‘Situação só não está pior por conta da rápida ação dos voluntários’

Voluntários retiram óleo do mar na praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco: ação rápida evitou desastre maior (Foto: Leo Malafaia/AFP)

Biólogo e pesquisador critica governo e diz que ainda não é impossível dimensionar desastre ambiental no litoral do Nordeste

Por Elizabeth Oliveira | ODS 14 • Publicada em 24 de outubro de 2019 - 10:45 • Atualizada em 1 de novembro de 2019 - 18:16

Voluntários retiram óleo do mar na praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco: ação rápida evitou desastre maior (Foto: Leo Malafaia/AFP)
Voluntários retiram óleo do mar na praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco: ação rápida evitou desastre maior (Foto: Leo Malafaia/AFP)
Voluntários retiram óleo do mar na praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco: ação rápida evitou desastre maior (Foto: Leo Malafaia/AFP)

A força do voluntariado na limpeza das praias afetadas pela dispersão de petróleo cru que já atingiu todos os estados do Nordeste e as falhas de gestão no processo de enfrentamento dessa crise são destacadas pelo biólogo Cláudio Sampaio, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Unidade de Penedo, nesta entrevista ao #Colabora. Participante do programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD) da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais (APACC), ele relata que a sua rede de pesquisadores e instituições parcerias já está mobilizada em ações de monitoramento de ambientes marinhos de grande importância ambiental e socioeconômica com redobrada atenção à chegada de novas manchas ao litoral de Alagoas, desde terça-feira (22). Uma das grandes preocupações envolve a própria APACC, a maior unidade de conservação federal marinha do Brasil, com 400 mil hectares e cerca de 120 km de praias e mangues, localizada entre Pernambuco e Alagoas. O pesquisador sinaliza com a difícil mensuração dos impactos causados à natureza e à sociedade, devido à falta de peças ao “quebra-cabeça”, como define esse episódio sem precedentes no Brasil.

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#Colabora – Como o senhor avalia o quadro atual provocado pelo vazamento de petróleo cru no litoral do Nordeste?

Cláudio Sampaio – Como um grande “quebra-cabeça”, onde faltam muitas peças importantes. O petróleo continua a chegar às praias que já haviam sido atingidas antes, como nos estados de Pernambuco e Alagoas, além de novas áreas na Bahia. A não implementação, de fato, do Plano Nacional de Contingência Nacional para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC), além da falta de informações do Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), acabam produzindo ruídos entre as muitas instituições parceiras que não participam desse grupo, como algumas prefeituras, ONGs e universidades que estão na linha de frente, orientando e capacitando voluntários na limpeza das praias. A quantidade de óleo retirada também gera preocupações, pois muitos municípios estão estocando esse material em locais inadequados, podendo gerar novas contaminações. Resumindo: a situação só não está pior por conta da rápida ação dos voluntários.

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Esse petróleo, sem dúvidas, é a maior tragédia em nosso litoral. Devido à vasta área atingida, com recifes de coral, estuários, bancos de gramas marinhas e manguezais, ecossistemas de extrema importância para centenas de espécies de valor econômico e ecológico, muitas ameaçadas de extinção como peixe-boi e tartarugas. Essas são também importantes áreas de alimentação para espécies migratórias como aves do Hemisfério Norte.

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Quais são as principais falhas identificadas no processo?

Cláudio Sampaio. Ao extinguir comitês, como aquele do PNC, e não criar nenhum outro para assumir suas responsabilidades, o governo federal torna essa tragédia ainda mais grave, uma vez que o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA) foi criado tardiamente e ainda não possui agilidade para atender às muitas demandas e implantar o PNC, especialmente em alguns municípios com reduzida infraestrutura. Em entrevistas, os ministros só repetem que o petróleo não é produzido no Brasil e que possui características daquele produzido pela Venezuela. Mas eles pouco informam sobre as medidas de contenção desse óleo no mar e sobre o envio de pessoal, equipamentos e recursos para as áreas atingidas, demonstrando que não estamos avançando na busca de soluções práticas.

E quais são as principais surpresas?

Cláudio Sampaio  – Destaco a participação das ONGs, universidades e da sociedade civil, segmentos que demonstraram grande capacidade de articulação e criatividade, ao buscar soluções para os problemas encontrados durante as exaustivas atividades de limpeza das praias.

Óleo na praia de Peroba, em Maragogi, Alagoas: novas manchas estão aparecendo em praias já atingidas anteriormente (Foto: Governo de Pernambuco/AFP)

Alguns especialistas têm afirmado que este é o pior desastre ambiental ocorrido no Brasil pela sua extensão. O senhor concorda?

Cláudio Sampaio. Infelizmente. Devido à vasta área atingida, com recifes de coral, estuários, bancos de gramas marinhas e manguezais, ecossistemas de extrema importância para centenas de espécies de valor econômico e ecológico, muitas ameaçadas de extinção como peixe-boi e tartarugas. Essas são também importantes áreas de alimentação para espécies migratórias como aves do hemisfério norte. Então esse petróleo, sem dúvidas, é a maior tragédia em nosso litoral. Talvez, por conta de somente agora a mídia noticiar esse desastre ambiental de maneira mais ampla, a sociedade brasileira ainda não tenha percebido sua gravidade.

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A recuperação de algumas espécies já ameaçadas de extinção – que atingem maturidade sexual tardia e que geram poucos filhotes por gestação, como tubarões, peixes boi e tartarugas – pode demorar décadas, dependendo do volume de petróleo e tempo de exposição

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Que outros impactos podem ser mencionados?

