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Fim de ano: o tempo fecha ciclos, mulheres abrem caminhos

Meu desejo de Natal é que as mulheres tenham tempo, principalmente as que possuem menos: tempo inteiro, tempo próprio, tempo indisciplinado

ODS 5 • Publicada em 23 de dezembro de 2025 - 08:43 • Atualizada em 23 de dezembro de 2025 - 09:45

Todo fim de ano repete o conhecido ritual: mesmo antes das redes martelarem em nossas cabeças, alguém já decretava que é hora de desacelerar, resetar o relógio, novos começos. O ano acaba, dizem. Mas, para muitas mulheres, ele só muda de forma, normalmente na contramão desse direito ao reinício, à renovação.

Há algo profundamente político no modo como o tempo nos é tomado. Não apenas em horas, mas em disponibilidade permanente. Nosso tempo é fragmentado, interrompido, colonizado por demandas alheias. É o tempo do cuidado tratado como vocação natural. É o descanso visto como privilégio imerecido. É a pausa acompanhada de culpa.

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No fim de ano, isso fica escancarado. Somos convocadas a fazer balanços, mas quase sempre esses  balanços trazem julgamentos morais, nossos e dos outros. O que fizemos de errado, onde falhamos, por que não demos conta, por que não metemos o shape? Pouco espaço para perguntar o óbvio: em que condições vivemos esse ano? Quem nos roubou tempo? Quem lucrou com ele?

Neste fim de ano, meu desejo de Natal é que as mulheres tenham tempo (ilustração: Freepik)

A divisão sexual do trabalho não tira férias em dezembro. Pelo contrário: ela se apresenta com toalha de mesa, lista de compras e uma expectativa silenciosa de que tudo seja feito com amor. Amor aqui funciona como anestesia política: se é amor, não é exploração; se é cuidado, não é trabalho; se é mulher, é natural.

Não é.

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O tempo das mulheres sempre foi um campo de disputa. Tempo para estudar, para desejar, para errar, para ir embora, para mudar de ideia. Tempo para não responder. Tempo para não cuidar. Tempo para fazer absolutamente nada.

Direito pleno ao tempo é poder descansar sem pedir desculpas. É poder fazer balanços sem autoflagelação. É poder desejar sem cálculo permanente de risco. É poder olhar para o próximo ano sem que ele pareça apenas mais uma maratona..

E aqui é importante dizer: essa não é uma experiência universal entre mulheres. Mulheres negras, pobres, periféricas, mães solo, trabalhadoras informais têm seu tempo ainda mais violentamente capturado. Para muitas, falar em pausa parece quase uma afronta: afinal, são elas que mantêm as engrenagens que garantem o descanso alheio girando. Justamente por isso, o debate sobre tempo precisa ser político: porque o cansaço também é distribuído de forma desigual.

Talvez o gesto mais radical deste fim de ano não seja fazer grandes resoluções, mas interromper, ainda que por instantes, a lógica que nos quer sempre disponíveis. Talvez seja recusar a ideia de que descanso precisa ser merecido. Talvez seja desejar, mesmo cansadas, um futuro que não seja só menos violento, mas mais livre.

Meu desejo de Natal é que as mulheres tenham tempo, principalmente as que possuem menos. Tempo inteiro, tempo próprio, tempo indisciplinado. Tempo para viver vidas que não precisem ser justificadas e ocupadas o tempo todo. E que quero também que esse tempo não venha embrulhado em um papel bonito de utopia ingênua, mas como aquilo que ele é: uma reivindicação política urgente. Feliz Natal.

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