A despeito do discurso do presidente Bolsonaro na 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas, a Amazônia continua encoberta pela fumaça e marcada pela devastação criminosa e sem controle. Foi o que comprovaram sobrevoos realizados na semana passada pela Aliança Amazônia em Chamas, formada pelas organizações Amazon Watch, Greenpeace Brasil e Observatório do Clima. A expedição ocorreu entre os dias 14 e 17 de setembro, nos municípios de Porto Velho (Rondônia) e Lábrea (sul do Amazonas).
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“Enquanto Bolsonaro chegava a Nova York, sobrevoávamos a Amazônia para registrar a realidade de destruição da maior floresta tropical do mundo: desmatamento e queimadas ilegais. As imagens não mentem, já não podemos dizer o mesmo do discurso do presidente na ONU”, afirma Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima.
As primeiras imagens do projeto da Aliança Amazônia em Chamas – parceria para promover sobrevoos de monitoramento e divulgação de informações relativas a áreas de floresta desmatadas e/ou ameaçadas por desmatamento, fogo e garimpo – liberadas em 21 de setembro mostram extensas áreas desmatadas em julho e já consumidas pelo fogo – polígonos de 1.550 a 2.450 hectares ou de 2.012 a 3.181 campos de futebol – que estão entre os cinco maiores desmatamentos do estado do Amazonas. Também foram detectados: cicatrizes de garimpo em meio a áreas protegidas, pistas de pouso clandestinas, grandes glebas em preparo para plantio e gado pastando junto a queimadas recentes.
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Veja o que já enviamosSob o governo Bolsonaro, o Amazonas superou Rondônia como o terceiro estado com o maior desmatamento, segundo o sistema Prodes, do Inpe. De acordo com dados do Programa Queimadas, de janeiro a meados de setembro deste ano, foram cerca de 12 mil focos de calor no Amazonas. Só em agosto, registraram-se 8.588 focos no estado, superando o recorde do mesmo mês em 2020, que, por sua vez, tinha superado o de 2019. Lábrea é a área mais crítica do país, com 2.959 focos em 2021. Porto Velho é o segundo município em quantidade de queimadas – com 2.700 focos – e a capital onde a floresta amazônica mais queima.
“O que vimos foi a floresta encoberta pela fumaça do alto e marcada pela devastação criminosa e sem controle no chão”, conta Romulo Batista, porta-voz da Campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil, que vive e trabalha na região há 15 anos. “Colocar fogo na floresta faz parte do ciclo de desmatamento que inclui a retirada inicial das árvores mais valiosas, ajudando, inclusive, a capitalizar quem investe na grilagem de terras, as quais, de maneira geral, acabam sendo transformadas em pasto. E é crime, pois está vigente o Decreto nº 10.735, de 28 de junho, que proibiu o uso do fogo no Brasil.” Vale lembrar que na mesma data o governo Bolsonaro autorizou pela terceira vez o uso das tropas militares para combater delitos ambientais com ênfase no desmatamento ilegal, estratégia que já se demonstrou ineficaz no passado.
Ações estratégicas e coordenadas de inteligência são cada vez mais necessárias e urgentes para punir esses criminosos. “Órgãos de fiscalização como o Ibama precisam recuperar sua capacidade de atuação, com a liberdade e apoio que tinham antes, quando o Brasil se tornou referência mundial no combate ao desmatamento. Perder o sul do Amazonas, considerado o coração da Amazônia, pode nos colocar ainda mais próximos do ponto de não retorno da floresta. O momento é para agir contra o crime e não para encobri-lo”, diz Ana Paula Vargas, diretora do programa para Brasil da Amazon Watch.