Cláudio Sampaio – A beleza cênica dessas praias, sua gastronomia e cultura são atrações turísticas que geram emprego e renda para grande parte dos municípios atingidos, causando mais um impacto, o social, em uma região já tão carente de oportunidades. Esses ambientes são frágeis e já sofrem com o lançamento de esgoto e resíduos sólidos e pesca não manejada. Além disso, os recifes de coral estavam em processo de recuperação de um evento de branqueamento, devido ao aquecimento da água do mar, no início do ano.” 

Quais são as suas principais preocupações diante desse episódio? 

Biólogas do Centro de Recuperação Marinha Aquasis, no Ceará, cuidam de tartaruga resgatada coberta de óleo: ameaça a espécies. (Foto: Andressa Gomide/ Acervo Aquasis/ AFP)

Cláudio Sampaio. São em relação à segurança dos voluntários e ao correto destino do óleo retirado das praias. Por isso, nas capacitações e palestras que estamos realizando, essas questões são sempre reforçadas, pois um grande número de voluntários, muitas vezes sem equipamentos adequados (luvas, máscaras, sapatos e roupas), não possui orientações nem mesmo sobre como devem ser lavadas as roupas sujas ou o que deve ser feito em caso de quadros de alergias. Depois, penso nos ambientes já impactados pelo mau uso e pelas mudanças climáticas que induzem a fenômenos de branqueamentos de corais. Esses ambientes deverão levar muito tempo para ter seu equilíbrio restaurado. A recuperação de algumas espécies já ameaçadas de extinção – que atingem maturidade sexual tardia e que geram poucos filhotes por gestação, como tubarões, peixes boi e tartarugas – pode demorar décadas, dependendo do volume de petróleo e tempo de exposição.

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Essa tragédia demonstra claramente que não devemos explorar petróleo próximo às áreas sensíveis, como os recifes de coral, pois além de ser extremamente arriscado, não compensa em relação aos serviços econômicos produzidos por esses ambientes. Infelizmente essa é uma dura lição, que ainda não sei se o governo aprendeu.

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Quais são os principais riscos para a conservação da biodiversidade?

Cláudio Sampaio – Cada ecossistema responderá de maneira distinta. Recifes de coral, estuários, mangues e gramas marinhas abrigam muitos animais jovens ou são áreas de desova e alimentação para outras. Assim, podem ser contaminados, desde os indivíduos bem jovens até os adultos, em fase reprodutiva. Como ainda estamos recebendo óleo nas praias, inclusive aqui no litoral sul de Alagoas, toda e qualquer tentativa de estimar riscos e prejuízos será subestimada e prematura.

E os principais riscos para atividades como a pesca, o turismo, entre outras?

Cláudio Sampaio – Como boa parte das praias atingidas tem a pesca artesanal e o turismo como as principais atividades econômicas, esse prejuízo também será de difícil estimativa agora, mas já sabemos que excursões turísticas foram canceladas para a foz do rio São Francisco. Isso é extremamente preocupante para os estados atingidos pelo petróleo, inclusive em relação à própria segurança alimentar que poderá sofrer com a contaminação de peixes, crustáceos e moluscos, alvos da pesca artesanal. 

O biólogo Claudio Sampaio, da UFAL: “Ao extinguir comitês e não criar nenhum outro para assumir suas responsabilidades, o governo federal torna essa tragédia ainda mais grave” (Foto: Divulgação/UFAL)

Como será possível monitorar os impactos causados aos ecossistemas futuramente, diante da crise enfrentada pelas instituições de pesquisa no Brasil?

 Cláudio Sampaio – Vamos monitorar vitalidade dos recifes de coral na APA Costa dos Corais e no Pontal do Peba (próximo à foz do rio São Francisco) e acompanhar a pescaria mais importante do estado de Alagoas, a pesca do camarão no Pontal do Peba.  O monitoramento dos recifes, incluindo peixes, já é realizado no âmbito do PELD, enquanto a pesca do camarão já está sendo acompanhada através do Projeto ShrimpNen (rede cooperativa multidisciplinar para subsidiar o manejo da pesca dos estoques de camarões das regiões Norte e Nordeste do Brasil com foco ecossistêmico), ambos financiados pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL). O Projeto Meros do Brasil (no qual atua como coordenador de Ponto Focal em Alagoas), patrocinado pela Petrobras, dará continuidade aos trabalhos de educação ambiental e de levantamento de áreas de ocorrência desses peixes ameaçados.  Agora mais do que nunca, temos que buscar o apoio de todos os órgãos de fomento à pesquisa, dos ministérios, além de articular novas parcerias e incluir essa nova demanda da sociedade em nossa agenda, na universidade.

Colabora – Quais são as lições aprendidas com essa nova crise?

Claudio Sampaio – Essa tragédia demonstra claramente que não devemos explorar petróleo próximo às áreas sensíveis, como os recifes de coral, pois além de ser extremamente arriscado, não compensa em relação aos serviços econômicos produzidos por esses ambientes (pesca, turismo, fonte de novos fármacos, etc). Infelizmente essa é uma dura lição, que ainda não sei se o governo aprendeu.

Elizabeth Oliveira

Jornalista apaixonada por temas socioambientais. Fez doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), vinculado ao Instituto de Economia da UFRJ, e mestrado em Ecologia Social pelo Programa EICOS, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Foi repórter do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e colabora com veículos especializados, além de atuar como consultora e pesquisadora.

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