Classificada como “histórica” por dirigentes das Nações Unidas, resolução aprovada por por unanimidade pelos 175 estados membros – inclusive o Brasil – reunidos na Assembleia da ONU para o Meio Ambiente (UNEA-5.2) concordaram em desenvolver um tratado juridicamente vinculante (com obrigações e punições) para acabar com a poluição plástica, que deve ser assinado até 2024. “A poluição plástica se tornou uma epidemia. Com a resolução, estamos oficialmente no caminho da cura”, disse o presidente da UNEA-5 e o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, ao fim da assembleia na quarta-feira (02/03), realizada em Nairobi, no Quênia.
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O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, saudou a decisão para a assinatura de um tratado contra o plástico como o “mais importante pacto ambiental desde o Acordo de Paris”. O WWF (World Wildlife Fund), que recentemente divulgou estudo sobre o impacto dos plásticos nos animais marinhos, classificou o tratado como “uma das ações ambientais mais ambiciosas do mundo desde o Protocolo de Montreal de 1989, que efetivamente eliminou as substâncias destruidoras da camada de ozônio”.
A resolução, baseada em três projetos iniciais de resolução desenvolvido por representantes de várias nações, estabelece um Comitê Intergovernamental de Negociação (INC), que começará seus trabalhos já em 2022, com a meta de concluir um projeto de acordo global juridicamente vinculante até o final de 2024. O objetivo, de acordo com a resolução da assembleia, é apresentar um instrumento que reflita diversas alternativas para abordar o ciclo de vida completo dos plásticos, o design de produtos e materiais reutilizáveis e recicláveis e a necessidade de colaboração internacional reforçada para facilitar o acesso à tecnologia, capacitação e cooperação científica e técnica.
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Diretora-executiva do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), a dinamarquesa Inger Anderson informou que a primeira sessão do INC, ainda este ano, será realizada em conjunto com um fórum, aberto a todos os países interessados, para compartilhar conhecimento e melhores práticas. “Hoje marca um triunfo do planeta Terra sobre os plásticos descartáveis. É uma apólice de seguro para esta geração e para as futuras, para que possam viver com o plástico e não serem condenados por ele”, disse Andersen.
A produção de plástico saltou de 2 milhões de toneladas em 1950 para 348 milhões de toneladas em 2017, tornando-se uma indústria global avaliada em US$ 522,6 bilhões, e deve dobrar de capacidade até 2040. De acordo com recentes pesquisas citadas pelo PNUMA, cerca de 11 milhões de toneladas de resíduos plásticos fluem anualmente para os oceanos e isso pode triplicar até 2040; mais de 800 espécies marinhas e costeiras são afetadas por essa poluição por ingestão, enredamento e outros perigos; a exposição a plásticos pode prejudicar a saúde humana, afetando potencialmente a fertilidade, a atividade hormonal, metabólica e neurológica; até 2050, as emissões de gases de efeito estufa associadas à produção, uso e descarte de plástico representariam 15% das emissões permitidas, dentro o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Pressão sobre empresas de petróleo e grandes marcas
A resolução foi bem recebida pelos ambientalistas. Em nota, o WWF incentivou os governos do mundo inteiro “a aproveitar este poderoso impulso para eliminar a poluição plástica e agir com a mesma força e decisão no desenvolvimento de todo o conteúdo do tratado” e comprometeu-se a apoiar o trabalho do Comitê Intergovernamental de Negociação da UNEA. “Estamos em uma encruzilhada na história quando decisões ambiciosas tomadas hoje podem impedir que a poluição plástica contribua para o colapso do ecossistema do nosso planeta”, disse Marco Lambertini, diretor-geral do WWF Internacional.
Para Lambertini, desenvolver um tratado global juridicamente vinculante sobre poluição plástica abre o caminho para um futuro mais limpo e seguro, mas exige outros passos. “Nosso trabalho está longe de terminar – os líderes mundiais devem agora mostrar ainda mais determinação em desenvolver e implementar um tratado que aborde nossa atual crise de poluição plástica e permita uma transição efetiva para uma economia circular para o plástico. Isso requer não apenas qualquer tratado, mas um com padrões e metas globais claros e fortes que criem um campo de atuação nivelado que incentive as nações a cumprir regras e regulamentos comuns, além de penalizar produtos e práticas nocivas”, afirmou o dirigente do WWF.
O ambientalista Graham Forbes, líder do projeto global sobre plásticos do Greenpeace, disse que a Assembleia do Meio Ambiente da ONU ouviu as milhões de vozes no mundo inteiro que exigem o fim da crise de poluição plástica. “Este é um claro reconhecimento de que todo o ciclo de vida do plástico, desde a extração de combustíveis fósseis até o descarte, cria poluição prejudicial às pessoas e ao planeta”, afirmou Forbes em comunicado da organização. “Este é um grande passo que manterá a pressão sobre as grandes empresas de petróleo e grandes marcas para reduzir sua pegada plástica e mudar seus modelos de negócios para reabastecer e reutilizar”, acrescentou o dirigente do Greenpeace.
Pela resolução, o tratado vai estabelecer objetivos globais para combater a poluição plástica em ambientes marinhos e outros e seus impactos; obrigações e medidas globais ao longo de todo o ciclo de vida dos plásticos, incluindo a concepção do produto, consumo e gestão de resíduos; um mecanismo para fornecer informações e avaliações científicas relevantes para a política; um mecanismo para fornecer apoio financeiro para a implementação do tratado; o estabelecimento de medidas cooperativas nacionais e internacionais; a exigência de planos de ação nacionais e relatórios para a prevenção, redução e eliminação da poluição plástica; e a criação de instrumentos de avaliação do progresso da implementação do próprio tratado.
Representantes de países ativos na aprovação do tratado garantiram compromissos locais para conter a poluição plástica. “O mundo se uniu para agir contra a poluição plástica – uma séria ameaça ao nosso planeta. As parcerias internacionais serão cruciais para enfrentar um problema que afeta a todos nós. Estamos ansiosos para trabalhar com o INC e otimistas com a oportunidade de criar um tratado juridicamente vinculante como uma estrutura para definição de ambição nacional, monitoramento, investimento e transferência de conhecimento para acabar com a poluição plástica”, disse Jeanne d’Arc Mujawamariya, ministra do Meio Ambiente de Ruanda.
A delegação de Ruanda trabalhou junto com a japonesa e a peruana nos rascunhos de documentos que levaram a resolução aprovada. “Agradecemos o apoio recebido dos vários países durante este processo de negociação. O Peru promoverá um novo acordo que previne e reduz a poluição plástica, promove uma economia circular e aborda todo o ciclo de vida dos plásticos”, afirmou o peruano Modesto Montoya, ministro do Meio Ambiente do país. “A resolução claramente nos levará a um futuro sem poluição plástica, inclusive no ambiente marinho”, disse Tsuyoshi Yamaguchi, ministro do Meio Ambiente do Japão.