 07/08/2020)

O desmatamento nos seis biomas brasileiros cresceu 13,6% em 2020, atingindo 13.853 km2 – mais de um milhão (1.385.300) de hectares. Do total de alertas, 79% estão no bioma Amazônia, com uma área de 843 mil hectares (60,9% da área total); o Cerrado aparece em seguida com 10% dos alertas (31% da área). Os dois biomas não registraram, entretanto, o maior crescimento da supressão da vegetação: os avanços mais violentos na Mata Atlântica (+ 125%) e no Pampa (+99%).

A análise inédita de 74.218 alertas de desmatamento no país inteiro, feito pelo MapBiomas Alerta, mostra que o desmatamento aumentou também 9% na Amazônia, 6% no Cerrado e 43% no Pantanal. “Infelizmente o desmatamento cresceu em todos os biomas e o grau de ilegalidade continua muito alto”, afirmou Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas, durante o lançamento do relatório do MapBiomas Alerta, em apresentação no YouTube. Na Caatinga, o crescimento foi de 405%. Azevedo explicou que o dado comparativo deve ser relativizado porque o bioma agora conta com um novo sistema de detecção de desmate por satélite só para ele.

O estudo também apresenta um cálculo inédito da velocidade do desmatamento: pela primeira vez, foi estimado quanto o Brasil perdeu de cobertura vegetal nativa a cada dia de 2020: foram 3.795 hectares desmatados em média, o que dá uma perda de 24 árvores a cada segundo durante todo o ano. No dia mais crítico de desmatamento, 31 de julho, foram desmatados 4.968 hectares, quase 575 m² por segundo.

Registro de alertas no Brasil em 2020: desmatamento aumentou 13,6% cnos seis biomas (Arte: MapBiomas)
Registro de alertas no Brasil em 2020: desmatamento aumentou 13,6% nos seis biomas (Arte: MapBiomas)

Os dados, do sistema MapBiomas Alerta, cruzam informações de cinco sistemas de detecção do desmatamento em tempo real por satélite e validam-nos com imagens de alta resolução com o auxílio de inteligência artificial. O cruzamento mostra que a quase totalidade dos alertas de desmate emitidos no ano passado têm um ou mais indícios de ilegalidade: 99,8% deles, equivalendo a 95% da área desmatada, não têm autorização ou se sobrepõem a áreas protegidas ou desrespeitam o Código Florestal.

Para Azevedo, os dados oficiais disponibilizados não deixam dúvida da ameaça aos biomas. “Para enfrentar o desmatamento é necessário que a sensação de impunidade seja desfeita. É preciso garantir que o desmatamento seja detectado e reportado e que os responsáveis sejam devidamente penalizados e não consigam aferir benefícios das áreas desmatadas”, afirmou o coordenador-geral do MapBiomas.

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O índice de provável ilegalidade é maior do que 95% em todos os biomas. Ele é mais baixo no Cerrado, onde 97,78% da área de alertas de desmatamento registra pelo menos um indício de irregularidade – pela falta de autorização no Sinaflor, o sistema do Ibama onde em tese todos os pedidos de desmatamento precisam ser registrados e liberados, e pela sobreposição com áreas protegidas, planos de manejo florestal sustentável ou desconformidade com o Código Florestal. Na Amazônia, esse índice é de 99,4%.

A conclusão sobre os desmates ilegais é semelhante à do primeiro relatório de desmatamento do MapBiomas, que, no ano passado, mostrou que 99% dos desmatamentos de 2019 tinham sinais de irregularidade. “Em mais de dois terços dos casos, também é possível saber quem é o responsável. É preciso que os órgãos de controle autuem e embarguem as áreas desmatadas ilegalmente e as empresas eliminem essas áreas de suas cadeias de produção”, afirmou Azevedo.

No entanto, o número de avisos de desmatamento que tiveram uma resposta do governo federal é muito baixo: apenas 2% dos alertas e 5% da área desmatada entre 2019 e 2020 sofreram multas ou embargos pelo Ibama. No caso da Amazônia, nos 52 municípios considerados críticos pelas políticas do Ministério do Meio Ambiente, 2% dos alertas e 9,3% da área desmatada tiveram ações de punição. Nos 11 municípios definidos pelo Conselho da Amazônia como mais prioritários, 3% dos alertas e 12% da área desmatada enfrentaram ações do Ibama.

Para o estudo, foram analisados ações federais, ações estaduais e iniciativas do Ministério Público. “Pela análise de 2019 e 2020, o Ibama agiu em muitos poucos casos. Vamos muito mal nessa área”, constatou Azevedo. Coordenador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Marcello Brito, presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) lamentou a falta de ação e de coordenação do governo federal no combate ao desmatamento. “Mas não devemos apontar o dedo apenas para o governo federal, que tem muita responsabilidade certamente, mas também para os governos estaduais e os municípios, para o setor privado, que precisa se posicionar de maneira mais forte e a sociedade em geral que precisa se levantar contra a ilegalidade”, afirmou Brito, que também participou do lançamento.

Avanço do desmatamento em terras indígenas

O relatório do MapBiomas aponta que, do total de 573 Terras Indígenas (TIs) no Brasil (considerando suas várias fases de reconhecimento e demarcação, inclusive com portaria de interdição), 297 (51,8%) tiveram pelo menos um evento de desmatamento em 2020. O número (226) de TIs que tiveram algum desmatamento em 2020 cresceu 31% em relação a 2019. “Esse é um dado bastante alarmante porque o desmatamento em áreas indígenas foi de 7,3% da área total quando a média é de 1%. É um número muitíssimo alto”, destacou Tasso Azevedo.

Do total de Terras Indígenas do Brasil, 45 (8%) tiveram mais de 100 hectares desmatados e 10 (2%) tiveram mais de 500 hectares desmatados Os territórios indígenas atingidos estão localizados em oito estados: Pará e Rondônia estão no topo do ranking. As maiores áreas desmatadas foram registradas nas TIs Apytereua (7.431 ha), Ituna Itatá (3.563 ha) e Ituna-Itata (4.235 ha), todas no estado do Pará. Apuytereua e Kayapó foram as áreas com maior número de alertas em 2020, com 591 e 539 respectivamente.

Terras indígenas com alertas de desmatamento: aumento alarmante de 31% em 2020 (Arte: MapBiomas)

As unidades de conservação (UCs) também não ficaram livres dos ataques dos desmatadores. Do total de 2.060 unidades de conservação federais e estaduais terrestres registradas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), 337 (16,4%) tiveram pelo menos um evento de desmatamento em 2020. Os desmatamentos em UCs representaram 13,2% do total de alertas e 12,4% da área total desmatada em 2020. Do total de 337 UCs com desmatamento, 24 tiveram mais de mil hectares desmatados.

As duas UCs com maior área desmatada foram a Área de Preservação Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no Pará, com 32.141 hectares, e a Floresta Extrativista (Florex) Rio Preto – Jacundá, em Rondônia, com 29.940 hectares. As áreas com maior número de alertas registrados foram a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, com 1.672 alertas, seguida pela APA Triunfo do Xingu (821) e Florex Rio Preto – Jacundá (681).

Municípios da Amazônia lideram desmatamento

Apenas 50 municípios concentram 37,2% dos alertas e 49,2% da área desmatada no país. Eles são liderados por Altamira (PA, com 60.608 hectares, aumento de 12% em relação a 2019), São Félix do Xingu (PA, 45.587 hectares) e Porto Velho (RO, 44.076 hectares). Dos 20 municípios mais desmatados, apenas três ficam fora da Amazônia: Formosa do Rio Preto e São Desidério, no Cerrado baiano, e Corumbá, no Pantanal sul-mato-grossense.

O Estado do Pará lidera o ranking do desmatamento no país, com 33% dos alertas e 26% da área desmatada total (366 mil hectares), seguido de Mato Grosso, com 13%, e do Maranhão, com 12%. Cinco estados da Amazônia Legal (Pará, Acre, Amazonas, Rondônia e Mato Grosso) respondem por 68,9% da área total desmatada e 65% do número de alertas detectados. Onze estados superaram a marca de 1.000 alertas detectados em 2020. Sete estados registraram queda do desmatamento: Tocantins (-34%), Goiás (-30%), Mato Grosso (-12%), Roraima (- 9%) e Rondônia (-6%). Minas Gerais e Acre ficaram próximos da estabilidade, com quedas de 4% e 2%, respectivamente, na área desmatada

Os dados do MapBiomas Alerta mostram que em pelo menos dois terços dos alertas é possível identificar os responsáveis pelo desmatamento: 68,3% das detecções validadas têm sobreposição total ou parcial com áreas inscritas no CAR, o Cadastro Ambiental Rural. No Pantanal e na Amazônia, esse número é ainda mais alto: 84,8% e 69,2%, respectivamente. Ou seja, em tese, esses proprietários poderiam ser multados até mesmo pelo correio, já que para ter registro no CAR é preciso fornecer os dados do requerente.

O MapBiomas Alerta é uma iniciativa do consórcio MapBiomas, formado por mais de 20 organizações incluindo ONGs, universidades e empresas de tecnologia. Ele processa alertas de desmatamento emitidos por cinco sistemas: o Deter (do Inpe, para a Amazônia e o Cerrado), o SAD (do Imazon, para a Amazônia), o Glad (da Universidade de Maryland, para Mata Atlântica, Pantanal e Pampa), o Sirad-X (do Instituto Socioambiental, para a bacia do Xingu), e o novo SAD Caatinga (da Universidade Estadual de Feira de Santana e da Geodatin).

Os alertas passam por processo de validação, refinamento e definição da janela temporal de ocorrência do desmatamento a partir de imagens de satélite diárias de alta resolução espacial. Em seguida, é realizado o cruzamento do dado de desmatamento com recortes territoriais (como biomas, Estados e municípios), recortes fundiários (Cadastro Ambiental Rural, Unidades de Conservação e Terras Indígenas, por exemplo) e situação administrativa (como existência de autorização, autuação ou embargo) e elaborados laudos completos para cada alerta de desmatamento.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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